segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Crise e a dependência portuguesa, a União Ibérica e Invasões estrangeiras

A União Ibérica (1580-1640)

Em 1578, o rei português D. Sebastião morreu no norte da África em batalha contra os árabes muçulmanos. Como o falecido rei não deixou herdeiros diretos, seu tio-avô, o idoso cardeal D. Henrique, foi aclamado rei de Portugal. De saúde frágil, o rei faleceu dois anos depois. Sua morte gerou uma crise de sucessão dinástica, já que não havia herdeiros para sucedê-lo.

Diante da indefinição sucessória, o rei Filipe II da Espanha, descendente por parte de mãe da casa real portuguesa, reivindicou o trono. Ele invadiu o reino vizinho, derrotou os outros pretendentes e assumiu a Coroa portuguesa. Começava a União Ibérica, período de sessenta anos em que Portugal e todas as suas colônias ficaram sob domínio espanhol.

Com a União Ibérica, comerciantes lusos tiveram mais facilidade para fazer comércio com as colônias espanholas e assumiram o fornecimento de africanos escravizados para essas localidades. Mas a união das duas Coroas trouxe mais perdas do que vantagens para Portugal. As guerras entre Espanha e países inimigos, no século XVII, envolveram e enfraqueceram o Império Português.


Fonte: CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas: história do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. p. 11

As invasões holandesas


Fonte: Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1980. p. 26.

Os conflitos da Holanda com a Espanha, durante a União Ibérica, também atingiram Portugal. As investidas holandesas começaram no final do século XVI e se estenderam pela maior parte do século XVII. Os principais alvos ibéricos atacados pelos holandeses foram os centros fornecedores de especiarias nas Índias, os pontos de comércio de escravos na África, a costa do Peru e do México (regiões de extração de prata) e as áreas produtoras de açúcar no Nordeste da América portuguesa.

A invasão holandesa do Nordeste foi organizada pela Companhia das Índias Ocidentais, empresa que tinha o monopólio do comércio holandês na África e na América. O primeiro grande ataque ocorreu em 1624, na Bahia, a fim de tomar a cidade de Salvador, capital da colônia. A resistência luso-espanhola, porém, obrigou os holandeses a abandonar a cidade em 1625.

Na África, os holandeses conquistaram, em 1641, a costa de Angola até Benguela, mas foram derrotados poucos anos depois. A conquista mais importante e duradoura foi São Jorge da Mina, que se transformou no principal centro fornecedor de africanos escravizados para as colônias holandesas na América.

Foi na Ásia, porém, que os portugueses tiveram as maiores perdas. As guerras entre Portugal e Holanda duraram mais de cinquenta anos, terminando em 1663 com a assinatura da Paz de Haia. Com exceção de Macau, no sul da China, e Goa e Damão, na Índia, entre outros poucos locais, as demais feitorias e pontos de comércio de especiarias ficaram sob o controle dos holandeses.

O Brasil holandês

Em 1630, os holandeses atacaram o litoral pernambucano e, depois de vários enfrentamentos com tropas portuguesas e proprietários locais, apoderaram-se da região em 1635. A sede do governo holandês, estabelecida primeiramente em Olinda, logo foi transferida para Recife.

A cidade de Recife, sede da administração holandesa, ganhou calçadas, praças, pontes e edifícios. Comitivas de intelectuais, cientistas e artistas foram trazidas para catalogar, estudar e pintar a natureza e os grupos humanos do Brasil e torná-los conhecidos na Europa. Entre os pintores, destacaram-se Zacharias Wagener, Albert Eckhout e Frans Post, além do cartógrafo, naturalista e pintor George Marcgraf.

Os holandeses introduziram no Nordeste açucareiro uma política de tolerância religiosa que inexistia na América portuguesa. Judeus, missionários calvinistas e católicos eram tolerados pela nova administração e autorizados a realizar seus cultos publicamente.

Relatos de contemporâneos, no entanto, questionam a suposta tolerância da administração holandesa no Nordeste. Segundo o cronista Diogo Lopes Santiago, por exemplo, os holandeses vigiavam os moradores e exigiam que, quando estes se encontrassem, falassem alto para todos ouvirem.

Maurício de Nassau, principal autoridade holandesa no Nordeste entre 1637 e 1644, fez alianças e concedeu empréstimos aos fazendeiros, a fim de retomar rapidamente a produção de açúcar prejudicada pela guerra.


Mercado de escravos em Recife, pintura de Zacharias Wagener, c. 1637. A Rua dos Judeus, representada na pintura, foi marcada pela grande presença de africanos escravizados.

