segunda-feira, 25 de setembro de 2023

O Antigo Regime em crise na Europa - O século das luzes: o iluminismo

O Antigo Regime em crise na Europa - O século das luzes: o iluminismo

A sociedade europeia do Antigo Regime

Na Europa moderna, práticas e costumes feudais conviviam com mudanças profundas na sociedade. Por isso, é comum identificar a época moderna como um período de transição entre a Idade Média e o mundo que surgiu das revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII.


A sociedade europeia desse período, conhecida como Antigo Regime, era hierarquizada e estamental. O clero e a nobreza formavam os estamentos dominantes. Eles eram grandes proprietários de terra e estavam isentos de muitos impostos. O restante da população era formado de camponeses, trabalhadores urbanos e burgueses, que pagavam altos impostos para sustentar o luxo das cortes. Entre os burgueses, havia desde artesãos e pequenos lojistas até banqueiros e proprietários de grandes manufaturas.


A origem de cada indivíduo determinava sua posição na sociedade e seus privilégios. Um nobre nascia com privilégios herdados da família, enquanto um artesão ou um lojista tinha muita dificuldade de enriquecer e conquistar prestígio social. Apesar disso, muitos burgueses enriquecidos conseguiam comprar títulos de nobreza, o que lhes conferia distinção em relação aos demais.


Politicamente, a característica que marcou a Euro- pa moderna foi a centralização do poder na figura do rei. Na França, por exemplo, o fortalecimento do poder real consolidou-se com o absolutismo, regime em que o poder de governar, elaborar leis e fiscalizar o seu cumprimento concentrava-se nas mãos do rei. Na Inglaterra, a tentativa de instaurar um poder absoluto foi uma das principais razões da revolução que eclodiu em 1640.



Nobres franceses representados em gravura de Henri Bonnart, século XVII. Pintor e gravurista francês, Bonnart dedicou-se a retratar os costumes e a vida social da corte francesa do Antigo Regime.


O pensamento iluminista


As reações à sociedade do Antigo Regime aconteceram no campo das ideias e no campo da ação revolucionária. No primeiro caso, os agentes históricos eram pensadores de várias áreas do conhecimento, principalmente filósofos, que faziam parte de um movimento intelectual conhecido como iluminismo ou ilustração.


Apesar das diferenças entre os pensadores iluministas, eles partilhavam pontos em comum: a valorização da razão como principal instrumento do ser humano para compreender a realidade e orientar a vida em sociedade; a crítica ao fanatismo religioso, ao poder da Igreja e aos privilégios da nobreza; e a defesa da liberdade religiosa e das liberdades em geral. Os iluministas pregavam que só era possível conhecer a realidade por meio da investigação, da experimentação e da observação dos resultados das experiências.


Os pensadores iluministas também defendiam que os homens, em seu estado de natureza, deveriam ser livres e iguais. Por essa razão, eles condenavam os privilégios determinados pela condição de nascimento ou familiar, uma das características do Antigo Regime. Porém, os iluministas não tinham a mesma visão sobre a desigualdade entre aqueles que enriqueciam e adquiriam propriedades e aqueles que se mantinham pobres.


O inglês John Locke, por exemplo, defendia que o homem tem o direito de ser livre para prosperar por meio do seu trabalho. O franco-suíço Jean-Jacques Rousseau, com outra visão, afirmava que a desigualdade era fruto do direito à propriedade, que teria sido a origem de todas as guerras, crimes e misérias da história humana. Não vendo como recuperar a igualdade natural perdida, Rousseau propunha a criação de meios para tornar a existência humana mais suportável.


No campo da ação revolucionária, o primeiro choque que abalou as bases do Antigo Regime aconteceu com as Revoluções Inglesas do século XVII. O resultado foi a vitória do Parlamento sobre o absolutismo real, o fim das restrições à liberdade econômica e a instauração da tolerância religiosa. Mas foi na França do século XVIII que o iluminismo atingiu o seu auge. As ideias da ilustração inspiraram os revolucionários de 1789 e se difundiram por outros países e continentes, influenciando a política, a economia, a educação, a cultura e a arte do mundo ocidental.



Gravura do século XVIII representando o filósofo iluminista Voltaire sentado à sua mesa. O termo “iluminismo” originou-se da ideia de que a Europa viveu um longo período de trevas, a Idade Média, resultado do controle da Igreja sobre a cultura e a sociedade. Na visão dos iluministas, só a razão poderia colocar a história humana no caminho da luz


A razão como guia do ser humano


Na visão iluminista, a razão era a única ferramenta de que o ser humano dispunha para compreender e transformar o mundo. Isso significa que, em vez de guiar-se pelas superstições e crenças místicas, os indivíduos deveriam orientar suas vidas de acordo com as ferramentas da ciência. 


Conheça, a seguir, alguns dos principais pensadores iluministas e as ideias que eles defendiam.


John Locke (1632-1704). O filósofo inglês defendia que a liberdade, a felicidade e a propriedade são direitos naturais do homem. Visando proteger esses direitos, os indivíduos estabeleceram um pacto com um corpo político que está acima deles. Em outras palavras, eles aceitaram transferir parte da sua liberdade aos governos, que têm a força coercitiva, em troca de segurança. Os governantes, porém, poderiam ser destituídos caso não correspondessem aos interesses coletivos.

 Charles-Louis de Secondat (1689-1755). O barão de Montesquieu, como ficou conhecido, defendia a liberdade dos indivíduos, que seria assegurada por um conjunto de leis, e a criação de três poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. O primeiro seria responsável pela administração pública, enquanto o segundo criaria as leis e o terceiro teria o poder de julgar os conflitos e aplicar as punições. Segundo ele, essa tripartição coibiria o abuso de poder por parte dos governantes e permitiria maior equilíbrio entre as esferas de poder. Dessa forma, a separação dos poderes impediria o surgimento de regimes despóticos, como o absolutista.

