quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

Expansão industrial na Europa e as novas teorias científicas

Expansão industrial na Europa e as novas teorias científicas


Quais foram os desdobramentos da industrialização na Europa do século XIX?


As condições socioeconômicas na Europa

Ao longo do século XIX, a Revolução Industrial se expandiu pelo continente europeu, ao mesmo tempo que o processo de urbanização se intensificou e novas fábricas foram instaladas em vários países. O crescimento industrial se ligou à expansão comercial e à livre concorrência, marcas típicas do liberalismo.


Definição liberalismo 


Nesse período, contudo, a presença da população trabalhadora nas grandes fábricas ainda era minoritária. Em 1831, nas ilhas britânicas, por exemplo, havia mais de 12,5 milhões de trabalhadores, mas apenas 500 mil deles trabalhavam nas fábricas. Anos depois, em 1851, a Inglaterra tinha mais ferreiros que operários siderúrgicos. Como as grandes fábricas geravam menos postos de trabalho, a produção artesanal continuou absorvendo a maior parte da mão de obra urbana.


Mesmo nessas circunstâncias, as cidades industriais tornaram-se cada vez mais superpovoadas e marcadas pelo contraste entre o florescimento de uma rica burguesia e a pobreza do operariado. Isso podia ser percebido no próprio espaço urbano, que foi ocupado de diferentes formas: de um lado, havia escritórios, lojas, habitações e vias embelezadas; de outro, bairros mal iluminados, casebres e cortiços, lixo e esgoto espalhados pelas ruas.


Apesar desses contrastes, o desenvolvimento técnico-científico e a produção maciça de bens de consumo no período, mesmo que beneficiando uma parcela pequena da população, contribuiu de certa forma para melhorar e facilitar os afazeres do dia a dia. Inovações nos transportes, como a locomotiva e o navio a vapor, e nas comunicações, como o telégrafo e o telefone, possibilitavam vencer distâncias em um espaço muito menor de tempo. Essas conquistas materiais favoreceram a visão positiva das elites europeias em relação à ciência e à tecnologia.



Dudley Street, Seven Dials, ilustração do francês Gustave Doré representando um cortiço em Londres da era vitoriana, publicada na obra Londres, uma peregrinação, em 1872.


A valorização do mundo técnico-científico

O constante desenvolvimento científico e tecnológico possibilitado pela Revolução Industrial passou a ser celebrado em grandes eventos conhecidos como exposições universais. Essas feiras se converteram em grandes vitrines do mundo inventivo e produtivo da burguesia europeia.


As exposições caracterizavam-se por exibir e comercializar os mais variados produtos da atividade humana, da agricultura à metalurgia, dos instrumentos científicos aos novos materiais didáticos, das utilidades em geral às artes plásticas.


Além disso, as exposições universais demonstravam a solidez do capitalismo, o triunfo da “civilização” europeia e o poder de intervenção e de domínio do ser humano sobre a natureza. Entretanto, esse otimismo do novo mundo das máquinas ocultava as péssimas condições de trabalho dos operários.


A Inglaterra, pioneira da industrialização, foi escolhida para sediar a primeira exposição universal, realizada em 1851. Para abrigar o evento, foi construído na cidade de Londres o grande Palácio de Cristal.


A suntuosa construção privilegiava a entrada da luz solar e valorizava a iluminação natural. O evento contou com mais de 14 mil expositores de 28 países e, nos 140 dias em que esteve aberto, recebeu mais de 6 milhões de visitantes. Devido ao grande sucesso do evento, as exposições universais são realizadas até os dias de hoje.



O interior do Palácio de Cristal, construído para a Exposição Universal de 1851, em Londres. Ilustração de 1854. O edifício, de 92.000 m2, foi construído com ferro fundido e vidro


A arte realista

A certeza de que a ciência levaria o ser humano a um progresso contínuo exerceu uma enorme influência no pensamento e na cultura europeias da segunda metade do século XIX. Nesse ambiente se desenvolveu o Realismo, uma nova corrente artística e cultural que propunha uma ruptura com o Romantismo.


Abandonando a emotividade, a dramaticidade e o gosto medievalista da estética romântica, os artistas realistas, na literatura e nas artes plásticas, valorizavam a expressão objetiva e científica do homem, dos acontecimentos e da paisagem. Observe, por exemplo, como neste romance do escritor russo Fiódor Dostoiévski (1821-1881) o narrador descreve um bairro da cidade russa de São Petersburgo.