Expulsão dos holandeses

Portugal recuperou sua independência em 1640, com a ascensão de uma nova dinastia e a proclamação do duque de Bragança como rei D. João IV. Como a Espanha não reconheceu a independência, iniciou-se a Guerra de Restauração (1640-1668), que agravou a crise portuguesa.

Em 1644, por divergências com a Companhia das Índias Ocidentais, Maurício de Nassau retornou à Holanda. Os novos administradores do Nordeste holandês começaram a cobrar as dívidas contraídas pelos senhores de engenho e aumentaram os impostos. Descontentes com as mudanças, fazendeiros luso-brasileiros se organizaram para combater a Companhia das Índias Ocidentais.

A guerra de expulsão dos holandeses, conhecida como Insurreição Pernambucana, começou em 1645. As forças pernambucanas mobilizaram fazendeiros, escravizados, libertos e indígenas. As forças holandesas tiveram o apoio de indígenas Tapuia e de alguns senhores de engenho.

Portugal tinha grande interesse em recuperar o controle do Nordeste açucareiro. A precária situação financeira e militar do reino lusitano, contudo, retardou a ajuda da Coroa. As forças portuguesas só chegaram a Pernambuco em 1653.

O conflito terminou em 1654, com a rendição e a retirada dos holandeses do Brasil. A paz definitiva, porém, só foi estabelecida em 1661, quando a Holanda reconheceu a soberania portuguesa sobre o Nordeste brasileiro em troca de uma indenização de 4 milhões de cruzados, entre outros ganhos.


Batalha dos Guararapes, pintura de Victor Meirelles, 1875-1879.

Invasores europeus

Outros europeus também invadiram terras da América portuguesa. Os ingleses tentaram se apoderar da Bahia em 1587; em 1592, atacaram Santos e o litoral do Espírito Santo. Em 1596, chegaram a fundar uma feitoria no Amazonas, mas foram expulsos. Os franceses chegaram a dominar áreas do litoral do Rio de Janeiro (1555) e Paraíba (1581). No Maranhão, fundaram a cidade de São Luís, em 1612, que marcou a criação da França Equinocial, núcleo colonial francês no norte do Brasil. Três anos depois, os franceses foram expulsos da região. Apenas no século XVIII, os portugueses ficaram livres dos ataques franceses em sua colônia americana.


Vista aérea do centro histórico de São Luís (MA), em 2013; em primeiro plano, o terminal hidroviário do Rio Anil. São Luís, capital do Maranhão, é a única cidade do Brasil fundada por franceses.

Portugal e Holanda após as guerras 

Após deixar o Brasil, a Companhia das Índias Ocidentais incrementou a produção de açúcar nas Antilhas holandesas. Com as vantagens de dominar as rotas de comércio e da maior proximidade em relação à Europa, os holandeses transformaram suas colônias do Caribe nos maiores produtores de açúcar do mundo.

O Império Português, ao contrário, chegou ao final do século XVII muito enfraquecido. Os custos da guerra pela independência em relação à Espanha e as guerras contra a Holanda pela preservação de suas colônias na África e na Ásia abalaram as finanças portuguesas. O quadro se agravou com a perda do monopólio do comércio de especiarias asiáticas, a queda nas vendas do açúcar brasileiro no mercado internacional e a concorrência de ingleses, franceses e holandeses no tráfico de africanos escravizados.

domingo, 26 de fevereiro de 2023

Crise do século XVII na Europa

O Estado absolutista

Durante a Baixa Idade Média, a grande mudança política que ocorreu na Europa foi a centralização do poder monárquico. Os reis passaram a assumir poderes que antes eram exercidos pelos senhores feudais em cada domínio. Criaram impostos e moedas de circulação em todo o reino, um corpo de funcionários administrativos e um exército permanente e profissional. Esse processo de fortalecimento da figura do rei é conhecido como formação do Estado moderno.


A centralização do poder real atingiu seu ponto culminante nos séculos XVI e XVII com a monarquia absolutista. Os componentes essenciais do poder absoluto eram: vasta autonomia do rei para criar impostos e vender cargos; ampla burocracia encarregada de administrar a justiça, as finanças, as colônias, o comércio e outros departamentos do Estado; um exército permanente; e uma única Igreja permitida no reino. A expressão “uma fé, uma lei, um rei” resume as bases do regime absolutista.


A consolidação do poder real contou também com um componente subjetivo, que tinha relação com a imagem do rei diante de seus súditos. Era necessário que a figura do rei fosse idolatrada, mitificada e identificada com o Estado. Nesse trabalho de propaganda política, a história cumpriu um papel muito importante. Escritores financiados pelo rei tinham a tarefa de produzir relatos que enalteciam os feitos heroicos do monarca e o divinizavam.


