Socialismo, anarquismo e a Comuna de Paris
A Comuna de Paris foi um movimento popular ocorrido na capital francesa em 1871 organizado por trabalhadores em resposta à crise socioeconômica vivida pela França. A Comuna de Paris de 1871 ficou marcada pela formação de barricadas nas ruas parisienses.
A necessidade de mudanças
De fato, no século XIX, a condição dos operários foi agravada por dois fatos independentes da Revolução Industrial, do egoísmo dos proprietários e da falta de organização dos explorados, e que são, de um lado, uma fase de depressão econômica e, de outro lado, o impulso demográfico.
A expansão do capitalismo industrial e do liberalismo na Europa, apesar de trazer desenvolvimento tecnológico e igualdade jurídica, não promoveu igualdade social e econômica.
Desigualdade econômica, social, exploração trabalho infantil e outras desumanidades realizadas pelas classes dominantes.
Diante dessa situação contraditória, muitos provavelmente se perguntavam: “E se fosse diferente?”. Alguns pensadores e políticos, não satisfeitos em apenas questionar, passaram a elaborar propostas de uma nova organização social.
Movimento operário no século XIX: à esquerda, o anarquista Bakunin; e à direita, o comunista Marx
Foi nesse ambiente de reflexão e questionamentos que surgiram ideias com o objetivo de acabar com as injustiças e as desigualdades sociais, entre outros problemas que afetavam a sociedade industrial europeia. Conheça, a seguir, alguns intelectuais do período e suas principais propostas.
*Saint-Simon (1760-1825) foi um teórico francês que dividia a sociedade entre produtores (industriais, operários, artistas, intelectuais e banqueiros) e ociosos (nobres e clérigos). Propunha que o poder político fosse exercido pelos produtores mais eficazes e insistia na solidariedade social.
*Robert Owen (1771-1859) foi um industrial galês que defendia a criação de cooperativas de produtores e consumidores e a educação de todo o povo. Adotou em sua fábrica medidas que melhoraram as condições de trabalho e salubridade, como a redução da jornada, a assistência aos operários e suas famílias e a criação de cooperativas de consumo para os trabalhadores.
*Charles Fourier (1772-1837) foi um crítico social francês que propôs a criação dos falanstérios, comunidades autônomas e autossuficientes onde as pessoas viveriam de forma cooperativa e cada um trabalharia de acordo com sua capacidade.
*Saint-Simon, Owen e Fourier foram chamados de socialistas utópicos por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), porque eles criticavam a sociedade capitalista, mas não apresentavam propostas concretas para superá-la.
Apesar disso, o diagnóstico crítico que os primeiros socialistas fizeram dos limites da democracia implementada com as revoluções liberais dos séculos XVIII e XIX foi muito importante para construir um novo conjunto de teorias sociais e políticas.
O socialismo de Marx e Engels
Opondo-se aos socialistas utópicos, Marx e Engels elaboraram uma teoria que chamaram de socialismo científico, por considerarem que faziam uma análise científica do capitalismo e propunham um caminho concreto para superá-lo. Segundo a teoria marxista, existe uma permanente luta de classes na sociedade, responsável por mover a história. Em meados do século XIX, essa luta se manifestava no conflito entre a burguesia e o proletariado.
Luta de classes é um fenômeno social marcado por uma oposição de ideias entre grupos diferentes. Essas visões antagônicas podem ser observas em diferentes esferas e muitas vezes referem-se à defesa de próprios interesses. A expressão originou-se a partir da teoria do sociólogo alemão Karl Marx.
Marx observou que, no capitalismo, a burguesia detinha todos os meios de produção e os trabalhadores vendiam sua força de trabalho em troca de um salário. Porém, o salário era sempre menor do que a riqueza gerada pelo trabalhador. Essa diferença foi denominada por Marx de mais-valia, que era a base da acumulação promovida pelo sistema capitalista.
