Os Estados Unidos no século XIX
Um país dividido pela escravidão
Até meados do século XVIII, o arroz e o tabaco dominavam a agricultura do sul dos Estados Unidos. Com o surgimento de fábricas têxteis na Inglaterra, a produção de algodão foi estimulada e os estadunidenses passaram a exportar esse produto para abastecer as indústrias inglesas. Assim, no início do século XIX, as plantações de algodão já eram hegemônicas na paisagem sulista.
A grande demanda pela matéria-prima exigia o uso de muita mão de obra, composta basicamente de africanos escravizados. Mesmo com a proibição do tráfico negreiro nos Estados Unidos, em 1808, as fazendas sulistas continuaram a ser abastecidas pelo tráfico ilegal de cativos. Em 1860, a população escravizada, que chegava a quase 4 milhões, representava um terço da população dos estados do sul.
Na segunda metade do século XIX, a manutenção da escravidão nos Estados Unidos gerava grande polêmica e dividia o país. Enquanto os estados do sul eram favoráveis à escravidão, os estados do norte, com uma indústria em franca expansão e a produção rural organizada em pequenas propriedades, defendiam o trabalho livre e assalariado. Apesar dessas diferenças, tanto no sul quanto no norte prevalecia a ideia de que o homem branco fazia parte de uma “raça” superior à do negro africano.
O libertador
Em 1830, o estudante William Garrison (1805-1879) fundou, em Nova York, o jornal The Liberator, que pregava o fim imediato da escravidão nos Estados Unidos. A maioria dos leitores, a princípio, era formada de negros alfabetizados pelas igrejas protestantes. Os próprios negros garantiam a sobrevivência do jornal. Aos poucos, outros pregadores abolicionistas, incluindo brancos, se interessaram em manter o periódico.
Ilustração do jornal The Liberator, 1900, sugerindo, de forma crítica, que apenas Cristo poria fim à escravidão no país.
A caminho da guerra civil
A questão escravista dominou as discussões sobre a integração das novas terras do oeste dos Estados Unidos e foi um dos principais motivos para a eclosão de uma guerra civil no país.
Os fazendeiros do sul pretendiam expandir suas grandes propriedades em direção ao oeste, ampliando o uso da mão de obra escrava. Os estados do norte, ao contrário, queriam impedir o avanço da escravidão e desejavam que, nessas novas terras, a pequena propriedade familiar predominasse. No entanto, decretar o fim do trabalho cativo interferiria na soberania dos estados sulistas.
Para agravar a discussão, as elites políticas e econômicas do norte, interessadas em estimular sua crescente indústria, defendiam o aumento das tarifas alfandegárias para se proteger da concorrência dos produtos importados e criar um poderoso mercado interno. O sul, por sua vez, queria manter as tarifas de importação baixas para adquirir produtos estrangeiros mais baratos.
O ápice da crise entre as duas regiões veio com as eleições de 1860, quando o nortista Abraham Lincoln foi eleito presidente do país. Apesar de ser antiescravista, Lincoln não era um abolicionista declarado. Republicano moderado, ele propunha manter a escravidão nos estados em que ela já era praticada e, ao mesmo tempo, prometia combater qualquer movimento separatista, projeto cada vez mais alimentado pela elite sulista.
O discurso ambíguo de Lincoln deixou o sul ainda mais insatisfeito. Em resposta, o estado da Carolina do Sul decidiu separar-se dos Estados Unidos. Dez estados seguiram o exemplo e, em fevereiro de 1861, fundaram um novo país: os Estados Confederados da América.
Gravura do século XIX que representa negros escravizados sendo vendidos no estado sulista da Louisiana, Estados Unidos.
A guerra e o fim da escravidão
A formação dos Estados Confederados da América foi o estopim para a eclosão da Guerra Civil Americana ou Guerra de Secessão (1861-1865). O conflito colocou em lados opostos o exército da União, representado pelos estados do norte e vários estados do oeste, e o exército confederado. Apesar de o sul contar com militares experientes, o norte tinha um número superior de soldados, recursos de comunicação mais sofisticados e, sobretudo, um desenvolvimento industrial que lhe garantiu estar sempre mais bem armado e abastecido.