“Com efeito, a história, ao longo do século XVII, acabou por se transformar num eficiente instrumento de propaganda do Estado monárquico. [...]. Dificilmente em qualquer tempo a história foi tão refém do poder.”

LOPES, Marcos Antônio. Declínio e ascensão da história política. Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 22, n. 71, 1995. Disponível em <http://mod.lk/tihoo>. Acesso em 20 mar. 2020.


O regime absolutista, com os componentes que citamos acima, caracterizou a Europa do chamado Antigo Regime. Mas foi na França do século XVII que a monarquia apresentou, de maneira mais completa, as características do Antigo Regime. O grande símbolo do absolutismo francês foi o rei Luís XIV, que governou de 1643 a 1715, o mais longo reinado de que se tem notícia. Seu governo serviu de modelo para monarcas de outros países europeus, que procuravam governar inspirados na realeza francesa.



Madame de Ventadour com Luís XIV e seus herdeiros, pintura atribuída a François de Troy, c. 1715. A postura majestosa do rei francês Luís XIV, o único sentado, e o cenário luxuoso representam a monarquia absolutista na França.

Os teóricos do absolutismo 

A construção do poder absoluto dos reis também foi obra de pensadores. Eles elaboraram teorias que legitimavam o poder dos monarcas, justificando-o pela razão ou pela fé. Thomas Hobbes e Jacques Bossuet foram dois dos intelectuais que se dedicaram a essa tarefa.

Thomas Hobbes (1588-1679). Filósofo inglês, Hobbes defendia a ideia de que a natureza humana era má e egoísta. Em sua principal obra, Leviatã, Hobbes afirma que só um Estado forte seria capaz de limitar a liberdade individual, impedindo a “guerra de todos contra todos”. Em resumo, o indivíduo deveria dar plenos poderes ao Estado, renunciando à sua liberdade a fim de proteger a própria vida. Para Hobbes, o Estado poderia ser dirigido por um monarca ou por uma assembleia, desde que todos aceitassem sua soberania.

Jacques Bossuet (1627-1704). Bispo e teólogo francês, Bossuet foi um dos mais importantes intelectuais da corte de Luís XIV. Em seu livro Política tirada da Sagrada Escritura, Bossuet desenvolveu a doutrina do direito divino dos reis, segundo a qual o poder do soberano expressava a vontade de Deus. Sendo o poder monárquico sagrado, qualquer rebelião contra ele era criminosa. Na França, o mito fundador de uma realeza sagrada, no início da Idade Média, estava presente no imaginário coletivo. Com Bossuet, contudo, a tese da origem divina do rei ganhou autoridade intelectual.

É possível perceber uma diferença no pensamento dos dois teóricos: enquanto Hobbes defendia o absolutismo com base na razão, no argumento de que era necessário garantir a segurança dos indivíduos, o bispo Bossuet fundamentava sua defesa no direito divino dos reis, ou seja, na religião.

O esgotamento do mercantilismo

O mercantilismo foi a política econômica adotada pelos Estados modernos. Visando fortalecer o reino e obter uma balança comercial favorável, os governos das principais economias europeias criaram leis que garantiam o monopólio da Coroa sobre o comércio de alguns produtos, estabeleciam taxas elevadas sobre as importações, controlavam preços e salários, protegiam determinadas manufaturas, entre outras medidas. As práticas mercantilistas variaram de um país para outro e ao longo dos anos.

Com as grandes navegações e as conquistas ultramarinas, as colônias foram organizadas para atender ao principal objetivo do mercantilismo, que era fortalecer o Estado nacional. Em geral, as colônias cumpriram esse papel fornecendo à metrópole metais preciosos e gêneros agrícolas de alto valor comercial na Europa. Para isso, estabeleceu-se o exclusivo comercial metropolitano, que garantia à Coroa o monopólio do comércio colonial. O rei, por meio de uma carta de concessão, transferia aos mercadores do reino o direito de comercializar com as colônias, mediante o pagamento de um tributo. 

No século XVII, a crescente disputa por mercados e possessões coloniais entre as principais potências europeias indicava que o mercantilismo era incompatível com a expansão da economia capitalista. Espanha e Portugal expandiram seus impérios coloniais enfrentando pouca concorrência estrangeira ao longo do século XVI. Porém, com o crescimento das manufaturas e do comércio marítimo de outros países europeus, principalmente França, Inglaterra e Holanda, as possessões espanholas e portuguesas viraram alvo desses novos agentes do mercado mundial. A disputa por colônias e entrepostos comerciais entrou em choque com as restrições do mercantilismo.