A mais valia representa a disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho. Dessa maneira, ela pode ser entendida como o trabalho não pago, ou seja, são horas que o trabalhador cumpre/valor que ele gera pelos quais ele não é remunerado.
Como seria possível transformar essa situação? Para Marx e Engels, os trabalhadores deveriam, por meio de uma revolução, tomar o poder, se apropriar dos meios de produção e instituir a ditadura do proletariado. O Estado deveria ser governado pelos trabalhadores e durar até que todas as classes sociais desaparecessem, para, enfim, chegar-se ao comunismo.
Revolução Proletária ou Revolução Operária é uma revolução classista promulgada pelo Marxismo em que o proletariado tenta ocupar a posição de classe dominante, subordinando outras classes mediante a tomada de governo. Seu objetivo, conforme marxistas, é transformar o Estado Burguês em um Estado Operário.
Marx e Engels também procuraram colocar suas teorias em prática, participando de manifestações operárias e da criação da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), em Londres, em 1864. Suas ideias, sintetizadas principalmente na obra Manifesto do Partido Comunista, publicada no fervor revolucionário de 1848, também serviram de base para o movimento operário de outros países.
O anarquismo: a negação do Estado
O anarquismo não pode ser compreendido como uma corrente teórica única, pois teve diversas características e formas de atuação. No entanto, as ideias anarquistas tinham pontos centrais em comum.
Definição anarquismo
De modo geral, os anarquistas combatiam qualquer forma de dominação política, religiosa e social. Para os anarquistas, o Estado é o criador das desigualdades sociais. Por isso, eles não concordavam com a tese de Marx de que os trabalhadores devem tomar o poder e instituir a ditadura do proletariado. Para eles, o Estado deve ser abolido e substituído por formas de organização cooperativas e baseadas na autogestão. Os anarquistas também eram anticlericais e opunham-se aos partidos políticos e à atuação eleitoral.
Simbolo anarquismo
A luta dos anarquistas sempre primou pela ação direta como meio de difundir suas ideias. Organizando sindicatos, greves e outras formas de luta dos trabalhadores, os anarquistas exerceram forte influência no movimento operário mundial até a década de 1920. Os principais expoentes do anarquismo nos séculos XIX e XX foram o francês Pierre-Joseph Proudhon, os russos Mikhail Bakunin e Piotr Kropotkin e a francesa Louise Michel.
Greve de 1917 em São Paulo
O termo “anarquia” vem do grego anarchos, que significa “sem governo”. Até hoje muitas pessoas associam as palavras “anarquia”, “anarquismo” e “anarquista” à desordem ou ao caos, porém esse não era o sentido que os anarquistas davam às suas ideias.
Gravura representando Mikhail Bakunin durante discurso na Associação Internacional dos Trabalhadores, na Suíça, em 1869. Também conhecida como Primeira Internacional, a associação congregou trabalhadores marxistas e anarquistas com a finalidade de organizar o movimento operário europeu.
A polêmica entre Bakunin e Marx
O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) foi o principal porta-voz das divergências que os anarquistas travaram com a teoria elaborada por Karl Marx. No texto a seguir, Bakunin critica a ditadura do proletariado defendida pelos marxistas. Na sequência, Marx faz um comentário (em itálico) à crítica de Bakunin.
“Já manifestamos nossa profunda repugnância pela teoria de Lassalle e Marx, que recomenda aos operários, senão como ideal supremo, pelo menos como objetivo imediato e principal, a instauração de um Estado popular, o qual, segundo sua expressão, não será senão o proletariado erigido em classe dominante. E a gente se pergunta: quando o proletariado for a classe dominante, sobre quem vai dominar? Isto significa que sobrará outro proletariado, submetido a essa nova dominação, a este novo Estado. (Isto significa que enquanto subsistam as outras classes e especialmente a classe capitalista, enquanto o proletariado lute contra elas — pois com a ascensão do proletariado ao poder não desaparecem ainda seus inimigos, nem desaparece a velha organização da sociedade — terá que empregar medidas de violência, isto é, medidas de governo).”
