domingo, 26 de fevereiro de 2023

Crise do século XVII na Europa

O Estado absolutista

Durante a Baixa Idade Média, a grande mudança política que ocorreu na Europa foi a centralização do poder monárquico. Os reis passaram a assumir poderes que antes eram exercidos pelos senhores feudais em cada domínio. Criaram impostos e moedas de circulação em todo o reino, um corpo de funcionários administrativos e um exército permanente e profissional. Esse processo de fortalecimento da figura do rei é conhecido como formação do Estado moderno.


A centralização do poder real atingiu seu ponto culminante nos séculos XVI e XVII com a monarquia absolutista. Os componentes essenciais do poder absoluto eram: vasta autonomia do rei para criar impostos e vender cargos; ampla burocracia encarregada de administrar a justiça, as finanças, as colônias, o comércio e outros departamentos do Estado; um exército permanente; e uma única Igreja permitida no reino. A expressão “uma fé, uma lei, um rei” resume as bases do regime absolutista.


A consolidação do poder real contou também com um componente subjetivo, que tinha relação com a imagem do rei diante de seus súditos. Era necessário que a figura do rei fosse idolatrada, mitificada e identificada com o Estado. Nesse trabalho de propaganda política, a história cumpriu um papel muito importante. Escritores financiados pelo rei tinham a tarefa de produzir relatos que enalteciam os feitos heroicos do monarca e o divinizavam.


“Com efeito, a história, ao longo do século XVII, acabou por se transformar num eficiente instrumento de propaganda do Estado monárquico. [...]. Dificilmente em qualquer tempo a história foi tão refém do poder.”

LOPES, Marcos Antônio. Declínio e ascensão da história política. Síntese Nova Fase. Belo Horizonte, v. 22, n. 71, 1995. Disponível em <http://mod.lk/tihoo>. Acesso em 20 mar. 2020.


O regime absolutista, com os componentes que citamos acima, caracterizou a Europa do chamado Antigo Regime. Mas foi na França do século XVII que a monarquia apresentou, de maneira mais completa, as características do Antigo Regime. O grande símbolo do absolutismo francês foi o rei Luís XIV, que governou de 1643 a 1715, o mais longo reinado de que se tem notícia. Seu governo serviu de modelo para monarcas de outros países europeus, que procuravam governar inspirados na realeza francesa.



Madame de Ventadour com Luís XIV e seus herdeiros, pintura atribuída a François de Troy, c. 1715. A postura majestosa do rei francês Luís XIV, o único sentado, e o cenário luxuoso representam a monarquia absolutista na França.

Os teóricos do absolutismo 

A construção do poder absoluto dos reis também foi obra de pensadores. Eles elaboraram teorias que legitimavam o poder dos monarcas, justificando-o pela razão ou pela fé. Thomas Hobbes e Jacques Bossuet foram dois dos intelectuais que se dedicaram a essa tarefa.

Thomas Hobbes (1588-1679). Filósofo inglês, Hobbes defendia a ideia de que a natureza humana era má e egoísta. Em sua principal obra, Leviatã, Hobbes afirma que só um Estado forte seria capaz de limitar a liberdade individual, impedindo a “guerra de todos contra todos”. Em resumo, o indivíduo deveria dar plenos poderes ao Estado, renunciando à sua liberdade a fim de proteger a própria vida. Para Hobbes, o Estado poderia ser dirigido por um monarca ou por uma assembleia, desde que todos aceitassem sua soberania.

Jacques Bossuet (1627-1704). Bispo e teólogo francês, Bossuet foi um dos mais importantes intelectuais da corte de Luís XIV. Em seu livro Política tirada da Sagrada Escritura, Bossuet desenvolveu a doutrina do direito divino dos reis, segundo a qual o poder do soberano expressava a vontade de Deus. Sendo o poder monárquico sagrado, qualquer rebelião contra ele era criminosa. Na França, o mito fundador de uma realeza sagrada, no início da Idade Média, estava presente no imaginário coletivo. Com Bossuet, contudo, a tese da origem divina do rei ganhou autoridade intelectual.