François-Marie Arouet (1694-1778). Conhecido como Voltaire, o filósofo francês criticou em suas obras o absolutismo monárquico, o fanatismo religioso e a Igreja Católica. O autor foi um defensor incansável da liberdade política e da razão como meio de livrar o povo da superstição e da ignorância. Apesar de suas ideias, que o levaram a se exilar na Inglaterra, Voltaire se posicionava a favor da monarquia; não da absolutista, mas sim de um governo monárquico orientado pelos ideais iluministas.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Iluminista radical, afirmava que todo governo deveria subordinar-se à vontade soberana do povo, pois o poder pertence ao povo. Também acreditava que o ser humano, naturalmente bom, foi desvirtuado pela sociedade. Um dos caminhos para libertar os homens dos vícios sociais seria a educação. A criança deveria ser educada com liberdade, de acordo com sua própria natureza, para tornar-se um adulto bom.

Na obra Emílio, ou Da educação, uma espécie de romance pedagógico, Rousseau desenvolve sua visão a respeito do papel da educação no desenvolvimento do indivíduo. Segundo ele, crianças educadas com liberdade e constantemente estimuladas com perguntas crescem felizes, boas e capazes de questionar o mundo. 


“Amai a infância; favorecei suas brincadeiras, seus prazeres, seu amável instinto. Quem de vós não teve alguma vez saudade dessa época em que o riso está sempre nos lábios, e a alma está sempre em paz? Por que quereis retirar desses pequenos inocentes o gozo de um tempo tão duro que lhes foge, e de um bem tão precioso, de que não poderiam abusar? Por que quereis encher de amargura e de dores esses primeiros anos tão velozes, que não mais voltarão para eles, assim como não voltarão para nós? [...] fazei com que, a qualquer hora que Deus os chamar, não morram sem ter saboreado a vida.”


ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio, ou Da educação. In: SOËTARD, Michel (Org.). Jean-Jacques Rousseau. Brasília: MEC; Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana, 2010. p. 54-55. (Coleção Educadores)



Da esquerda para a direita, caricaturas atuais dos filósofos iluministas John Locke, Montesquieu, Voltaire e Jean-Jacques Rousseau.


A Enciclopédia


A preocupação dos iluministas em divulgar o conhecimento formalizado pela ciência levou o filósofo Denis Diderot (1713-1784) e o matemático Jean D’Alembert (1717-1783), ambos franceses, a organizar a Enciclopédia. Por essa razão, os iluministas também ficaram conhecidos como enciclopedistas. 


A Enciclopédia foi produzida por diversos intelectuais, editores, resenhistas e ilustradores. Nela pretendia-se resumir todo o conhecimento ocidental existente até aquele momento, expor os avanços técnicos e científicos do século XVIII e reagir a determinadas imposições religiosas, tratadas, na obra, como superstições.



Tirinha de Armandinho, do cartunista Alexandre Beck, 2017.


Atitude historiadora 


A autoridade política na Enciclopédia


Leia a seguir um trecho do verbete “autoridade política”, que integra a Enciclopédia, publicada na França entre 1751 e 1780.


“Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar os outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de usufruir dela tão logo tenha o uso da razão. Se a natureza estabeleceu alguma autoridade é a do poder paterno [...]. Se examinarmos bem, veremos que a autoridade política tem origem em uma destas duas fontes: a força e a violência daquele que dela se apoderou ou o consentimento daqueles que a ela se submeteram através de um contrato, celebrado ou suposto, entre estes e aquele a quem concederam o poder.


O poder adquirido pela violência não é senão usurpação, e só dura enquanto a força daquele que comanda for maior do que a daqueles que obedecem. [...]


O poder que vem do consentimento dos povos supõe necessariamente condições que tornem seu uso legítimo, útil à sociedade, vantajoso para a república, e que o fixem e restrinjam dentro de certos limites. Pois o homem não pode nem deve dar-se inteiramente e sem reserva a um outro homem, já que tem um mestre superior que está acima de tudo, a quem pertence inteira e exclusivamente. Trata-se de Deus [...]. Ele permite, para o bem comum e para a manutenção da sociedade, que os homens estabeleçam entre si uma ordem de subordinação e que obedeçam a um deles. Mas quer que isto seja feito por razão e com medida, e não de maneira cega e sem reserva, a fim de que a criatura não se atribua impropriamente direitos do criador.” 


DIDEROT, Denis. Autoridade política (verbete). In: D’ALEMBERT, Jean le Rond; DIDEROT, Denis (Orgs.). Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, das artes e dos ofícios. São Paulo: Unesp, 2015. v. 4. p. 38. 




Luzes na educação


Críticos da influência política e cultural da Igreja, muitos iluministas eram contrários ao ensino religioso e à administração das escolas por instituições religiosas. Pensadores do período, como o filósofo e matemático francês marquês de Condorcet (1743-1794), defendiam que a educação elementar deveria ser obrigatória, dirigida pelo Estado e gratuita para todos. Propunham uma educação laica, com um currículo escolar independente de qualquer crença religiosa e orientado para o estudo das ciências, dos ofícios e das técnicas. 


Esses princípios educacionais foram implantados na Europa ao longo dos séculos XVIII e XIX. Contudo, apesar de o iluminismo defender a extensão do ensino a todos os cidadãos, prevaleceu a divisão entre uma escola voltada para os burgueses e outra voltada para o povo. 