Pessoas patinam em pista de gelo em frente ao Rijksmuseum, um dos destinos mais populares da cidade de Amsterdã, na Holanda. Foto de 2016. A capital holandesa era, no século XVII, o maior centro financeiro e comercial da Europa. A sua riqueza tinha origem na supremacia da Holanda nas rotas do comércio mundial e no grande desenvolvimento das atividades bancárias e manufatureiras na cidade.


Localização Amsterdã

As guerras entre Espanha, Holanda e Inglaterra

No século XVI, os Países Baixos faziam parte do império do rei espanhol Filipe II. As províncias do norte tinham como centro a cidade de Amsterdã, onde surgiu uma próspera burguesia comercial e manufatureira. Na região de Flandres, mais ao sul, destacava-se a cidade de Antuérpia, o maior centro do comércio de especiarias e de operações bancárias naquele período.

Em 1581, as sete províncias do norte, protestantes e lideradas pela Holanda, se declararam independentes da Espanha e formaram a República das Províncias Unidas. As províncias do sul, de maioria católica, se mantiveram fiéis a Filipe II. O governo espanhol não aceitou a independência, deflagrando um longo conflito.

A guerra terminou em 1648, quando a Espanha reconheceu a independência das Províncias Unidas, que passaram a ser conhecidas como Holanda. Durante o conflito, Filipe II apoderou-se de Antuérpia e expulsou os judeus e os protestantes que lá viviam, muitos deles ricos comerciantes e banqueiros. A cidade, empobrecida, foi superada por Amsterdã, que se transformou no maior centro comercial, financeiro e manufatureiro da Europa.

Entre 1652 e 1654 foi a vez de a Inglaterra combater a Holanda para retirar dela o domínio nos mares do norte. Concluído o conflito, a Inglaterra se voltou contra a Espanha, principal inimiga dos protestantes, numa guerra que se estendeu até 1660.

O prolongamento dos conflitos gerou elevados custos para as Coroas europeias. Para cobrir os gastos com suas frotas navais e seus exércitos, essas nações aumentaram os tributos cobrados da população, causando revoltas entre os trabalhadores.



Explosão do navio-almirante espanhol, pintura de Cornelis Claesz van Wieringen, c. 1622. A obra representa um episódio das guerras entre Holanda e Espanha no século XVII. 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Trabalho e divisões sociais nas colônias espanholas

 A mão de obra indígena

A mão de obra indígena foi predominante na maior parte da América espanhola. As populações ameríndias ocuparam tanto o papel de aliados políticos dos castelhanos*, como de trabalhadores livres ou compulsórios, incluindo entre estes últimos os escravizados. Entre as principais formas de explorar o trabalho indígena estavam a encomienda e a mita.

* Castelhano: relativo ao antigo Reino de Castela, o qual, após a formação da Espanha, prevaleceu sobre as demais regiões do país; espanhol.


A encomienda era uma instituição jurídica comum nas terras do Vice-Reino da Nova Espanha. Por meio dela, os encomenderos eram autorizados a cobrar tributos de um certo número de indígenas, que eram pagos com o trabalho na agricultura e nas minas. Os encomenderos, por sua vez, ficavam encarregados de catequizar os indígenas. O regime de encomienda rendia altos tributos ao governo da Espanha, chegando a totalizar 20% de toda a receita da Coroa.


A mita era uma instituição de origem inca adaptada pelos espanhóis em suas colônias. Por meio dela, os colonizadores encarregavam os chefes indígenas de selecionar, nas comunidades, os homens que deveriam ser encaminhados ao trabalho, principalmente nas minas, onde deveriam permanecer por quatro meses. Os índios recrutados recebiam um pagamento e, durante o recrutamento, só podiam se ausentar do trabalho nas folgas autorizadas.


Incas trabalhando em plantação de milho, gravura retirada da obra Nueva corónica y buen gobierno, de Guamán Poma de Ayala, 1615.


A mão de obra africana

Na América espanhola, a mão de obra africana foi utilizada de maneira pontual. No caso do México, do Peru e da Bolívia, onde a população indígena era muito numerosa, os africanos escravizados, minoritários, trabalhavam como capatazes nas minas de prata ou como ajudantes de espanhóis ricos. Nas Antilhas e nas zonas costeiras do Caribe, principalmente nos litorais da atual Venezuela e Colômbia, os escravizados de origem africana formavam a maioria da mão de obra utilizada na produção de açúcar.


O trabalho nas minas


Gravura de Theodore de Bry, c. 1590, representando o trabalho indígena nas minas de ouro do território da atual Colômbia.

