terça-feira, 21 de novembro de 2023

Intercâmbio comercial e cultural no Mediterrâneo

Intercâmbio comercial e cultural no Mediterrâneo


Intercâmbio comercial e cultural no Mediterrâneo


O Mediterrâneo na história



Mapa Mar Mediterrâneo


Desde a Antiguidade, o Mar Mediterrâneo tem sido um local de integração e intercâmbio entre diferentes povos, produtos e culturas. Muitas civilizações da Europa, da África e do Oriente Próximo construíram sua história econômica, política e cultural com base em atividades relacionadas à presença do Mar Mediterrâneo.


Os fenícios, por exemplo, dominaram o comércio no Mediterrâneo entre os séculos XI a.C. e IX a.C. Habitando o território onde hoje está o Líbano, eles fundaram várias colônias pela região. Na Europa, por volta de 1500 a.C., florescia a civilização micênica, que também prosperou com o comércio marítimo no Mar Mediterrâneo. Da mesma forma, a cultura, a filosofia e as ciências dos antigos gregos se espalharam pelo sul da Europa e pela Ásia Menor através do Mediterrâneo.


Outro exemplo foi Roma nos séculos III a.C. e II a.C. Ao expandir seu território, os romanos entraram em guerra com os cartagineses pelo controle econômico, político e cultural da região do Mediterrâneo. Após derrotar Cartago, antiga colônia fundada pelos fenícios no norte da África, Roma passou a chamar o Mediterrâneo de Mare nostrum ("nosso mar", em latim).


O comércio romano


Comércio em Roma


Ao derrotar Cartago nas Guerras Púnicas, os romanos tornaram-se senhores do Mediterrâneo. Porém, a partir do século III, o Império Romano entrou em crise, que se agravou nos séculos seguintes. A economia romana tornava-se cada vez mais rural e agrícola, como seria nos primeiros séculos da Idade Média.


Assim, para você compreender o funcionamento do comércio na Europa medieval, vamos relembrar qual era sua importância na economia romana. A agricultura era a base da economia de Roma. Nas grandes propriedades, o trabalho era realizado por camponeses dependentes e por escravos, em geral capturados nas guerras de conquista. Também havia pequenas propriedades camponesas que produziam para o consumo local.


O principal destino da grande produção agrícola e pecuária no mundo romano eram as cidades, ou seja, o abastecimento da população urbana. Calcula-se que, no início do império, 30% dos habitantes da Península Itálica viviam nas cidades. Roma, com cerca de 1 milhão de habitantes no século I, era a maior e mais importante delas.



Imigrantes africanos tentam chegar à Europa cruzando o Mar Mediterrâneo. Foto de 2018. O Mediterrâneo tradicionalmente tem sido um canal de ligação entre os continentes africano, asiático e europeu. Nas últimas décadas, crises econômicas, guerras civis e perseguições religiosas levaram sírios, iraquianos e africanos de diferentes países a buscar refúgio na Europa. Na tentativa de migrar para esse continente pela via marítima, de forma clandestina, muitos perdem a vida durante a jornada.


“Todos os caminhos levam a Roma”


Para abastecer esse grande mercado no Império Romano, uma rede de vias terrestres foi construída e ampliada, assim como as rotas pelo Mar Mediterrâneo. Com isso, foi possível transportar produtos até a capital e outras cidades, obtidos dentro e fora dos limites imperiais: marfim da África, seda do Oriente, cerâmica da Grécia e cereais da Espanha e do norte da África. Com isso, uma intensa circulação de pessoas e mercadorias fluiu pelo Mediterrâneo.


A partir do século III, porém, o comércio e as cidades começaram a decrescer no império. As incursões germânicas criavam um ambiente de insegurança nas estradas e nas cidades; faltavam escravos para as atividades urbanas, onde eles eram essenciais; não havia dinheiro suficiente para controlar um vasto império; e o ouro, usado nas transações comerciais, escasseava. O mundo romano entrava em crise profunda.



Tira dos personagens Frank & Ernest, do cartunista Bob Thaves, 2000. A charge brinca com o antigo ditado popular “todos os caminhos levam a Roma”. A cidade foi, durante a Antiguidade, o maior centro comercial e urbano do mundo ocidental.


O Mediterrâneo é dos árabes


O declínio do comércio e a ruralização da economia se aprofundaram nos primeiros séculos da Idade Média. Apesar disso, o comércio dos europeus ocidentais com o Oriente através do Mediterrâneo manteve-se, mesmo fraco, até fins do século VI. Reis, senhores de terra e a Igreja compravam alguns artigos de luxo fornecidos principalmente por comerciantes sírios.


Com o esgotamento das reservas de ouro, o fraco comércio dos europeus com o Oriente praticamente desapareceu entre fins do século VI e início do VIII. O Ocidente cristão viveu nesses dois séculos o período mais rural e agrícola de sua história medieval. Nesse momento, os árabes muçulmanos assumiram o controle do comércio no Mar Mediterrâneo.


O período que se estende do século VIII ao XI foi o mais próspero do comércio e da vida urbana no mundo árabe. Cidades como Cairo, Fez, Túnis e Timbuctu, na África; Córdoba, Toledo e Sevilha, na Espanha; Damasco e Bagdá, no Oriente Médio; e Palermo, na Sicília, foram grandes centros comerciais do Império Muçulmano. Nelas, eram comercializados ouro, cobre, mármore, madeira, tecidos, sal, escravos, entre outros produtos.