Escola de ensino mútuo, gravura francesa do século XIX.


O liberalismo econômico


No campo da economia, destacou-se o pensador escocês Adam Smith (1723-1790). Sua obra Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, publicada em 1776, tornou-se a base do liberalismo econômico. 


Criticando os fundamentos do mercantilismo, Smith defendia a livre-iniciativa individual e o fim da intervenção estatal na economia, política que era adotada pelos reinos mercantilistas. Sem o controle do Estado, o mercado se autorregularia, orientado pela lei da oferta e da procura. 


O despotismo esclarecido


Inspirados pelas correntes de pensamento liberais e ilustradas, diversos monarcas europeus procuraram, na segunda metade do século XVIII, modernizar seus Estados. Entretanto, isso não significava maior liberdade e participação política do povo. O objetivo era promover reformas que tornassem a administração do reino mais eficiente e, ao mesmo tempo, preservassem a ordem social e o absolutismo monárquico. 


Esses reis ficaram conhecidos como déspotas esclarecidos. Entre eles estão a rainha Catarina II, da Rússia, e os reis José I, de Portugal, Frederico II, da Prússia, José II, da Áustria, e Carlos III, da Espanha. 


Carlos III, por exemplo, buscou aproximar seu reino das transformações modernizadoras em curso em outras partes da Europa. Ele empenhou-se em estreitar o controle administrativo e fiscal sobre as colônias espanholas na América, expulsando os jesuítas desses territórios, instituindo novos impostos e criando o Vice-Reino da Prata. Com isso, pretendia criar condições para dinamizar a dependente economia espanhola. 


Outra crítica de Smith ao mercantilismo era a crença de que os metais preciosos simbolizavam a riqueza dos Estados. Em lugar de ouro acumulado, ele acreditava que a verdadeira fonte geradora de riqueza de uma nação era a capacidade de produzir e comercializar mercadorias agrícolas e manufaturadas. 


Em um período de crescimento econômico na Europa, as ideias de Adam Smith se difundiram facilmente entre a burguesia, que via a oportunidade de prosperar com a liberdade de produção e de comércio.

sexta-feira, 15 de setembro de 2023

Rebeliões na colônia (Revoltas coloniais nativistas)

 Rebeliões na colônia


A reação colonial

As reformas realizadas pela Coroa portuguesa visando garantir o monopólio e os lucros com o comércio colonial afetaram diretamente a vida dos colonos na América. A política mercantilista, dessa forma, não gerava conflitos apenas entre as potências europeias; ela também passou a se chocar com os interesses das elites coloniais. O descontentamento com o exclusivo metropolitano, somado aos conflitos de interesses entre as elites coloniais, contribuiu para a eclosão de várias revoltas na colônia.

A Revolta de Beckman (1684-1685) 

A falta de mão de obra tornou-se um problema para os colonos do Maranhão. Eles não podiam escravizar os indígenas, prática combatida pelos jesuítas e proibida em 1680, tampouco tinham acesso a africanos escravizados. A crise se agravou quando a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão descumpriu o acordo de garantir o abastecimento de africanos escravizados na região.

A revolta eclodiu em 1684, liderada pelos irmãos e senhores de engenho Manuel e Thomas Beckman, com o apoio dos proprietários de terra. Os revoltosos ocuparam o depósito da Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, prenderam os jesuítas, depuseram o governador e apoiaram Manuel Beckman como chefe do novo governo. 

O movimento, no entanto, foi sufocado pelas forças da Coroa. Em novembro de 1685, o líder Manuel Beckman e seu parceiro Jorge Sampaio foram executados, e os outros envolvidos, presos ou condenados ao degredo.


Beckman refugiado nos sertões do Alto Mearim, pintura de Antônio Parreiras, 1936.

A Guerra dos Mascates (1710-1711) 

No início do século XVIII, Recife não tinha a condição de vila, mesmo sendo importante centro econômico da capitania de Pernambuco. Assim, sua população e os negócios que ali aconteciam estavam submetidos às decisões tomadas pelas autoridades de Olinda.

Insatisfeitos com a situação, os comerciantes de Recife, chamados pejorativamente de mascates, começaram a exigir participação no governo da capitania. Em 1710, por ordem régia, Recife foi elevado à categoria de vila. Contra essa medida, os senhores de engenho de Olinda proclamaram uma revolta armada e marcharam em direção a Recife.

Após alguns enfrentamentos, os mascates venceram com o apoio das tropas da Coroa. Além de manter a condição de vila, Recife transformou-se em sede da capitania de Pernambuco, em 1711.

No século XIX, o conflito entre a aristocracia agrária de Olinda e os comerciantes de Recife foi escolhido como tema do livro Guerra dos mascates, do escritor José de Alencar, publicado em 1873. O nome da revolta, portanto, foi criado por ele.


Vista da Cidade Maurícia e do Recife, pintura de Frans Post, 1653.

 A Revolta do Maneta (1711) 

A cobrança de taxas foi a motivação central para a Revolta do Maneta, ocorrida em Salvador, em 1711. Disputas envolvendo França e Inglaterra na Europa levaram os franceses a atacar Portugal, principal aliado dos ingleses, invadindo sua colônia americana. O local escolhido foi o Rio de Janeiro, aonde os franceses chegaram com cerca de 4 mil homens, várias naus e centenas de canhões. Para não atacar a cidade, exigiram uma quantia exorbitante em dinheiro, caixas de açúcar e bois.

