Indígenas, escravizados e imigrantes no Segundo Reinado - A política indigenista do império
A política indigenista do império
De modo geral, políticos e intelectuais do século XIX consideravam os indígenas inferiores aos brancos; por isso, defendiam que, para o país se desenvolver, os indígenas deveriam ser submetidos à tutela do Estado, que incorporaria suas terras e os prepararia para se tornarem eficientes trabalhadores. Porém, havia discordâncias sobre como fazer isso.
Discutia-se, principalmente, se os indígenas deviam ser submetidos de forma pacífica ou violenta. Alguns, como José Bonifácio, defendiam a humanidade dos indígenas e sua capacidade de civilizar-se, propondo integrá-los por meio da educação, do trabalho e da mestiçagem; outros afirmavam que os indígenas eram selvagens e desumanos e só poderiam ser submetidos através da guerra e do extermínio.
Em junho de 1845, retomando as ideias de José Bonifácio, o imperador D. Pedro II instituiu o Programa de Catequese e Civilização dos Índios, que estabelecia o aldeamento das populações indígenas em colônias rurais. Nesses locais, os nativos seriam cristianizados e “civilizados” por missionários católicos, principalmente capuchinhos.
Aldeamentos foram criados em todas as províncias do império. Com essa política, o governo atendia a dois objetivos: integrar o indígena à sociedade brasileira, na condição de trabalhador rural, e liberar suas terras para os imigrantes europeus que começavam a chegar ao Sudeste do país.
A política indigenista, porém, não deu muitos resultados. Apesar de transformados, muitos indígenas mantinham suas aldeias e procuravam preservá-las, encaminhando petições para reivindicar direitos coletivos e afirmar sua identidade. Enfrentavam, no entanto, a pressão das autoridades e de moradores dos municípios, que escreviam para o governo central queixando-se de que não fazia sentido preservar aldeias que, segundo eles, tinham sido abandonadas por indígenas já civilizados.
Indígenas Umauá às margens do Rio Japurá, no Alto Amazonas, em foto do alemão Albert Frisch, c. 1865. Também conhecidos como Kambeba e Omágua, eles foram escravizados na exploração das drogas do sertão e na agricultura, a partir do século XVIII, submetidos a projetos missionários do Estado português e, depois, do governo imperial. Apenas no final do século XX seus descendentes voltaram a reafirmar sua identidade indígena.
Indígenas Bororo no estúdio do fotógrafo Marc Ferrez, em 1880. Em 1875, Ferrez começou a trabalhar na Comissão Geográfica e Geológica do Império e passou a realizar diversas expedições pelo Brasil, fotografando diferentes paisagens e seus habitantes.
Indígenas Ticuna às margens do Rio Amazonas, em foto do suíço Georges Leuzinger, c. 1867.
A persistência da escravidão
Nos últimos vinte anos, no Brasil, quase 50 mil pessoas foram libertadas do trabalho análogo à escravidão. Elas foram encontradas por fiscais do Ministério do Trabalho em locais como fazendas e fábricas, trabalhando sem remuneração ou sendo forçadas a cumprir jornadas mais longas do que a lei permite.
Esse resgate aconteceu por duas razões principais: o fato de a escravidão ser crime previsto em leis nacionais e internacionais, e a adoção de políticas públicas, nas últimas três décadas, para erradicar o trabalho escravo no país.
A permanência de condições de trabalho análogas à da escravidão no Brasil é também um reflexo do nosso passado. Durante a maior parte da nossa história, a escravidão foi defendida por muitos políticos que também eram donos de escravizados.
Uma nação escravista
Estima-se que, entre a segunda metade do século XVI e 1850, quase 5 milhões de africanos tenham sido capturados e trazidos para o Brasil como escravizados. A maior entrada ocorreu na primeira metade do século XIX, justamente o período de expansão da lavoura cafeeira.
Além de trabalhar nas fazendas de café, açúcar e algodão, os escravizados desenvolviam atividades urbanas. Eles trabalhavam nos portos carregando e descarregando mercadorias dos navios, em obras públicas, no comércio de rua e nos espaços domésticos. Nas cidades, os escravos de ganho tinham chances de juntar algum dinheiro e comprar a alforria. Já nas fazendas, as chances de comprar a liberdade eram remotas.
O exemplo mais significativo dessa nação sustentada pelo trabalho escravo era a cidade do Rio de Janeiro, a capital do império. Por volta de 1850, havia ali a maior concentração de escravizados das Américas, que chegava a cerca de 38% da população total da cidade.
As pressões inglesas pelo fim do tráfico
No início do século XIX, a Inglaterra aboliu o tráfico negreiro para suas colônias e iniciou uma política agressiva pela abolição do tráfico de escravizados em todo o mundo atlântico. As elites agrárias do Brasil e os traficantes de escravos, com forte influência na corte, resistiram ao máximo às pressões inglesas.