Os trabalhadores indígenas foram a principal mão de obra empregada nas minas de prata e estavam submetidos a diversos tipos de exploração e de violência por parte dos colonizadores. Além das longas jornadas de trabalho e dos acidentes, os indígenas conviviam com temperaturas extremas, umidade, escuridão e pouco oxigênio, além do risco de contrair doenças pulmonares causadas pela inalação de impurezas. A realidade era tão dura que um padre chegou a denominar as minas de Potosí de a “boca do inferno”.


Na tentativa de amenizar os sofrimentos, os indígenas consumiam bebidas alcoólicas e mascavam folhas de coca. Essas folhas (já consumidas pelos incas, mas apenas em rituais religiosos) funcionavam como um estimulante natural, diminuindo a fome, o sono e o cansaço. Mesmo correndo grande risco, os indígenas resistiram de inúmeras formas: fugiam, danificavam estruturas dos túneis e contrabandeavam minério e mercúrio.


Os africanos escravizados tinham dificuldades de adaptação ao clima e à elevada altitude; por isso, nas áreas da mineração, o trabalho africano foi pouco numeroso.



Detalhe do Códice Kingsborough: memorial dos índios de Tepetlaóztoc, pergaminho do século XVI. Ele foi produzido por indígenas da comunidade de Tepetlaóztoc, na Mesoamérica, com o objetivo de denunciar ao rei os abusos cometidos pelos encomenderos.


A extração da prata


Em um primeiro momento, os espanhóis utilizaram técnicas incas para explorar as minas de Potosí, como os fornos de pedra ou de barro. Esses fornos tinham chaminés que direcionavam o vento para atiçar o fogo, fazendo-o alcançar temperaturas que permitiam fundir o metal e extrair a prata. Boa parte desse trabalho era feita por indígenas, que se comprometiam a entregar uma quantidade de prata aos espanhóis e ficar com o excedente.


As técnicas indígenas, porém, eram capazes de extrair apenas a prata localizada na superfície, que se esgotou rapidamente. Assim, por volta de 1570, os espanhóis implantaram a técnica do amálgama, já utilizada em minas da Europa e do México. Essa nova técnica utilizava o mercúrio, metal líquido que tem a propriedade de se unir à prata, formando uma pasta (amálgama) e separando-a de impurezas.


O novo método era mais lucrativo, pois extraía prata até dos restos do metal descartados pela técnica indígena. Entretanto, ele exigia a abertura de túneis cada vez mais profundos, o que piorou muito as condições de trabalho. Além disso, cada vez mais os espanhóis passaram a explorar a mão de obra indígena nas minas por meio da mita.


A sociedade colonial


Miguel Cabrera - Museu da América, Madri - De espanhol e mestiça: castiça

A sociedade na América espanhola era composta de cinco grupos de condições distintas: espanhóis, criollos, mestiços, indígenas e negros africanos escravizados.


A sociedade na América espanhola



Definição de cada grupo

Espanhóis. Conhecidos como chapetones, ocupavam os postos públicos mais destacados no vice-reino, na Igreja e no exército, além de serem donos de grandes negócios.


O homem é um chapetone e a mulher é um exemplo de mestiça

Criollos. Descendentes de espanhóis nascidos na América, possuíam grandes propriedades e atuavam no comércio ou participavam dos cabildos. Muitos de seus filhos iam estudar na Espanha e, ao voltar, exerciam as carreiras de médico, advogado, entre outras.


Criollos na Nova Espanha

Mestiços. Filhos de espanhóis com indígenas, dedicavam-se ao pequeno comércio, ao serviço doméstico e ao trabalho no campo como vaqueiros ou administradores de propriedades.


Mestiços

Indígenas. Em geral, não tinham propriedades e trabalhavam na agricultura, nas minas e na construção e reparo de obras públicas. A maioria era analfabeta — com exceção das crianças, especialmente os meninos, que eram alfabetizadas no processo de catequização.


Indígena

Africanos escravizados. Eram propriedades dos colonos, trabalhavam principalmente nos engenhos de açúcar e eram submetidos a diversos castigos.


Africanos

Ao longo do tempo, espanhóis, criollos, mestiços, indígenas e negros escravizados formaram novas famílias. Ao se miscigenar, esses sujeitos deram origem a novos grupos sociais e a novas desigualdades na América hispânica.


De chino cambujo e índia: loba, pinturas de Miguel Cabrera, século XVIII. A curiosidade dos europeus a respeito da existência de famílias multiétnicas na América estimulou vários pintores do século XVIII a retratar essas famílias, muitas vezes indicando como seria o filho de um casal inter-racial. Esse gênero de pintura ficou conhecido como pintura de castas.