Alegando ter sido prejudicada, a Coroa decidiu transferir para os colonos os custos do conflito, aumentando os impostos sobre o comércio do sal e sobre a compra de africanos escravizados. Indignados com a medida, populares de Salvador, sob a liderança do comerciante João Figueiredo da Costa, conhecido como Maneta, iniciaram o levante. Os revoltosos conseguiram a suspensão temporária dos tributos pagos à Coroa, além da redução do preço do sal. No entanto, as principais lideranças foram punidas com açoite e confisco dos bens.

Impressões Rebeldes

Acesso em 3 abr. 2020.
Esse site, desenvolvido pela Universidade Federal Fluminense (UFF), apresenta documentos textuais e visuais a respeito dos movimentos de contestação na história do Brasil.

Os quilombos e a resistência escrava 

A Guerra dos Mascates, a Revolta de Beckman e a Revolta do Maneta tiveram motivações locais ou circunstanciais. Elas expressaram a insatisfação dos colonos com aspectos da administração metropolitana, mas não foram motivadas por um sentimento nacionalista, de libertação do Brasil da opressão colonial, pois esse sentimento nem sequer existia no período.

Contudo, não apenas setores das elites promoveram revoltas na América portuguesa daquele período. Trabalhadores escravizados também desenvolveram meios de se rebelar contra o cativeiro. Além da recusa ao trabalho, da indolência, da ameaça direta à vida do senhor e de sua família, entre outras formas de revolta individuais, os escravizados de origem africana recriaram no Brasil uma estratégia de resistência coletiva que se transformou no maior símbolo da luta contra a escravidão: os quilombos.

Quilombos, ou mocambos, eram aldeias formadas principalmente por escravizados fugidos, que ali procuravam viver de acordo com as formas de organização política e as tradições culturais trazidas da África. Essas comunidades foram criadas em diferentes momentos da história colonial e imperial do Brasil e se espalharam por todo o território.

 Quilombos no Brasil (séculos XVII ao XIX)  


Fonte: Brasil 500 anos: atlas histórico. São Paulo: Três, 1998. p. 21.

Palmares: um Estado africano no Brasil

O maior e mais duradouro dos quilombos construídos no Brasil foi o de Palmares. Também chamado de União dos Palmares, esse imenso quilombo era formado por um conjunto de mocambos erguidos ao longo da Serra da Barriga, em terras do atual estado de Alagoas, que na ocasião faziam parte da capitania de Pernambuco. O maior deles, considerado a sede dos Palmares, era o mocambo do Macaco.

Não se sabe ao certo quando se formou o Quilombo dos Palmares. O que se pode afirmar é que, durante a União Ibérica (1580-1640) e as invasões holandesas (1624-1654), as guerras pelo controle do Nordeste açucareiro facilitaram a fuga de muitos escravizados das propriedades açucareiras. É provável que esses cativos tenham se unido a integrantes de pequenos quilombos formados anteriormente e se instalado na Serra da Barriga, onde fundaram o Quilombo dos Palmares.


Ilustração atual representando a vida dos moradores do Quilombo dos Palmares.

Palmares tinha uma economia diversificada. Os palmarinos cultivavam milho, mandioca, feijão, batata-doce, cana-de-açúcar, banana e criavam animais. Também praticavam o comércio com populações indígenas, trocando produtos e conhecimentos técnicos, o que lhes permitiu aprimorar a pesca e a produção artesanal. Em seu auge, por volta de 1650, Palmares reunia cerca de 15 mil pessoas, entre escravos, libertos, indígenas e brancos acusados de algum crime, distribuídos por cerca de dez mocambos.

Após a expulsão dos holandeses, o governo português direcionou seus esforços à luta para destruir Palmares. A partir de 1674, várias expedições militares foram enviadas para combater os quilombolas, que resistiam sob a liderança de Ganga Zumba. Como a guerra se prolongava, o governador de Pernambuco decidiu contratar os serviços do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho para derrotar o quilombo. Em 1694, as forças do bandeirante venceram a resistência e destruíram completamente Palmares. No dia 20 de novembro do ano seguinte, Zumbi, último líder do quilombo, foi morto e teve sua cabeça exposta em uma praça pública de Recife.

Próxima aula:

O Antigo Regime em crise na Europa - O século das luzes: o iluminismo

quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Aumento do controle português

O aumento do controle português


De que forma o Império Português procurou superar a crise do século XVII? 


Crise do século XVII


Crise geral do século XVII, ou simplesmente "Crise geral", é um termo criado para se referir ao período do século XVII em que a Europa enfrentou diversos problemas e mudanças de natureza econômica, social e política, tais como a fome, doenças, rebeliões e guerras.


O termo foi cunhado por Eric Hobsbawn num par de artigos de 1954 denominados "As Crises do Século Dezessete", publicados pelo jornal acadêmico Past & Present. Segundo o historiador, a crise teve início por volta de 1620, atingindo sua fase aguda entre 1640 e 1670. Considerando seu alcance por toda a Europa, foi designada como um fenômeno "geral".

HOBSBAWN, Eric (1979). As Origens da Revolução Industrial. São Paulo: Global


Ainda existem discussões ativas sobre a sua causa, duração, intensidade e alcance, não havendo consenso entre o meio acadêmico, principalmente por a Holanda gozar de uma expansão econômica no momento da crise.

STEENSGAARD, Niels. The Seventeenth-Century Crisis. In: PARKER, Geoffrey; SMITH, Lesley. The General Crisis of the Seventeeth Century. Londo: Routledge, 1978.


A diminuição do comércio ultramarino


A economia portuguesa dependia basicamente do comércio dos produtos vindos das suas colônias, principalmente do Brasil. No entanto, as riquezas extraídas das possessões coloniais não foram utilizadas para modernizar a economia portuguesa e fortalecê-la a fim de enfrentar períodos de crise, como aconteceu no século XVII.