Além disso, a liderança política do presidente Lincoln foi muito importante para o desfecho do conflito. Durante a guerra, ele proibiu a entrada de mercadorias de primeira necessidade nos estados do sul, obrigando muitos soldados confederados a desertarem, e decretou a Lei do Confisco, que autorizava a apreensão de todos os bens dos confederados, incluindo os escravizados que caíssem em mãos da União.
Aos olhos dos escravizados, essas medidas tornaram-se uma grande oportunidade para conquistar a liberdade. Dessa forma, quando o exército da União invadia uma área sulista, muitos cativos promoviam fugas coletivas.
Nesse contexto, Lincoln criou condições favoráveis para vencer a guerra. Diante da pressão de setores abolicionistas e com o objetivo de ganhar popularidade, o presidente decretou o fim da escravidão em todos os estados em janeiro de 1863. Enfraquecido e sem recursos, o sul se rendeu em 1865.
A Guerra Civil Americana é considerada a primeira guerra moderna por duas razões: nela foram utilizados pela primeira vez navios encouraçados e armas de técnica avançada, como fuzis e revólveres; a luta teve caráter geral, voltando-se não apenas para aniquilar o exército adversário, mas também para destruir todos os recursos e comunicações do inimigo. Com 600 mil mortos, esse foi o conflito com o maior número de vítimas na história do continente.
Artilheiros do exército da União e da artilharia pesada de Nova York posicionados em uma fortificação na Virgínia, instalada para defender Washington, a capital. Foto de 1862. Entre as armas usadas pelo exército, estavam os canhões, que eram abastecidos com diferentes tipos de projéteis (localizados ao lado do soldado sentado).
Segregação racial
A abolição da escravidão e a vitória da União, antiescravista, na Guerra Civil Americana não garantiram aos negros do país a conquista da cidadania.
Os ex-escravizados dependiam do acesso à educação, da aquisição de terras e do direito ao voto para conseguir atuar como cidadãos. Porém, os democratas, muito fortes no sul, lutavam contra esses direitos; e os republicanos moderados, que estavam no governo do país, pensavam que o fim da escravidão já tinha sido suficiente. Prevalecia em todo o país a ideia de que a “raça negra” era inferior.
Os Estados Unidos, especialmente o sul do país, tornaram-se cada vez mais segregacionistas. Negros e brancos não podiam conviver em espaços públicos, a não ser nos locais de trabalho. A política de segregação chegou ao extremo na década de 1870, quando alguns estados da federação aprovaram as Leis Jim Crow, proibindo, por exemplo, que negros e brancos frequentassem os mesmos restaurantes, estações de trem, escolas, barbearias, banheiros, entre outros espaços públicos. Essas leis só foram revogadas na década de 1960.
Um exemplo da intolerância racial nos Estados Unidos foi a fundação, em dezembro de 1865, da Ku Klux Klan (KKK), associação secreta criada por veteranos do exército confederado insatisfeitos com os rumos do país e, principalmente, com o fim da escravidão.
Racista e terrorista, a KKK pregava a supremacia branca e colocava-se como a defensora da moral cristã e da ordem social dominada pelos brancos. Seus membros promoviam atentados contra a população negra, além de atacar judeus, chineses, brancos que apoiavam os direitos dos negros e outros grupos considerados inferiores pela organização. Por promover linchamentos e assassinatos, a organização foi declarada terrorista e banida do país.
Parada da Ku Klux Klan em Washington DC, nos Estados Unidos, em 1926. Mesmo proibida, a KKK continuou crescendo no país até a Segunda Guerra Mundial, com a conivência de muitas autoridades e empresários.
A expansão territorial dos Estados Unidos
A expansão dos Estados Unidos para além do território original das treze colônias começou ao final da guerra de independência, quando o país adquiriu da Grã-Bretanha uma grande faixa de terra a oeste dos Montes Apalaches. No início do século XIX, o território estadunidense se ampliou com a anexação da Louisiana, comprada da França, e da Flórida, comprada da Espanha.