O que explicaria o fato de a Inglaterra, que havia sido líder do tráfico transatlântico de escravizados por três séculos, ter se transformado na grande adversária do comércio de seres humanos? Há muitas controvérsias sobre essa mudança na política inglesa. Vamos apresentar algumas possibilidades.
Ao abolir o tráfico em suas colônias, o governo inglês criou condições para que os colonos investissem os recursos, antes aplicados na compra de cativos, na aquisição de produtos industrializados ingleses.
O fim do tráfico nas Antilhas inglesas obrigou os proprietários a empregar trabalhadores assalariados nos engenhos de açúcar. Como consequência, o açúcar antilhano se tornou mais caro que o brasileiro, que continuou sendo produzido por escravizados.
A forte campanha abolicionista na Inglaterra, encabeçada pelos quakers e realizada por meio de petições públicas antiescravistas, artigos na imprensa e pressões sobre o Parlamento, não deixou saída para os políticos.
Em 7 de novembro de 1831, o governo regencial validou um tratado assinado cinco anos antes que previa a proibição definitiva do tráfico negreiro para o Brasil. Contudo, uma intensa campanha em defesa da manutenção do tráfico dominou o Parlamento brasileiro. A resistência dos escravistas foi tão grande que o tráfico não só continuou como aumentou expressivamente.
Homem com escarificações no rosto, decorrentes de castigos, foto de Augusto Stahl, 1864
Mulher com turbante, foto de Alberto Henschel, 1870.
A extinção do tráfico negreiro
As relações entre Inglaterra e Brasil se deterioraram quando o Parlamento britânico aprovou, em agosto de 1845, o Bill Aberdeen, lei que autorizava a marinha inglesa a apreender os navios negreiros e julgar os responsáveis em tribunais da Inglaterra.
O Bill Aberdeen provocou violentas reações de políticos brasileiros, que consideraram a medida uma violação à soberania nacional. Os ingleses ignoraram as reações brasileiras e reforçaram a fiscalização. Entre 1849 e 1851, cerca de 90 navios foram apreendidos pelos ingleses.
A queda de braço com a Inglaterra não duraria muito tempo. Em 1850, foi aprovada a Lei Eusébio de Queiroz, que proibia definitivamente o tráfico de escravizados para o Brasil. Essa medida trouxe várias consequências. Os capitais antes aplicados na compra de cativos foram deslocados para outras atividades. Ocorreu, assim, um incremento das indústrias, das ferrovias, dos telégrafos e da navegação.
Como saída para a obtenção de mão de obra, os cafeicultores e outros fazendeiros tiveram de recorrer ao tráfico interno ou interprovincial. As lavouras empobrecidas de cana-de-açúcar do Nordeste e o extremo-sul do país ampliaram a venda de escravizados para as lavouras do Sudeste, que se transformou na principal região escravista do Brasil. O tráfico realizado dentro do país continuou significativo até 1870, quando começou a declinar.
Ilustração atual representando navio negreiro interceptado por embarcações britânicas no Oceano Atlântico e escravizados sendo desembarcados em solo africano.
Abolição gradual e segura
A partir da década de 1860, o movimento pela abolição ganhou força no país, principalmente depois da Guerra do Paraguai (1864-1870), quando milhares de escravizados combateram nas fileiras do exército brasileiro.
A grande influência dos fazendeiros na Câmara, no Senado e no governo decidiu os rumos da abolição no Brasil. Ela seria lenta, gradual e segura, ou seja, sem riscos para os privilégios dos grupos dominantes.
Acompanhe a seguir os passos da legislação abolicionista no Brasil.
Lei Rio Branco (Lei do Ventre Livre). Aprovada em 1871, declarava livres os filhos de mulher escravizada nascidos a partir daquela data. As crianças livres ficariam com suas mães até os 8 anos de idade. Depois disso, os senhores podiam optar por receber uma indenização do Estado ou exigir que os libertos trabalhassem para eles até completarem 21 anos.
Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários). De 1885, libertava os escravizados com mais de 60 anos, ficando os libertos obrigados, a título de indenização, a trabalhar para seus antigos donos por três anos.
Apesar do caráter restritivo das duas leis, elas previam dispositivos legais que foram habilmente utilizados pelos escravizados para pleitear a alforria na justiça, negociar o preço da liberdade e questionar o direito de propriedade. Ao fazer isso, os cativos contestavam o direito senhorial e semeavam temores entre os proprietários, acelerando a falência da escravidão.