Vários fatores explicam a fragilidade econômica do Estado português:


* gastos com a importação de produtos manufaturados e gêneros alimentícios;

* estrutura estatal dispendiosa, que se endividava para manter sua burocracia;

* a presença de uma nobreza parasitária;

* ausência de manufaturas no reino, que o levava a recorrer às importações.


As dificuldades da economia portuguesa foram agravadas pelos acontecimentos do século XVII: as guerras contra a Espanha e a Holanda, a perda do monopólio no comércio das especiarias e de africanos escravizados e a queda no preço do açúcar produzido no Brasil. Era essa a situação de um reino que, no século XV, desbravou o Atlântico e descobriu o caminho marítimo para as Índias.



Gravura que representa escravizados trabalhando em um engenho de açúcar nas Antilhas, de 1859. Expulsos do Brasil em 1654, os holandeses impulsionaram sua agroindústria açucareira nas Antilhas.



Localização das Antilhas holandesas



A Batalha dos Quatro Dias, pintura de Pieter Cornelisz van Soest, c. 1666. A Europa moderna ficou marcada pelas guerras travadas entre as principais potências mercantis da época. Nessa pintura, o artista representou a vitória holandesa sobre a esquadra britânica numa das mais longas batalhas navais da história.


Aliança com a Inglaterra 


A conjuntura econômica desfavorável e a necessidade de recursos para organizar a guerra de independência e defender sua colônia americana levaram Portugal a buscar uma aliança com a Inglaterra. Entre meados do século XVII e o início do século XVIII, lusos e britânicos assinaram três tratados de aliança, amizade e paz.


O primeiro tratado, em 1642, estabeleceu o livre-comércio entre os súditos das duas Coroas nos reinos, domínios e ilhas de Portugal e Inglaterra. Ele equiparou as taxas alfandegárias cobradas dos ingleses às dos mercadores portugueses e concedeu vários privilégios aos súditos ingleses em trânsito ou residentes em solo português, como a liberdade religiosa. Esse acordo foi renovado com um novo tratado, assinado em 1654, que ampliou as concessões comerciais aos ingleses.


Os dois acordos foram complementados e consolidados em 1661, com o casamento de D. Catarina de Bragança, filha de D. João IV, rei de Portugal, com Carlos II, rei da Inglaterra. Como era comum nos matrimônios entre membros da nobreza, esse casamento também estabeleceu um acordo diplomático: os ingleses firmavam o compromisso de defender Portugal em terra ou mar e, em troca, recebiam como dote a praça de comércio de Tanger (em Marrocos), a Ilha de Bombaim (na Índia) e mais 2 milhões de cruzados.


A aliança com a Inglaterra permitiu a mediação britânica nas negociações de paz com a Holanda, em 1661, que determinaram a devolução do Nordeste brasileiro e de Angola ao controle português. Por outro lado, essa aliança aprofundou a dependência de Portugal em relação à Inglaterra.



Catarina de Bragança, pintura de Jacob Huysmans, c. 1670. Conta-se que, quando a infanta Catarina viajou para a Inglaterra a fim de casar-se com o rei Carlos II, levou em sua bagagem várias caixas de chá. Seu costume de tomar chá na corte inglesa teria difundido o consumo dessa bebida na Inglaterra. 


Mudanças na administração colonial 


Diante desse quadro de esfacelamento de seu império ultramarino, a Coroa portuguesa promoveu uma série de reformas administrativas visando fortalecer o exclusivo metropolitano, aumentar o seu controle sobre o comércio de alguns produtos e reduzir os gastos com a administração colonial.


Em 1642, foi criado o Conselho Ultramarino, órgão encarregado de ampliar o controle sobre os domínios coloniais. Com isso, produtos que antes eram comercializados livremente pelos colonos, como o tabaco, passaram a ser monopólio da Coroa.


Portugal criou ainda a Companhia Geral de Comércio do Brasil (1649), que obteve o monopólio do comércio do vinho, do azeite, da farinha e do bacalhau, desde a região do Rio Grande do Norte ao sul da colônia; e a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão (1682), encarregada de fornecer para a região, com exclusividade, africanos escravizados, trigo, bacalhau e vinho.


Além disso, a Coroa incentivou as manufaturas em Portugal, visando reduzir as importações; fundou a Colônia do Sacramento (1680), no atual Uruguai, com o objetivo de facilitar o acesso à prata da América espanhola; transferiu o controle das câmaras municipais para um juiz de fora indicado pelo rei e estimulou as expedições para descobrir metais e pedras preciosas na colônia.


 A América portuguesa em 1650  



Fonte: Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1991. p. 30.


Próxima aula

Rebeliões na colônia

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Crise e a dependência portuguesa (União Ibérica e os holandeses no Brasil)

 A crise e a dependência portuguesa

A União Ibérica (1580-1640)


Bandeira da União Ibérica (União Portugal e Espanha)


União Ibérica, o que foi?


A União Ibérica é um período da história de Portugal e da colonização do Brasil que aconteceu entre 1580 e 1640. Caracterizou-se pela união das Coroas de Portugal e Espanha. As posses que pertenciam ao Império Português passaram a ser controladas pelo Império Espanhol.


Contexto início da União Ibérica


Em 1578, o rei português D. Sebastião morreu no norte da África em batalha contra os árabes muçulmanos. Como o falecido rei não deixou herdeiros diretos, seu tio-avô, o idoso cardeal D. Henrique, foi aclamado rei de Portugal. De saúde frágil, o rei faleceu dois anos depois. Sua morte gerou uma crise de sucessão dinástica, já que não havia herdeiros para sucedê-lo.