A contínua expansão dos Estados Unidos em direção ao oeste logo atingiu a fronteira com o México. Independente desde 1821, o México tinha um extenso território, grande parte dele habitado por povos indígenas. Na década de 1820, interessado em impedir o avanço de grupos indígenas nas terras do Texas, o governo mexicano autorizou a fixação de colonos estadunidenses na região.
A colônia do Texas cresceu e prosperou. Porém, na década de 1830, o governo mexicano tomou medidas para estabelecer um regime centralista no país, revogando a autonomia dessa região. A medida incitou os colonos do Texas a se rebelar. Com o apoio de tropas mercenárias dos Estados Unidos, eles conquistaram a independência em 1836 e proclamaram a república. O presidente mexicano, detido, foi obrigado a reconhecer a independência do Texas.
A contínua expansão do território dos Estados Unidos e a independência do Texas, conduzida por colonos, contribuíram para a difusão, no país, de uma ideologia que afirmava que os estadunidenses eram o povo eleito por Deus para expandir seu domínio em direção às terras do oeste. Essa ideologia foi formalizada pela primeira vez em um artigo assinado pelo jornalista John O’Sullivan, em 1845, no qual ele empregava o termo Destino Manifesto para defender a anexação do Texas como direito legítimo dos Estados Unidos.
Para os mexicanos, contudo, o Texas pertencia ao México. As tensões entre os dois países se agravaram em 1845, quando um plebiscito no Texas aprovou sua incorporação aos Estados Unidos. Em seguida, um destacamento do exército estadunidense ocupou uma área do Texas que ia além dos limites definidos em 1836. Esse acontecimento foi o ápice para que o México declarasse guerra aos Estados Unidos, em março de 1846. O conflito foi marcado por sucessivas vitórias estadunidenses. Em 1847, a Cidade do México foi ocupada.
A Guerra Mexicano–Americana, também conhecida como Guerra Estados Unidos-México ou Guerra México/EUA, foi o primeiro grande conflito impulsionado pelas ideias do Destino Manifesto, ou seja, a crença de que os Estados Unidos tinham o direito, dado por Deus, de expandir suas fronteiras por toda a América, civilizando-a. O conflito se deu entre Estados Unidos e México, entre 1846 e 1848, e teve enormes consequências para o futuro das nações envolvidas. Com a intervenção, os Estados Unidos ampliaram o seu território em cerca de um quarto (25%), enquanto México perdeu aproximadamente metade do seu (50%)
Com o tratado que pôs fim à guerra, o México cedeu aos Estados Unidos os territórios de Nevada, Utah, Novo México, Arizona, o oeste do Colorado e a Alta Califórnia, onde, até hoje, as principais cidades possuem nomes espanhóis: Los Angeles, San Francisco, San Diego e Sacramento. Com a vitória sobre o México e a negociação com os britânicos sobre o Óregon, em 1846, os Estados Unidos completaram os limites continentais de seu território.
A formação dos Estados Unidos (século XIX)
Fonte: National Atlas of the United States. Disponível em <http://mod.lk/y5opv>. Acesso em 17 jul. 2018.
O massacre indígena
Desde o início do século XIX, vários grupos indígenas haviam se deslocado de suas terras originais em direção ao oeste dos Estados Unidos, pressionados pelas constantes invasões de suas terras, ora por agentes do Estado, ora por exploradores e agricultores.
Em maio de 1830, o então presidente Andrew Jackson sancionou o Ato de Remoção Indígena (Indian Removal Act). A lei autorizava o governo dos Estados Unidos a remover os povos indígenas de suas terras originais, obrigando-os a se estabelecer em reservas indígenas criadas em regiões muito distantes da costa leste, a oeste do Rio Mississípi.
Os indígenas resistiram à decisão do governo estadunidense com as armas que possuíam e lutaram na Justiça para reivindicar o direito às suas terras ancestrais, mas não obtiveram sucesso.
Nesse deslocamento forçado, os indígenas cruzaram a pé uma distância de mais de 1.500 quilômetros. Essa experiência dramática foi marcada por resistência, fome, sofrimento e morte, processo traumático que os cherokees traduziram na expressão The Trail of Tears (A Trilha das Lágrimas), ainda viva na memória coletiva. A situação dos povos indígenas, no entanto, se tornaria ainda mais difícil com a expansão para o este.