Capa da Revista Illustrada criticando a Lei dos Sexagenários, 1885. Nela, lê-se: “O coveiro dos sexagenários!, disse Joaquim Nabuco, no seu primeiro discurso na Câmara dos Deputados. Pobres velhos! O Dantas deu-lhes esperança de morrerem livres. O Saraiva quer enterrá-los algemados!”.
Um defensor do abolicionismo
O baiano Luiz Gama (1830-1882) nasceu livre, mas foi vendido como escravo pelo pai. Conseguiu fugir aos dezoito anos, em São Paulo. Autodidata, revelou-se poeta de talento e passou a escrever para os jornais locais. Gama se destacou nos meios literários e jornalísticos de São Paulo, condenando a escravidão, criticando o império e defendendo a república. Além disso, participou da fundação de jornais e ajudou a angariar fundos para a alforria de cativos. Ele obteve licença para trabalhar como advogado mesmo sem o curso de Direito. Frequentemente sem cobrar pelos serviços, passou a representar causas de escravizados na justiça. Conseguiu a liberdade para 500 negros.
O fim da escravidão no Brasil
A partir da década de 1880, a campanha abolicionista tornou-se mais intensa. Associações e clubes voltaram-se contra a escravidão, fazendo propaganda e levantando fundos para a compra de cartas de alforria. Intelectuais, jornalistas, advogados, profissionais liberais, políticos e mesmo fazendeiros aderiam à causa abolicionista.
A participação organizada de intelectuais na campanha abolicionista foi representada em duas entidades principais: a Associação Central Emancipadora e a Sociedade Brasileira contra a Escravidão. A primeira, dirigida pelo jornalista José do Patrocínio, difundiu suas ideias no jornal Gazeta do Rio. A segunda, encabeçada pelo escritor e diplomata Joaquim Nabuco, entre outros políticos do império, moveu intensa campanha pela abolição no Parlamento brasileiro.
Além do movimento abolicionista, as fugas e as rebeliões de escravizados se tornaram frequentes, de modo que os cativos foram agentes decisivos para a crise da escravidão. Em 1881, por exemplo, escravizados fugitivos formaram, no município de Santos, no litoral paulista, o Quilombo do Jabaquara. Com a ajuda de abolicionistas (os chamados caifazes), entre eles filhos da elite cafeeira, o quilombo chegou a reunir 10 mil pessoas vindas das lavouras do interior de São Paulo e de outras regiões.
A situação se tornou insustentável. A mobilização negra era tão intensa que setores abolicionistas começaram a argumentar que a abolição “libertaria” os senhores da dependência da escravidão. Muitos proprietários, sem condições de impedir as fugas, tomavam a iniciativa de libertar os escravizados em troca de sua permanência na lavoura por mais alguns anos. Diante dessa situação, em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, que substituía provisoriamente seu pai, D. Pedro II, no governo, assinou a Lei Áurea, que aboliu a escravidão no Brasil.
A libertação dos escravos, pintura de Pedro Américo, 1889. No primeiro plano da obra, foram representados alguns escravizados agradecendo à Liberdade e, atrás deles, um demônio caído, símbolo da escravidão. No centro, foi retratada uma mulher vestindo um manto verde e amarelo e sentada em um trono. Provavelmente, trata-se da princesa Isabel.
Os libertos depois da abolição
Os ex-escravizados não receberam qualquer tipo de indenização ou auxílio para recomeçar a vida longe do cativeiro. Assim, grande parte deles continuou trabalhando nas fazendas para seus antigos senhores, em uma situação de dependência semelhante à da escravidão, em especial no Nordeste.
No Vale do Paraíba fluminense e paulista, foi comum encontrar libertos que estabeleceram regimes de parceria com seus antigos donos, tornaram-se pequenos sitiantes ou ainda tocadores de gado.
Muitos ex-escravizados também buscaram trabalho nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em São Paulo, a maior parte deles, sem condições de concorrer com os imigrantes que chegavam para trabalhar nas nascentes indústrias, no artesanato e no pequeno comércio, foi obrigada a aceitar os trabalhos mais pesados, de baixa qualificação e mal-remunerados, como os de carregadores, marmiteiros, engraxates, jornaleiros, transportadores de peixe e parteiras. Os baixos salários mal davam para sobreviver e, por isso, era quase impossível essas pessoas ascenderem socialmente.
Essa exclusão social, em muitos casos, era legalizada. Antes da abolição, por exemplo, havia leis que proibiam os escravizados de trabalhar em determinadas profissões, como as de cocheiros e de caixeiros viajantes; após a Lei Áurea, elas se mantiveram e os libertos continuaram a ser impedidos de exercer tais atividades. A Lei de Terras, que veremos adiante, também contribuiu para esse processo.