Diante da indefinição sucessória, o rei Filipe II da Espanha, descendente por parte de mãe da casa real portuguesa, reivindicou o trono. Ele invadiu o reino vizinho, derrotou os outros pretendentes e assumiu a Coroa portuguesa. Começava a União Ibérica, período de sessenta anos em que Portugal e todas as suas colônias ficaram sob domínio espanhol.


Com a União Ibérica, comerciantes lusos tiveram mais facilidade para fazer comércio com as colônias espanholas e assumiram o fornecimento de africanos escravizados para essas localidades. Mas a união das duas Coroas trouxe mais perdas do que vantagens para Portugal. As guerras entre Espanha e países inimigos, no século XVII, envolveram e enfraqueceram o Império Português.


 O império de Filipe II (1580)  



Fonte: CAMPOS, Flavio de; DOLHNIKOFF, Miriam. Atlas: história do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997. p. 11.


As invasões holandesas


Os conflitos da Holanda com a Espanha, durante a União Ibérica, também atingiram Portugal. As investidas holandesas começaram no final do século XVI e se estenderam pela maior parte do século XVII. Os principais alvos ibéricos atacados pelos holandeses foram os centros fornecedores de especiarias nas Índias, os pontos de comércio de escravos na África, a costa do Peru e do México (regiões de extração de prata) e as áreas produtoras de açúcar no Nordeste da América portuguesa.


A invasão holandesa do Nordeste foi organizada pela Companhia das Índias Ocidentais, empresa que tinha o monopólio do comércio holandês na África e na América. O primeiro grande ataque ocorreu em 1624, na Bahia, a fim de tomar a cidade de Salvador, capital da colônia. A resistência luso-espanhola, porém, obrigou os holandeses a abandonar a cidade em 1625.


Na África, os holandeses conquistaram, em 1641, a costa de Angola até Benguela, mas foram derrotados poucos anos depois. A conquista mais importante e duradoura foi São Jorge da Mina, que se transformou no principal centro fornecedor de africanos escravizados para as colônias holandesas na América (veja o mapa da página anterior).


Foi na Ásia, porém, que os portugueses tiveram as maiores perdas. As guerras entre Portugal e Holanda duraram mais de cinquenta anos, terminando em 1663 com a assinatura da Paz de Haia. Com exceção de Macau, no sul da China, e Goa e Damão, na Índia, entre outros poucos locais, as demais feitorias e pontos de comércio de especiarias ficaram sob o controle dos holandeses.


Invasores europeus


Outros europeus também invadiram terras da América portuguesa. Os ingleses tentaram se apoderar da Bahia em 1587; em 1592, atacaram Santos e o litoral do Espírito Santo. Em 1596, chegaram a fundar uma feitoria no Amazonas, mas foram expulsos. Os franceses chegaram a dominar áreas do litoral do Rio de Janeiro (1555) e Paraíba (1581). No Maranhão, fundaram a cidade de São Luís, em 1612, que marcou a criação da França Equinocial, núcleo colonial francês no norte do Brasil. Três anos depois, os franceses foram expulsos da região. Apenas no século XVIII, os portugueses ficaram livres dos ataques franceses em sua colônia americana.



Vista aérea do centro histórico de São Luís (MA), em 2013; em primeiro plano, o terminal hidroviário do Rio Anil. São Luís, capital do Maranhão, é a única cidade do Brasil fundada por franceses.


Domínio holandês no Brasil

http://mod.lk/cf2h7007


 O domínio holandês no Nordeste açucareiro (século XVII)  


Fonte: Atlas histórico escolar. Rio de Janeiro: FAE, 1980. p. 26. 


O Brasil holandês


Em 1630, os holandeses atacaram o litoral pernambucano e, depois de vários enfrentamentos com tropas portuguesas e proprietários locais, apoderaram-se da região em 1635. A sede do governo holandês, estabelecida primeiramente em Olinda, logo foi transferida para Recife.


A cidade de Recife, sede da administração holandesa, ganhou calçadas, praças, pontes e edifícios. Comitivas de intelectuais, cientistas e artistas foram trazidas para catalogar, estudar e pintar a natureza e os grupos humanos do Brasil e torná-los conhecidos na Europa. Entre os pintores, destacaram-se Zacharias Wagener, Albert Eckhout e Frans Post, além do cartógrafo, naturalista e pintor George Marcgraf.


Os holandeses introduziram no Nordeste açucareiro uma política de tolerância religiosa que inexistia na América portuguesa. Judeus, missionários calvinistas e católicos eram tolerados pela nova administração e autorizados a realizar seus cultos publicamente.


Relatos de contemporâneos, no entanto, questionam a suposta tolerância da administração holandesa no Nordeste. Segundo o cronista Diogo Lopes Santiago, por exemplo, os holandeses vigiavam os moradores e exigiam que, quando estes se encontrassem, falassem alto para todos ouvirem.


Maurício de Nassau, principal autoridade holandesa no Nordeste entre 1637 e 1644, fez alianças e concedeu empréstimos aos fazendeiros, a fim de retomar rapidamente a produção de açúcar prejudicada pela guerra.



Mercado de escravos em Recife, pintura de Zacharias Wagener, c. 1637. A Rua dos Judeus, representada na pintura, foi marcada pela grande presença de africanos escravizados.


Expulsão dos holandeses


Portugal recuperou sua independência em 1640, com a ascensão de uma nova dinastia e a proclamação do duque de Bragança como rei D. João IV. Como a Espanha não reconheceu a independência, iniciou-se a Guerra de Restauração (1640-1668), que agravou a crise portuguesa.