Um dos critérios de hierarquização social mais comum foi o da “pureza de sangue”, combinada com o local de nascimento. Um criollo, por exemplo, mesmo sendo filho de nobre espanhol, não poderia alcançar os postos mais elevados da administração colonial pelo fato de ter nascido na América.


Relações entre diferentes culturas


Procissão cristã em uma vila da região de Oaxaca, no México, representada em pintura de Arturo Estrada, 1964. Nas celebrações católicas, os indígenas que ocupavam papel de destaque pertenciam, geralmente, às antigas elites nativas.


Criança com roupas tradicionais da cultura quéchua em Ollantaytambo, cidade de origem inca no Peru. Foto de 2017. Segundo dados do governo, mais de 3 milhões de pessoas falam o quéchua no Peru, idioma dos antigos incas e uma das línguas oficiais do país.

A proibição de escravizar os indígenas, decretada pela Coroa espanhola no século XVI, não criou uma situação de igualdade entre nativos e brancos. Na realidade, os europeus consideravam os indígenas inferiores e ingênuos, incapazes de decidir, por sua própria conta, onde e como trabalhar, ou mesmo qual religião seguir. A Coroa e as elites políticas e econômicas espanholas preferiam que os colonizadores e os indígenas não se misturassem. Porém, apesar desse pensamento, muitos conquistadores tiveram filhos com indígenas. O mesmo aconteceu, em menor grau, entre africanos escravizados e indígenas ou entre aqueles e colonos.

Nesse ambiente social bastante heterogêneo, indígenas, africanos escravizados e mestiços foram aqueles que mais tiveram suas identidades transformadas e recriadas. A maioria das comunidades indígenas adotou o cristianismo e incorporou práticas dessa religião à sua identidade étnica e cultural. Apesar dessas transformações, os nativos não deixaram de se considerar indígenas, porque não abandonaram os elementos que compunham essa identidade, como a língua, a visão de mundo, as relações de parentesco, as festas, os trajes e as tradições culinárias, artísticas e religiosas.

Religiões afro-americanas

Já os africanos escravizados, que em geral pertenciam a grupos étnicos distintos, acabaram construindo na América novas identidades socioculturais. Eles mantiveram muito de suas culturas originais, mas incorporaram expressões da cultura do colonizador, como a língua e a religião cristã. Em muitos casos, essa situação propiciou o surgimento de novas religiões, que tinham forte relação com crenças africanas e que ainda hoje são praticadas, como o vodu haitiano ou a santería cubana, aparentadas com o candomblé e a umbanda que conhecemos no Brasil.


Seguidores do vodu haitiano dançam em cerimônia realizada durante o fim de semana de Páscoa em Souvenance, Haiti, 2016. O vodu foi declarado religião oficial pelo governo haitiano em 2003, o que garantiu aos seus seguidores a permissão para a realização de casamentos e batismos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Colonização espanhola na América

Os primeiros órgãos da administração colonial na América Espanhola


América espanhola



Para obter lucro, a Coroa espanhola via a necessidade de iniciar um processo de exploração das riquezas no novo território.

De maneira geral, o objetivo principal das ações colonizadoras iniciadas após a expansão marítima europeia foi promover a exploração das terras colonizadas para a obtenção de riquezas, que foram canalizadas tanto para o governo do país responsável pela empresa colonizadora quanto para suas elites econômicas. Esse era o objetivo essencial da colonização na era mercantilista.


O mercantilismo foi um conjunto de práticas e ideias econômicas que dominou a Europa na transição do feudalismo para o capitalismo. A riqueza das nações em formação estava no acúmulo de metais precisos, na intervenção do Estado na economia e no protecionismo.


O mercantilismo visava uma balança comercial favorável, ou seja, vender (exportação) mais e comprar (importar) menos.

Visando garantir que a colonização promovesse o próprio enriquecimento, os governos de Portugal e da Espanha estabeleceram o exclusivo metropolitano. Ele determinava que as colônias só poderiam comercializar com as respectivas metrópoles. O monopólio sobre o comércio das colônias foi mais rígido no caso espanhol. Mesmo assim, comerciantes estrangeiros e das colônias sempre encontravam brechas para burlar a lei.


Exclusivo metropolitano = Pacto colonial (colônias só poderiam comercializar com as respectivas metrópoles.)

Guiada pelos interesses mercantilistas, cerca de dez anos após a chegada de Colombo à América, a Coroa espanhola criou o primeiro órgão encarregado de administrar as colônias americanas: a Casa de Contratação. Fundado em 1503, em Sevilha, o órgão regulamentava a administração colonial, nomeava os funcionários e fiscalizava a cobrança do quinto, imposto que recaía sobre a mineração e as transações comerciais da colônia.