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O anarquismo.São Paulo: Acadêmica, 1987. p. 73.
A Comuna de Paris
Entre 18 de março e 28 de maio de 1871, a capital francesa viveu a experiência da Comuna de Paris, considerada por Marx a primeira experiência socialista da história. O movimento teve à sua frente trabalhadores, teóricos socialistas de várias correntes e anarquistas.
Essa experiência de governo teve origem a partir da crise agravada pela Guerra Franco-Prussiana. Desde setembro de 1870, as tropas prussianas cercavam a cidade de Paris. O povo, disposto a resistir, formou o Comitê da Guarda Nacional. Porém, a situação na cidade se tornou extremamente difícil: escassez de alimentos, epidemias e revoltas populares eram muito frequentes.
Em janeiro de 1871, o governo republicano de Adolphe Thiers rendeu-se às tropas prussianas e entregou as armas aos inimigos. Em março de 1871, os populares de Paris e a Guarda Nacional, armada, tomaram as ruas, levantaram barricadas e forçaram os governantes a fugir. Dias depois nascia a Comuna de Paris.
O governo da Comuna instituiu medidas de caráter socialista, como a tomada de decisões pela população em reuniões regulares e o congelamento dos preços de gêneros de primeira necessidade e dos aluguéis. Além disso, criou creches e escolas para os filhos dos trabalhadores e passou o comando das fábricas abandonadas para os operários. A ideia da igualdade entre homens e mulheres, pela primeira vez, foi colocada em ação.
A Comuna de Paris, no entanto, foi destruída pelo exército francês com apoio das tropas prussianas. Entre 21 e 28 de maio, durante a chamada Semana Sangrenta, cerca de 20 mil communards foram assassinados e outros 40 mil foram presos ou deportados para as colônias francesas. Após o fim da Comuna, uma reforma urbana destruiu os bairros onde foram levantadas as barricadas. A curta experiência da Comuna foi incorporada na memória coletiva dos trabalhadores como modelo de governo revolucionário e popular.
As mulheres na Comuna de Paris
Desde a Revolução Francesa, em 1789, as mulheres parisienses participaram cada vez mais de revoluções e agitações sociais. Na Comuna de Paris, em 1871, elas tiveram uma atuação de destaque, conforme descreve o texto abaixo.
“Em concreto, as mulheres trabalharam em fábricas de armas e munições, fizeram uniformes e dotaram de pessoal aos hospitais improvisados, além de ajudar a construir barricadas. Muitas delas foram destinadas aos batalhões da Guarda Nacional como cantinières, onde se encarregavam de proporcionar alimentos e bebida aos soldados das barricadas, além dos primeiros auxílios básicos. [...] Por outra parte, abundantes dados mostram que muitas mulheres recolheram as armas de homens mortos ou feridos e lutaram com grande determinação e valentia. Também houve um batalhão composto por 120 mulheres da Guarda Nacional que lutou com valentia nas barricadas durante a última semana da Comuna. [...]
[...] Sem dúvida, há provas que indicam que, durante os últimos dias, as mulheres aguentaram mais tempo detrás das barricadas que os homens. No total, foram submetidas 1.051 mulheres a conselhos de guerra, realizados entre agosto de 1871 e janeiro de 1873: oito foram sentenciadas a morte; nove a trabalhos forçados e 36 a serem deportadas às colônias penitenciárias.”
TODD, Allan. Las revoluciones. 1789-1917. Madrid: Alianza, 2000.
p. 140-141. In: COSTA, Silvio. A Comuna de Paris de 1871.
História revista, v. 16, n. 2, jul./dez. 2011. p. 59-61
Detalhe de fotomontagem com mulheres acusadas de participar da Comuna de Paris, encarceradas na prisão de Chantiers, em Versalhes, na França, em agosto de 1871.
Próxima aula
A Segunda Revolução Industrial
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