“O calor era insuportável. A vista da cal, dos tijolos, da argamassa, e esse mau cheiro característico do habitante de São Petersburgo que não pode fugir para o campo no verão. [...] O fedor tremendo das tavernas, numerosas nessa parte da cidade, e os ébrios com que topava a cada passo, conquanto fosse dia útil, completavam o colorido repugnante do quadro. [...] Nas ruas centrais de São Petersburgo, onde vive o operariado, o vestuário mais singular não causa a menor estranheza.”

* Ébrio: que está embriagado.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo [1866]. Rio de Janeiro:

Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1998. p. 8-9.


O Realismo se diferenciou do Romantismo principalmente na valorização da observação como a qualidade mais importante de um artista. Numa clara expressão da racionalidade científica, os realistas buscavam a objetividade para expressar uma visão fria e distanciada das coisas.


Os temas das obras realistas, por sua vez, inspiravam-se no cotidiano e na realidade do trabalho e da vida social: os camponeses, os trabalhadores urbanos, a vida nos subúrbios das grandes cidades, sempre procurando investigar e examinar a realidade social.



Mulheres peneirando trigo, pintura de Gustave Courbet, 1855. Observe como o pintor representou a cena sem idealização ou dramatização, quase de forma crua, sem os padrões de beleza da pintura clássica nem a paixão criadora da pintura romântica.


A razão versus a fé

Durante esse período, a atividade científica procurava mostrar que o mundo natural era governado por leis físicas. A ciência podia explicar os fenômenos da natureza sem precisar recorrer aos textos bíblicos, ao poder de deuses ou de espíritos sobrenaturais.


Nesse contexto, o desenvolvimento de uma mentalidade científica foi acompanhado de uma progressiva secularização da sociedade. Isso significou a diminuição da influência política das igrejas e a separação entre Igreja e Estado na legislação de muitos países. A redução do poder das igrejas, de certa forma, libertou a ciência para explorar assuntos que entravam em choque com as crenças religiosas, entre eles a origem da vida. 


Sobre esse tema, no início do século XIX, o naturalista francês Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829) defendeu a ideia da evolução das espécies por uso e desuso. Ele propunha que os seres vivos se transformam por dois mecanismos.


01 - Quando um ser vivo começa a usar um órgão do corpo mais do que fazia no passado, esse órgão tende a se desenvolver, enquanto um órgão menos usado tende a ser atrofiado.

02 - Os descendentes desse ser vivo herdariam também órgãos com as mesmas características, mais desenvolvidos ou mais atrofiados.

Mais tarde, o pesquisador Alfred Russel Wallace (1823-1913) defendeu outra hipótese: a de que os seres mais bem adaptados ao ambiente sobrevivem.


Essas e outras teorias influenciaram as pesquisas do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882). Segundo Darwin, os indivíduos de uma mesma espécie apresentam grande variação entre si. Um grupo com determinadas características pode tornar-se mais bem adaptado ao ambiente e às suas variações do que outros da mesma espécie, tendo, portanto, mais chances de obter os recursos de que precisa para sobreviver e deixar descendentes, que herdarão as mesmas características. Darwin chamou esse processo de seleção natural.



Um exemplo do processo de seleção natural: dependendo da cor, os besouros podem ser mais ou menos adaptados ao ambiente. Em um ambiente de folhagens secas (A), por exemplo, os de cor marrom chamam menos a atenção dos predadores (B) que os de cor verde. Logo, eles têm mais chances de sobreviver, de se reproduzir e de transmitir as mesmas características genéticas aos seus descendentes (C).


As ideias do darwinismo social

Ao longo do século XIX, pensadores procuraram aplicar a teoria da seleção natural de Darwin às sociedades humanas, criando assim o darwinismo social. O sociólogo inglês Herbert Spencer (1820-1903) foi o principal representante desse pensamento. Ele defendia que os seres humanos são naturalmente desiguais. Assim como ocorre na natureza, os indivíduos competem entre si para sobreviver. Nessa competição, apenas os mais fortes, talentosos e capazes vencem e progridem na vida.


Darwinismo social


Nessa visão, a pobreza era explicada pela incapacidade natural dos indivíduos de competir por sua sobrevivência. Como esses indivíduos eram fracos, tinham de ser eliminados mais cedo para não deixar descendentes. Por isso, os darwinistas sociais combatiam, por exemplo, os programas de ajuda aos pobres e às pessoas com deficiência.