Administração colonial espanhola no Novo Mundo



A Casa de Contratação foi uma empresa monopolista estatal espanhola. Tinha como função administrar as atividades comerciais espanholas no Novo Mundo e a arrecadação de impostos, para melhor controlar o comércio colonial. Teve sede inicialmente em Sevilha e, posteriormente, em Cádis.

A Casa de Contratação também se encarregava de garantir o exclusivo metropolitano, fiscalizando os navios que partiam das colônias e chegavam ao reino espanhol. Para isso, foi criado o regime de porto único. Os metais e outros produtos saíam dos portos de Porto Belo (América Central) e Veracruz (México), em frotas de navios vigiadas por galeões armados, e entravam na Espanha pelo porto de Sevilha. A partir do século XVIII, o porto de Sevilha foi substituído pelo de Cádiz.


Uma das determinações mais impopulares tomadas pela Coroa espanhola foi o estabelecimento do sistema de “Portos Únicos”. Segundo esta deliberação, os negociantes americanos só poderiam enviar suas mercadorias à Europa através de portos específicos.

Em 1524, após a queda do Império Asteca, foi criado o Conselho das Índias, órgão encarregado de tomar as decisões relativas às colônias. Suas reuniões podiam ser encabeçadas pelo próprio rei, que indicava pessoas de sua mais alta confiança para os principais cargos do conselho.


O Conselho das Índias era responsável pela produção de recomendações sobre as medidas a tomar nas possessões americanas, cabendo ao rei consultá-las. Os vice-reis de Nova Espanha e Peru eram os representantes maiores do monarca em território americano.



O Conselho das Índias - Dar recomendações e aconselhamentos ao rei sobre o processo de colonização de exploração dos novos territórios. 

A criação desses órgãos visava transferir para o Estado e para as elites políticas e econômicas da Espanha os lucros com a colonização na América.



Vista de Sevilha no século XVI. Pintura de Alonso Sánchez Coello, c. 1576-1600. Até o século XVIII, a prata e outros produtos que saíam da América entravam na Espanha pelo porto de Sevilha.


A criação dos vice-reinos

Consumada a queda dos principais impérios indígenas pré-colombianos, a Coroa espanhola começou, de imediato, a organizar a presença direta de seus representantes na administração colonial, visando consolidar a conquista e garantir a exploração econômica dos territórios.


Queda dos principais impérios indígenas pré-colombianos



A Coroa espanhola começou, de imediato, a organizar a presença direta de seus representantes na administração colonial.

Para alcançar esses objetivos, a América espanhola foi dividida em vice-reinos. O Vice-Reino da Nova Espanha foi o primeiro a ser organizado, em 1535, seguido pelo Vice-Reino do Peru, em 1543. Os vice-reis eram membros da nobreza ou da burguesia espanhola. Na América, eles representavam o rei e, portanto, eram as mais altas autoridades coloniais. Os vice-reis cuidavam dos assuntos administrativos, militares e religiosos. Eles ainda presidiam as audiências, nas quais exerciam o papel de autoridade judicial.


Vice-reinos na América Espanhola

Outro órgão muito importante era o cabildo. Espécie de conselho municipal, os cabildos tratavam de vários assuntos, como segurança, abastecimento e uso dos espaços públicos.


Cabildo em Buenos Aires - espécie de uma Câmara Municipal, responsável pela administração da cidade e manutenção do espaço público.


Os "cabildos", ou conselhos municipais, eram a unidade fundamental do governo local na América espanhola colonial. Era a instância responsável pelos aspectos mais ordinários do governo municipal, como policiamento, impostos e a administração da Justiça.


Criollos, a elite local descendente de espanhóis (chapetones), que, apesar de ser formada por ricos proprietários de terras, de minas e do comércio, eram considerados de segunda grandeza, abaixo dos chapetones.

 A América espanhola no século XVIII 


Fonte: DUBY, Georges. Atlas historique mondial. Paris: Larousse, 2003. p. 239.

As principais atividades econômicas

Entre todas as atividades econômicas desenvolvidas nas colônias americanas, certamente a que gerou mais lucros e tributos à Coroa espanhola foi a mineração da prata, iniciada a partir de 1540. A atividade mineradora impulsionou outros empreendimentos, como a extração de carvão e a criação de mulas que serviam de transporte.


A atividade mineradora foi uma das mais lucrativas na colonização de exploração na América Espanhola.