Em 1644, por divergências com a Companhia das Índias Ocidentais, Maurício de Nassau retornou à Holanda. Os novos administradores do Nordeste holandês começaram a cobrar as dívidas contraídas pelos senhores de engenho e aumentaram os impostos. Descontentes com as mudanças, fazendeiros luso-brasileiros se organizaram para combater a Companhia das Índias Ocidentais.


A guerra de expulsão dos holandeses, conhecida como Insurreição Pernambucana, começou em 1645. As forças pernambucanas mobilizaram fazendeiros, escravizados, libertos e indígenas. As forças holandesas tiveram o apoio de indígenas Tapuia e de alguns senhores de engenho.


Portugal tinha grande interesse em recuperar o controle do Nordeste açucareiro. A precária situação financeira e militar do reino lusitano, contudo, retardou a ajuda da Coroa. As forças portuguesas só chegaram a Pernambuco em 1653.


O conflito terminou em 1654, com a rendição e a retirada dos holandeses do Brasil. A paz definitiva, porém, só foi estabelecida em 1661, quando a Holanda reconheceu a soberania portuguesa sobre o Nordeste brasileiro em troca de uma indenização de 4 milhões de cruzados, entre outros ganhos.



Batalha dos Guararapes, pintura de Victor Meirelles, 1875-1879. A pintura de Victor Meirelles foi composta para exaltar a luta dos luso-brasileiros contra os holandeses. Os dois grupos aparecem representados na tela. Com um colega, tentem identificá-los; em seguida, descrevam o modo como eles estão representados.


Portugal e Holanda após as guerras 


Após deixar o Brasil, a Companhia das Índias Ocidentais incrementou a produção de açúcar nas Antilhas holandesas. Com as vantagens de dominar as rotas de comércio e da maior proximidade em relação à Europa, os holandeses transformaram suas colônias do Caribe nos maiores produtores de açúcar do mundo.


O Império Português, ao contrário, chegou ao final do século XVII muito enfraquecido. Os custos da guerra pela independência em relação à Espanha e as guerras contra a Holanda pela preservação de suas colônias na África e na Ásia abalaram as finanças portuguesas. O quadro se agravou com a perda do monopólio do comércio de especiarias asiáticas, a queda nas vendas do açúcar brasileiro no mercado internacional e a concorrência de ingleses, franceses e holandeses no tráfico de africanos escravizados.



Grupo de africanos escravizados recém-chegados ao Suriname é conduzido por um feitor, representação de uma narrativa sobre a revolta de escravos no Suriname (1772-1777), obra de John Gabriel Stedman, 1793. A escravidão no Suriname, antiga colônia holandesa na costa caribenha da América do Sul, foi abolida em 1863.


Próxima aula

O aumento do controle português

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Crise do século XVII na Europa

A crise do século XVII na Europa


Crise do Antigo Regime


O Estado absolutista


Durante a Baixa Idade Média, a grande mudança política que ocorreu na Europa foi a centralização do poder monárquico. Os reis passaram a assumir poderes que antes eram exercidos pelos senhores feudais em cada domínio. Criaram impostos e moedas de circulação em todo o reino, um corpo de funcionários administrativos e um exército permanente e profissional. Esse processo de fortalecimento da figura do rei é conhecido como formação do Estado moderno.


A centralização do poder real atingiu seu ponto culminante nos séculos XVI e XVII com a monarquia absolutista. Os componentes essenciais do poder absoluto eram: vasta autonomia do rei para criar impostos e vender cargos; ampla burocracia encarregada de administrar a justiça, as finanças, as colônias, o comércio e outros departamentos do Estado; um exército permanente; e uma única Igreja permitida no reino. A expressão “uma fé, uma lei, um rei” resume as bases do regime absolutista.


A consolidação do poder real contou também com um componente subjetivo, que tinha relação com a imagem do rei diante de seus súditos. Era necessário que a figura do rei fosse idolatrada, mitificada e identificada com o Estado. Nesse trabalho de propaganda política, a história cumpriu um papel muito importante. Escritores financiados pelo rei tinham a tarefa de produzir relatos que enalteciam os feitos heroicos do monarca e o divinizavam.


“Com efeito, a história, ao longo do século XVII, acabou por se transformar num eficiente instrumento de propaganda do Estado monárquico. [...]. Dificilmente em qualquer tempo a história foi tão refém do poder.”


LOPES, Marcos Antônio. Declínio e ascensão da história política. Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 22, n. 71, 1995. Disponível em <http://mod.lk/tihoo>. Acesso em 20 mar. 2020.


O regime absolutista, com os componentes que citamos acima, caracterizou a Europa do chamado Antigo Regime. Mas foi na França do século XVII que a monarquia apresentou, de maneira mais completa, as características do Antigo Regime. O grande símbolo do absolutismo francês foi o rei Luís XIV, que governou de 1643 a 1715, o mais longo reinado de que se tem notícia. Seu governo serviu de modelo para monarcas de outros países europeus, que procuravam governar inspirados na realeza francesa.



Madame de Ventadour com Luís XIV e seus herdeiros, pintura atribuída a François de Troy, c. 1715. A postura majestosa do rei francês Luís XIV, o único sentado, e o cenário luxuoso representam a monarquia absolutista na França.


Os teóricos do absolutismo 


A construção do poder absoluto dos reis também foi obra de pensadores. Eles elaboraram teorias que legitimavam o poder dos monarcas, justificando-o pela razão ou pela fé. Thomas Hobbes e Jacques Bossuet foram dois dos intelectuais que se dedicaram a essa tarefa.