A Península Ibérica: encontro de dois mundos


O Mediterrâneo não foi apenas a via marítima do comércio muçulmano. Ele foi também o caminho das expedições de conquista dos árabes muçulmanos no norte da África, na Sicília e na Península Ibérica. Conquistada do reino germânico visigodo em 711, a Península Ibérica foi a região da Europa Ocidental onde a influência muçulmana foi mais forte e duradoura.


O território ibérico ocupado pelos muçulmanos recebeu o nome de Al-Andaluz, mais conhecido como Andaluzia, e esteve primeiro sob controle da dinastia omíada. Com o enfraquecimento do Império Árabe-Muçulmano, a região se fragmentou em pequenos reinos, até o estabelecimento, na sequência, das dinastias mouras dos almorávidas e almóadas.


Em 1085, Toledo foi tomada pelos cristãos, iniciando a Reconquista. Em meados do século XIII, quase toda a Andaluzia estava sob controle cristão. O emirado de Granada, o último reduto muçulmano na Península Ibérica, foi conquistado pelos cristãos em 1492.



Vista e detalhe do interior da Mesquita-catedral de Córdoba, na Espanha. Fotos de 2015 e 2016. Frequentada por estudiosos muçulmanos, cristãos e bizantinos, a biblioteca da mesquita se transformou em importante centro de conhecimento e trocas culturais. Após a conquista cristã, a mesquita foi transformada em catedral.


Testemunhos do islã em Córdoba e Granada


Entre os exemplos da presença islâmica na Andaluzia, está a Mesquita de Córdoba, que foi construída no século VIII sobre a antiga igreja visigoda de São Vicente. O edifício tem características da arquitetura islâmica: arcos internos em formato de ferradura, figuras geométricas e desenhos inspirados na natureza e inscrições árabes e trechos do Alcorão. Dentro da mesquita também foi construída uma grande biblioteca, com obras escritas em árabe, grego e latim.


Outro importante complexo arquitetônico é Alhambra, em Granada, que começou a ser construído no século IX para abrigar o palácio do emir de Córdoba. Nos séculos seguintes, o complexo foi remodelado para ser um refúgio muçulmano, uma proteção contra o avanço cristão na Andaluzia. Alhambra exibe mosaicos e azulejos coloridos, colunas e arcos em forma de ferradura e a arte da caligrafia, combinando a arquitetura islâmica com influências da arte cristã.



Iluminura italiana do século XIV representando um mercado medieval.


Comerciantes bizantinos, italianos e africanos


Constantinopla, capital do Império Bizantino, viveu uma fase de prosperidade entre os séculos IV e VI, mas seu comércio havia refluído depois disso. Porém, o grande volume de ouro em circulação no comércio muçulmano ajudou a aquecer a produção bizantina de artigos de luxo a partir do século IX. Situada no cruzamento entre o Ocidente e o Oriente, Constantinopla conheceu então uma nova idade de ouro.


O mesmo aconteceu com as cidades italianas de Nápoles, Salerno, Gênova e principalmente Veneza a partir do século X. Essas cidades eram o local de encontro entre o Império Muçulmano, Bizâncio e a Europa cristã. Comerciantes de Veneza enriqueceram revendendo, em feiras da Península Itálica, sedas, perfumes e outros artigos de luxo produzidos no mundo bizantino, ao mesmo tempo que forneciam às cidades muçulmanas escravos, madeira, metais e peles.


O Mar Mediterrâneo interligou mercadores europeus, principalmente italianos, mas também catalães e marselheses, ao continente africano. A partir do século XII, a África tropical, ao sul do Deserto do Saara, os reinos muçulmanos do norte africano e os Estados cristãos da Europa foram integrados a uma poderosa rede de trocas comerciais.


O ouro africano era o principal objeto da cobiça dos cristãos, que, para obtê-lo, pressionavam os reis africanos a assinar acordos comerciais favoráveis aos produtos europeus. Comerciantes de Veneza, Gênova, Pisa e Marselha, por exemplo, fundaram feitorias em Cairo, Fez, Túnis, Trípoli e outros portos do Mediterrâneo africano destinadas às transações comerciais.


Nessas feitorias, os europeus vendiam principalmente tecidos de lã, açúcar, trigo e utensílios de metal. Em troca adquiriam, a preços muito baixos, produtos como marfim, especiarias, perfumes e escravos.


Nos mercados da Europa, os cristãos revendiam, a preços elevados, os produtos adquiridos no comércio com a África. Eles também lucravam cobrando tributos dos reinos do norte africano em troca de proteção militar, além de fretar navios aos muçulmanos para o transporte de pessoas e produtos entre o Egito e a Espanha. O ouro acumulado nessas transações fez surgir uma poderosa classe de comerciantes nas cidades de Veneza, Gênova, Milão e Florença.


Conexões culturais através do Mediterrâneo


O Mar Mediterrâneo foi, em vários momentos, um ponto de encontro cultural e econômico entre a Ásia, a África e a Europa. A partir do século XI, a população e a economia europeias cresceram expressivamente, intensificando as conexões da Europa Ocidental com os mundos islâmico e bizantino. Veja a seguir algumas das trocas entre esses três espaços culturais no entorno do Mediterrâneo durante esse período.



Fonte: O’BRIEN, Patrick K. Philip’s Atlas of World History: concise edition. Londres: Octopus Publishing Group, 2007; ONIANS, John. Atlas del Arte. Barcelona: Blume, 2005.


Próxima aula:

A expansão do comércio e das cidades

https://historiaecio.blogspot.com/2023/11/expansao-do-comercio-e-das-cidades.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Revolução Francesa e as suas contribuições para a formulação do mundo contemporâneo (Revolução Francesa parte 03)

Revolução Francesa foi: A Revolução Francesa foi um período de intensa agitação política e social na França entre 1789 e 1799, que teve um i...