Em 1545, foram descobertas as minas de Potosí, localizadas na Bolívia atual, que na época pertencia ao Vice-Reino do Peru. Elas se tornaram uma das mais ricas e produtivas áreas de exploração mineral do mundo durante os séculos XVI e XVII. Para se ter uma ideia de sua importância, boa parte das moedas que circulavam pelo mundo nesse período era feita com a prata extraída das minas de Potosí.


Boa parte das moedas que circulavam pelo mundo era feita com a prata extraída das minas de Potosí.

A prata americana chegava à Espanha pelo porto de Sevilha, onde era registrada na Casa de Contratação. Em seguida, o produto era taxado e um quinto ia para os cofres da Coroa espanhola. Da Espanha, a prata americana se dispersou pelo restante da Europa e pela Ásia. Porém, uma parcela significativa do metal ficou na América.


No esquema de Porto Único, a prata americana chegava em Sevilha, lá era registrada na Casa de Contratação, pagava imposto (o quinto). Daí, a prata era distribuída para outras regiões do reino e para o restante da Europa.


O Quinto era um imposto cobrado pela Coroa da Espanha e as Casas de Contratações sobre o ouro encontrado em suas colônias. Correspondia a 20% (1/5) do metal extraído e sua forma de cobrança variou conforme a época e a Coroa.

Apesar de proibidos pela Espanha, colonos do Peru e do México faziam comércio entre si. Outra parte da prata circulava nas colônias inglesas e no Brasil, onde ainda não haviam sido descobertas minas relevantes. No caso das colônias inglesas, a prata espanhola supria parte da necessidade de moedas que havia na região. Já nas terras portuguesas, a prata chegava através do comércio de produtos e de escravizados.


Vista panorâmica dos arredores das montanhas do Cerro Rico, em Potosí, no Vice-Reino do Peru. Pintura de Gaspar Miguel Berrio, 1758.

A pecuária, a agricultura e o comércio

A pecuária e a produção de gêneros alimentícios tiveram papel fundamental na economia interna das colônias espanholas. Para desenvolver a agricultura, os espanhóis aplicaram técnicas agrícolas europeias e aproveitaram conhecimentos indígenas, além de introduzir no continente animais, como bois, ovelhas e cavalos. Entre os principais alimentos cultivados estavam o milho, o cacau e a batata.


Além da mineração, a pecuária teve muita importância para a colonização de exploração na América Espanhola. 



A agricultura também se soma a mineração e a pecuária como as principais fontes de renda da Coroa da Espanha no Novo Mundo.


Para desenvolver a agricultura, os espanhóis aplicaram técnicas agrícolas europeias e aproveitaram conhecimentos indígenas, além de introduzir no continente animais.


Apenas visando o lucro, de maneira desumana, os exploradores espanhóis usavam boa parte dos indígenas e depois africanos como mão-de-obra escrava em seu projeto de exploração.

O comércio internacional de produtos de luxo, como a seda, foi outra atividade bastante lucrativa. O comércio da seda, trazida das Filipinas através do Pacífico, chegou a ser tão volumoso e estava tão fora do controle tributário do governo espanhol que foi proibido a partir de 1631. 


Comércio internacional de produtos de luxo

A produção de tabaco, cana-de-açúcar, anil e algodão, por sua vez, visava abastecer o mercado europeu. O primeiro centro importante de cultivo de cana-de-açúcar foram as terras da Nova Espanha (México), envolvendo, desde o início, homens de muito dinheiro, com recursos para investir em sistemas de irrigação e na instalação dos engenhos.


Grande fazenda de tabaco, utilizava mão-de-obra escrava e sua produção era destinada para o consumo no mercado internacional.


Cultivo de anil


Cultivo de tabaco


Cultivo cana-de-açúcar


O plantation é um sistema de produção agrícola que foi implantado pelas nações europeias em suas colônias. Os historiadores entendem o plantation como uma prática que fazia parte do mercantilismo. O plantation se baseava no latifúndio, na monocultura, no trabalho escravo e era voltado para atender o mercado exterior.

O principal centro produtor de açúcar, porém, foram as ilhas do Caribe (Cuba e Hispaniola). Com o uso da mão de obra de africanos escravizados nas grandes propriedades, a partir do século XVII a região se especializou na produção de açúcar, melaço e rum para a exportação.



Principal centro produtor de açúcar, porém, foram as ilhas do Caribe (Cuba e Hispaniola).



O cultivo de cana-de-açúcar nas ilhas do Caribe se especializou no uso da mão de obra de africanos escravizados nas grandes propriedades, na produção exclusiva de cana-de-açúcar que vendia para outros países, ou seja, o cultivo de cana era estruturado no sistema de plantation.

Atividades econômicas na América espanhola 



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