É possível perceber uma diferença no pensamento dos dois teóricos: enquanto Hobbes defendia o absolutismo com base na razão, no argumento de que era necessário garantir a segurança dos indivíduos, o bispo Bossuet fundamentava sua defesa no direito divino dos reis, ou seja, na religião.

O esgotamento do mercantilismo

O mercantilismo foi a política econômica adotada pelos Estados modernos. Visando fortalecer o reino e obter uma balança comercial favorável, os governos das principais economias europeias criaram leis que garantiam o monopólio da Coroa sobre o comércio de alguns produtos, estabeleciam taxas elevadas sobre as importações, controlavam preços e salários, protegiam determinadas manufaturas, entre outras medidas. As práticas mercantilistas variaram de um país para outro e ao longo dos anos.

Com as grandes navegações e as conquistas ultramarinas, as colônias foram organizadas para atender ao principal objetivo do mercantilismo, que era fortalecer o Estado nacional. Em geral, as colônias cumpriram esse papel fornecendo à metrópole metais preciosos e gêneros agrícolas de alto valor comercial na Europa. Para isso, estabeleceu-se o exclusivo comercial metropolitano, que garantia à Coroa o monopólio do comércio colonial. O rei, por meio de uma carta de concessão, transferia aos mercadores do reino o direito de comercializar com as colônias, mediante o pagamento de um tributo. 

No século XVII, a crescente disputa por mercados e possessões coloniais entre as principais potências europeias indicava que o mercantilismo era incompatível com a expansão da economia capitalista. Espanha e Portugal expandiram seus impérios coloniais enfrentando pouca concorrência estrangeira ao longo do século XVI. Porém, com o crescimento das manufaturas e do comércio marítimo de outros países europeus, principalmente França, Inglaterra e Holanda, as possessões espanholas e portuguesas viraram alvo desses novos agentes do mercado mundial. A disputa por colônias e entrepostos comerciais entrou em choque com as restrições do mercantilismo.



Pessoas patinam em pista de gelo em frente ao Rijksmuseum, um dos destinos mais populares da cidade de Amsterdã, na Holanda. Foto de 2016. A capital holandesa era, no século XVII, o maior centro financeiro e comercial da Europa. A sua riqueza tinha origem na supremacia da Holanda nas rotas do comércio mundial e no grande desenvolvimento das atividades bancárias e manufatureiras na cidade.


Localização Amsterdã

As guerras entre Espanha, Holanda e Inglaterra

No século XVI, os Países Baixos faziam parte do império do rei espanhol Filipe II. As províncias do norte tinham como centro a cidade de Amsterdã, onde surgiu uma próspera burguesia comercial e manufatureira. Na região de Flandres, mais ao sul, destacava-se a cidade de Antuérpia, o maior centro do comércio de especiarias e de operações bancárias naquele período.

Em 1581, as sete províncias do norte, protestantes e lideradas pela Holanda, se declararam independentes da Espanha e formaram a República das Províncias Unidas. As províncias do sul, de maioria católica, se mantiveram fiéis a Filipe II. O governo espanhol não aceitou a independência, deflagrando um longo conflito.

A guerra terminou em 1648, quando a Espanha reconheceu a independência das Províncias Unidas, que passaram a ser conhecidas como Holanda. Durante o conflito, Filipe II apoderou-se de Antuérpia e expulsou os judeus e os protestantes que lá viviam, muitos deles ricos comerciantes e banqueiros. A cidade, empobrecida, foi superada por Amsterdã, que se transformou no maior centro comercial, financeiro e manufatureiro da Europa.

Entre 1652 e 1654 foi a vez de a Inglaterra combater a Holanda para retirar dela o domínio nos mares do norte. Concluído o conflito, a Inglaterra se voltou contra a Espanha, principal inimiga dos protestantes, numa guerra que se estendeu até 1660.

O prolongamento dos conflitos gerou elevados custos para as Coroas europeias. Para cobrir os gastos com suas frotas navais e seus exércitos, essas nações aumentaram os tributos cobrados da população, causando revoltas entre os trabalhadores.



Explosão do navio-almirante espanhol, pintura de Cornelis Claesz van Wieringen, c. 1622. A obra representa um episódio das guerras entre Holanda e Espanha no século XVII. 

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