* Thomas Hobbes (1588-1679). Filósofo inglês, Hobbes defendia a ideia de que a natureza humana era má e egoísta. Em sua principal obra, Leviatã, Hobbes afirma que só um Estado forte seria capaz de limitar a liberdade individual, impedindo a “guerra de todos contra todos”. Em resumo, o indivíduo deveria dar plenos poderes ao Estado, renunciando à sua liberdade a fim de proteger a própria vida. Para Hobbes, o Estado poderia ser dirigido por um monarca ou por uma assembleia, desde que todos aceitassem sua soberania.

* Jacques Bossuet (1627-1704). Bispo e teólogo francês, Bossuet foi um dos mais importantes intelectuais da corte de Luís XIV. Em seu livro Política tirada da Sagrada Escritura, Bossuet desenvolveu a doutrina do direito divino dos reis, segundo a qual o poder do soberano expressava a vontade de Deus. Sendo o poder monárquico sagrado, qualquer rebelião contra ele era criminosa. Na França, o mito fundador de uma realeza sagrada, no início da Idade Média, estava presente no imaginário coletivo. Com Bossuet, contudo, a tese da origem divina do rei ganhou autoridade intelectual.

É possível perceber uma diferença no pensamento dos dois teóricos: enquanto Hobbes defendia o absolutismo com base na razão, no argumento de que era necessário garantir a segurança dos indivíduos, o bispo Bossuet fundamentava sua defesa no direito divino dos reis, ou seja, na religião.




Henrique VIII

























Elizabeth I


O rei inglês Henrique VIII e sua filha Elizabeth I, detalhes de gravura colorida de René Bull, 1936. Henrique VIII e Elizabeth I, que governaram a Inglaterra em 1509-1547 e 1558-1603, respectivamente, foram os soberanos mais absolutistas e populares da história da realeza britânica.


O esgotamento do mercantilismo


O mercantilismo foi a política econômica adotada pelos Estados modernos. Visando fortalecer o reino e obter uma balança comercial favorável, os governos das principais economias europeias criaram leis que garantiam o monopólio da Coroa sobre o comércio de alguns produtos, estabeleciam taxas elevadas sobre as importações, controlavam preços e salários, protegiam determinadas manufaturas, entre outras medidas. As práticas mercantilistas variaram de um país para outro e ao longo dos anos.


Com as grandes navegações e as conquistas ultramarinas, as colônias foram organizadas para atender ao principal objetivo do mercantilismo, que era fortalecer o Estado nacional. Em geral, as colônias cumpriram esse papel fornecendo à metrópole metais preciosos e gêneros agrícolas de alto valor comercial na Europa. Para isso, estabeleceu-se o exclusivo comercial metropolitano, que garantia à Coroa o monopólio do comércio colonial. O rei, por meio de uma carta de concessão, transferia aos mercadores do reino o direito de comercializar com as colônias, mediante o pagamento de um tributo. 


No século XVII, a crescente disputa por mercados e possessões coloniais entre as principais potências europeias indicava que o mercantilismo era incompatível com a expansão da economia capitalista. Espanha e Portugal expandiram seus impérios coloniais enfrentando pouca concorrência estrangeira ao longo do século XVI. Porém, com o crescimento das manufaturas e do comércio marítimo de outros países europeus, principalmente França, Inglaterra e Holanda, as possessões espanholas e portuguesas viraram alvo desses novos agentes do mercado mundial. A disputa por colônias e entrepostos comerciais entrou em choque com as restrições do mercantilismo.



Pessoas patinam em pista de gelo em frente ao Rijksmuseum, um dos destinos mais populares da cidade de Amsterdã, na Holanda. Foto de 2016. A capital holandesa era, no século XVII, o maior centro financeiro e comercial da Europa. A sua riqueza tinha origem na supremacia da Holanda nas rotas do comércio mundial e no grande desenvolvimento das atividades bancárias e manufatureiras na cidade.


Mapa Amsterdã (Holanda) 



As guerras entre Espanha, Holanda e Inglaterra


No século XVI, os Países Baixos faziam parte do império do rei espanhol Filipe II. As províncias do norte tinham como centro a cidade de Amsterdã, onde surgiu uma próspera burguesia comercial e manufatureira. Na região de Flandres, mais ao sul, destacava-se a cidade de Antuérpia, o maior centro do comércio de especiarias e de operações bancárias naquele período.


Em 1581, as sete províncias do norte, protestantes e lideradas pela Holanda, se declararam independentes da Espanha e formaram a República das Províncias Unidas. As províncias do sul, de maioria católica, se mantiveram fiéis a Filipe II. O governo espanhol não aceitou a independência, deflagrando um longo conflito.


A guerra terminou em 1648, quando a Espanha reconheceu a independência das Províncias Unidas, que passaram a ser conhecidas como Holanda. Durante o conflito, Filipe II apoderou-se de Antuérpia e expulsou os judeus e os protestantes que lá viviam, muitos deles ricos comerciantes e banqueiros. A cidade, empobrecida, foi superada por Amsterdã, que se transformou no maior centro comercial, financeiro e manufatureiro da Europa.


Entre 1652 e 1654 foi a vez de a Inglaterra combater a Holanda para retirar dela o domínio nos mares do norte. Concluído o conflito, a Inglaterra se voltou contra a Espanha, principal inimiga dos protestantes, numa guerra que se estendeu até 1660.


O prolongamento dos conflitos gerou elevados custos para as Coroas europeias. Para cobrir os gastos com suas frotas navais e seus exércitos, essas nações aumentaram os tributos cobrados da população, causando revoltas entre os trabalhadores.



Explosão do navio-almirante espanhol, pintura de Cornelis Claesz van Wieringen, c. 1622. A obra representa um episódio das guerras entre Holanda e Espanha no século XVII. 



Foto do quadro

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