Ao terminar o século XIX, em relação à dimensão territorial das treze colônias, os Estados Unidos contavam com um território onze vezes maior. Passou também por um intenso crescimento demográfico, em razão principalmente da imigração de europeus: de 5 milhões de habitantes, em 1780, para 23 milhões, em 1850.
Veja a aula Segunda Revolução Industrial (parte da migrações ultramarinas)
https://historiaecio.blogspot.com/2023/12/segunda-revolucao-industrial.html
Analise os fatores que incentivaram a ida de europeus para os EUA ao longo do século XIX.
Visando promover a ocupação do oeste, em 1862 o Congresso dos Estados Unidos promulgou o Homestead Act. Por meio desta lei, o governo concedia um lote de terra para qualquer família ou cidadão maior de 21 anos que estivesse disposto a migrar para a região e cultivar as terras recebidas durante um prazo mínimo de cinco anos.
Nesse processo, no entanto, princípios consagrados pela Revolução Americana, como a liberdade e a igualdade dos homens perante a lei, foram colocados de lado. De forma bastante violenta, muitas terras habitadas pelas populações indígenas foram tomadas, levando à dizimação da maioria desses povos.
Indígenas hopi na aldeia Oraibi, estado do Arizona (EUA), em foto de 1903. Fundada por volta de 1100, a aldeia Oraibi, segundo os arqueólogos, é uma das mais antigas povoações indígenas habitadas continuamente nos Estados Unidos.
A política imperialista dos Estados Unidos
Influencia e dominação estadunidense
“A América para os americanos”. Esse conhecido lema sintetiza as ideias da Doutrina Monroe, lançada em 1823 em um discurso proferido pelo então presidente dos Estados Unidos James Monroe. As ideias dessa doutrina foram elaboradas durante a Restauração conservadora na Europa, que se seguiu à queda de Napoleão e à realização do Congresso de Viena.
A Doutrina Monroe expressava, por um lado, uma política defensiva dos Estados Unidos diante de qualquer tentativa das potências europeias de recolonizar o país. Por outro lado, essa doutrina já continha, de forma embrionária, a ideia de que os Estados Unidos tinham o direito de conquistar as terras indígenas e de impor sua influência sobre os povos latino-americanos.
A justificativa teórica para esse direito foi encontrada na religião, com a ideologia do Destino Manifesto. Sob a influência da teoria calvinista da predestinação, os estadunidenses se apresentavam como o povo eleito de Deus para levar a civilização e o cristianismo protestante aos povos indígenas e católicos da América.
Bad Religion - American Jesus (Legendado)
https://www.youtube.com/watch?v=7AikVQiwPls
Assim, com motivações econômicas e justificativas religiosas, a expansão territorial dos Estados Unidos continuou após a conquista dos territórios mexicanos. Ela só foi interrompida durante a Guerra de Secessão; mas, terminado o conflito, foi logo retomada e impulsionada.
Em 1867, os Estados Unidos compraram o Alasca da Rússia. Em 1898, anexaram o Havaí e se envolveram na guerra pela independência de Cuba. O objetivo era impedir que a Grã-Bretanha, com o fim do Império Espanhol na América, ampliasse seu poder na região. Vencida, a Espanha reconheceu a independência de Cuba e entregou as Filipinas e Porto Rico aos Estados Unidos. Cuba se tornou uma espécie de protetorado estadunidense.
No início do século XX, a Doutrina Monroe foi reformulada com a declaração do corolário Roosevelt. O nome surgiu de uma mensagem do presidente Theodore Roosevelt ao Congresso dos Estados Unidos, em 1904, em que defendia o direito de o país promover intervenções armadas nos países da América Latina em nome da civilização, da estabilidade e da ordem.
Charge de Louis Darlymple, de 1905, que satiriza a política dos Estados Unidos em relação à América Latina. No centro, o presidente Theodore Roosevelt segura um grande porrete.
Próxima Aula
A Primeira Guerra Mundial (parte 01)
Primeira Guerra Mundial 1914 - 1918 (antecedentes e os conflitos da Frente Ocidental)
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