Nesse contexto em que o Estado não se preocupou em criar políticas para inserir os libertos na sociedade, mantendo-os na marginalidade, formou-se um contingente de negros pobres e desocupados, que passaram a viver nas ruas ou em habitações precárias. A exclusão social acontecia ainda por meio do preconceito racial, que se intensificou com o estímulo à vinda de imigrantes ao Brasil a fim de “embranquecer” a população, como estudaremos em seguida.
Nhô João, deixa disso!, fotografia de Lunara, nome artístico do gaúcho Luiz do Nascimento Ramos. Porto Alegre (RS), c. 1910.
Os imigrantes no Brasil
Após a abolição do tráfico negreiro, em 1850, vários proprietários rurais e políticos do Centro-Sul começaram a tomar providências para incentivar a vinda de imigrantes europeus para trabalhar no Brasil e, assim, evitar uma crise de mão de obra. Com esse objetivo, o Parlamento brasileiro promulgou, em setembro do mesmo ano, a Lei de Terras.
No Brasil, desde o período colonial, as terras públicas podiam ser obtidas por meio de doação da Coroa, da compra ou ocupação. A regra mudou com a Lei de Terras, que determinou que a compra seria o único meio de aquisição das terras públicas. A nova lei previa também o incentivo à vinda de imigrantes europeus para trabalhar nas lavouras do Brasil, com os gastos assumidos pelo governo.
A mudança atendia aos interesses dos grandes proprietários rurais, pois os trabalhadores imigrantes pobres e os negros libertos dificilmente teriam recursos para comprar sua terra. Assim, o único recurso desses trabalhadores seria oferecer sua força de trabalho para os proprietários.
O incentivo à imigração europeia refletia a visão de alguns setores das elites brasileiras, influenciados pelas teorias racistas difundidas na Europa. De acordo com essa visão, os brancos eram superiores e, por isso, a civilização europeia havia atingido um grande progresso. Nessa perspectiva, a vinda de imigrantes europeus para o Brasil promoveria o “branqueamento” do país, contribuindo para o seu desenvolvimento.
O sonho de conseguir um bom emprego, de cultivar o próprio pedaço de terra e de assegurar aos filhos um futuro promissor foram os principais motivos que levaram quase 4 milhões de imigrantes a vir para o Brasil entre 1850 e 1920.
Redenção de Cam, pintura de Modesto Brocos, 1895.
Políticas de incentivo à imigração
Em São Paulo, o pioneiro na experiência com o trabalho imigrante foi o senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, um rico fazendeiro de café do Oeste Paulista. Em 1846, ele levou 364 famílias suíças e alemãs para trabalhar nas lavouras de café de sua Fazenda Ibicaba, no município de Limeira. A iniciativa logo foi repetida por outros fazendeiros da região.
Os imigrantes eram contratados sob o sistema de parceria. Tinham a viagem paga pelo fazendeiro, que também assumia as despesas da família até a primeira colheita de café. Após a venda do café, o colono entregava ao proprietário metade da produção mais o correspondente a 6% de juros sobre as dívidas contraídas desde a viagem. O sistema, porém, não teve sucesso e foi abandonado.
Nos anos 1870, a burguesia cafeeira adotou o colonato, um novo programa de imigração para o Brasil. Por meio de um acordo com o proprietário, os imigrantes passavam a receber um salário fixo pelo trabalho nos cafezais e podiam cultivar alimentos na fazenda, como feijão, milho e hortaliças, e vender o excedente dessa produção.
Em 1871, o governo paulista instituiu a imigração subvencionada, pela qual ficava autorizado a ajudar os proprietários financiando os custos da viagem dos colonos estabelecidos em suas fazendas. O programa inaugurou o período mais ativo da imigração europeia para o Brasil. Em 1887, fundou-se a Hospedaria de Imigrantes, na cidade de São Paulo, com o objetivo de registrar, receber e encaminhar os imigrantes recém-chegados.
Imigrantes italianos em cafezal paulista, 1895.
Imigrantes no Sul do Brasil
A fixação de imigrantes no Sul do Brasil ocorreu por meio da formação de núcleos de colonização em torno da pequena propriedade. Esse processo foi incentivado pelo governo imperial, que, em parceria com as províncias do Sul, facilitou o transporte e liberou recursos para a aquisição de terras destinadas à instalação de núcleos de povoamento.
A Lei de Terras de 1850, por exemplo, previu a demarcação de terras devolutas para fins de colonização. Outras leis posteriores introduziram novas medidas para ampliar a presença de europeus na região. As colônias alemãs de Blumenau e Joinville, em Santa Catarina, e as italianas de Caxias e Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, são exemplos desses núcleos.
Próxima aula
A crise da monarquia no Brasil
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