As ideias pseudocientíficas do darwinismo social foram utilizadas para hierarquizar racialmente os povos, dividindo-os em superiores e inferiores. Os europeus e sua cultura foram adotados como modelo de superioridade. Quanto mais distante um povo se encontrasse dos padrões físicos e culturais europeus, mais baixo ele estaria na hierarquia criada sob a influência do darwinismo social.

Pseudocientífico: aquilo que aparenta ser científico, mas não se utiliza

do rigor da metodologia de pesquisa da ciência.


Racismo, eugenia e miscigenação

Aprofundando as ideias do darwinismo social, alguns teóricos europeus defenderam que as raças humanas se dividiam em superiores (arianos) e inferiores (judeus, negros, aborígenes australianos, indígenas americanos, entre outras). Esses teóricos procuraram criar um racismo “científico”; em outras palavras, foram buscar na genética humana características para defender a superioridade de uma raça sobre as demais.


Com base nas mesmas ideias racistas, o inglês Francis Galton, primo de Darwin, criou em 1883 a eugenia, teoria pseudocientífica que propunha a criação de uma raça humana superior por meio do controle da reprodução. Com base nesse controle, os Estados deveriam se encarregar de promover um “aprimoramento racial” da população em seus respectivos países, estimulando que os brancos procriassem entre si e que os demais grupos não se reproduzissem.


Eugenia



Enfase ao histórico de certa parte dos antepassados de um indivíduo ou família, características genéticas entre outras características.



A eugenia foi um movimento que defendeu o conjunto de conhecimentos e práticas que visavam a melhoria das características genéticas de uma população. Para conseguir isso, adeptos da eugenia acreditavam que era preciso excluir grupos "indesejáveis" e impedir a sua reprodução.


Em nome da eugenia, ao longo do século XX programas de controle da reprodução humana nos Estados Unidos promoveram a esterilização de cerca de 70 mil indivíduos, entre eles pessoas com deficiência física e mental, epilépticos, mendigos, prostitutas, negros e chineses. A política de eugenia aplicada pelo regime nazista de Hitler na Alemanha (1933-1945), que causou o extermínio de milhões de pessoas, inspirou-se também na experiência estadunidense.



No colo das mães, os bebês vencedores do concurso “Bebê Perfeito”, em Nova York, Estados Unidos, 1914. Nos Estados Unidos, os defensores da política de eugenia também estimulavam a realização de concursos que premiavam as famílias ou as crianças “perfeitas”, segundo a ideologia da superioridade branca.



Política eugenista do governo nazista de Hitler na Alemanha que gerou o Holocausto. O Holocausto foi a perseguição sistemática e o assassinato de 6 milhões de judeus europeus pelo regime nazista alemão, seus aliados e colaboradores. O Holocausto foi um processo contínuo que ocorreu por toda a Europa entre os anos de 1933 a 1945. O antissemitismo foi a base do Holocausto.


Eugenia no Brasil

O darwinismo social e a eugenia tiveram forte influência na elite intelectual do império e do início da república no Brasil. Intelectuais como Sílvio Romero (1851-1914) e Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) defendiam que os problemas socioeconômicos do Brasil tinham como causa a presença de indígenas e negros na formação dos brasileiros. Como solução, eles pregavam o incentivo à imigração de europeus e sua miscigenação com os brasileiros. Na visão racista dessa elite, só o branqueamento contínuo da população promoveria o desenvolvimento do país.


Significado da palavra miscigenação


Na atualidade, essas teorias racistas estão desacreditadas. Pesquisas comprovam que a constituição genética dos seres humanos é muito semelhante, existindo apenas uma “raça” humana. Apesar de a ciência ter superado a ideia de superioridade ou inferioridade racial, o racismo é uma realidade concreta, fruto da apropriação indevida da ciência para justificar a dominação de um povo sobre outro.



A fotógrafa Larissa Isis (na imagem) lançou em 2015 o projeto Cansei, que expõe situações vivenciadas constantemente por pessoas negras. Segundo ela, “as pessoas têm certo receio em usar a palavra NEGRA quando vão se referir ao meu tom de pele. Acredite em mim, você me chateia mais ao me chamar de morena. Eu SOU NEGRA. Você não me ofende ao dizer isso”. Foto de Bruna Moraes, 2015.


Próxima aula

O socialismo, o anarquismo e a Comuna de Paris

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