terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Reinos e impérios na África Subsaariana (Região Sahel, Reino Congo e Império Mali)

Reinos e impérios na África Subsaariana


O comércio de caravanas de camelos ligando a costa do Mediterrâneo, no norte, à região do Sahel, ao sul do Saara, está presente na vida dos africanos dessas regiões desde o início da Era Cristã. Na foto, caravana de camelos em ­trecho do Deserto do Saara no Marrocos, em 2014.

As sociedades sahelianas

Da mesma forma que a América, o continente africano tinha sido, ­desde a Antiguidade, o território de diferentes civilizações. Mas a África não era (e não é) uniforme. Havia no continente povos nômades e povos sedentários; povos que tinham governos centralizados e povos que viviam em comuni­dades aldeãs; povos que praticavam religiões tradicionais, enquanto outros, como os da região do Sahel, adotaram gradualmente o islamismo.

O Sahel é uma extensa faixa de terra situada imediatamente ao sul do ­Deserto do Saara e habitada por diferentes povos pastores e comerciantes. Entre os séculos VIII e XVI, desenvolveram-se na região diversos reinos e ­cidades mercantis, como Djenné e Timbuctu (ou Tombuctu).

A formação desses reinos esteve diretamente relacionada ao comércio de longa distância, principalmente com os árabes vindos do norte da África. Comerciando com as sociedades sahelianas, os mercadores árabes adquiriam ouro, noz-de-cola, marfim, peles, escravos e outros artigos.

A escravidão era praticada por tribos, reinos e impérios sahelianos muito ­antes da chegada dos europeus. Os mercadores árabes, os berberes e outros povos ­islamizados do norte do continente também negociavam e possuíam escravos.

Vídeo sobre os reinos do Sahel

O Reino de Gana

O Reino de Gana, o mais antigo do Sahel, estabeleceu-se na região vizinha ao sul do Deserto do Saara por volta do ano 300. O centro comercial do reino era a cidade de Kumbi Saleh, que desde o século IX já apresentava características urbanas e atingiu seu esplendor por volta dos séculos XIII e XIV. A cidade chegou a abrigar uma população de 20 mil pessoas e pode ter sido uma das capitais do Reino de Gana. 

O reino era chamado pelos árabes de “terra do ouro”, devido a suas ricas zonas auríferas. O ouro era trocado principalmente por sal, extraído das salinas do Deserto do Saara e utilizado como moeda nas transações comerciais e na conservação dos alimentos. Estudos arqueológicos indicam que esse comércio existia pelo menos desde o século III e envolvia outros produtos, como goma, sorgo, milhete, âmbar, peles, penas e marfim.

Gana atual


Mulher e criança em trajes ganeses de kente. Foto de 2018.

Por causa da grande quantidade de jazidas de ouro, a exploração do ouro ainda é uma das atividades econômicas mais importantes de Gana, ao lado do cultivo de cacau e da extração de petróleo. O país é um dos maiores produtores de ouro do mundo.

Além disso, a indústria ganense se beneficia da energia gerada pela hidrelétrica de Akosombo, cuja barragem forma o maior lago artificial do mundo, o Lago Volta. Além de produzir eletricidade, o lago serve de via de transporte, e suas águas são utilizadas para irrigação.

A habilidade dos tecelões ganenses pode ser observada ainda hoje com a fabricação de tecidos coloridos feitos de algodão ou de seda chamados kente. No passado, só os reis podiam usá-los. Atualmente, peças de kente podem ser adquiridas também por turistas.

A presença do islã em Gana

No século VII, o islã alcançou o norte da África, principalmente por meio da conquista militar, e dali foi levado para o Sahel. No Reino de Gana, o islã começou a crescer por volta do século XI, por intermédio de mercadores árabes e líderes religiosos vindos do norte. A nova crença encontrou maior número de adeptos entre os funcionários da corte e assessores do rei, chamado de gana. Eles passaram a utilizar a escrita árabe na administração do reino e nos negócios.

A religião e a cultura islâmicas contribuíram para fortalecer o poder real e para aglutinar diferentes povos sob o domínio do Império de Gana, como tuaregues, fulas e soninquês. Com isso, o islã transformou-se em uma religião de Estado, ainda que o próprio gana não tenha se convertido e muitas crenças e rituais tradicionais tenham se mantido na região, como mostra o relato do geógrafo muçulmano al-Bakri, que viveu no século XI.

“Ao redor da cidade do rei há choupanas abobadadas e bosques onde vivem os feiticeiros, homens encarregados de seus cultos religiosos. Ali se encontram também os ídolos e os túmulos dos reis. [...]

Quando o rei morre, constroem uma enorme abóbada de madeira no lugar do ­enterro. Então trazem-no em uma cama levemente coberta e colocam-no dentro da ­abóbada. A seu lado colocam seus ornamentos, suas armas, e os recipientes que ele usava para comer e beber. A serpente é a guardiã do Estado e vive em uma caverna que lhe é devotada. Quando o rei morre, seus possíveis sucessores se reúnem em uma assembleia, e a serpente é trazida para picar um deles com seu focinho. Essa pessoa é então chamada para ser o novo rei.”

Relato de Abu Ubayd al-Bakri [século XI]. In: COSTA, Ricardo. A expansão árabe na África e os impérios negros de Gana, Mali e Songhai (sécs. VII-XVI). Disponível em <http://mod.lk/s5fhh>. Acesso em 10 dez. 2019.

Os rios Senegal, Gâmbia e ­Níger eram muito importantes para os povos do Sahel. Além de serem utilizados para o transporte de pessoas e produtos, o húmus que se acumulava em suas margens fertili­zava o solo, contribuindo para a atividade agrícola.

Vídeo sobre o reino de Gana

 Reinos e impérios do Sahel (séculos X-XVI) 

Fontes: SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: a África antes dos portugueses. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. p. 297; HERNANDEZ, Leila M. G. Leite. A África na sala de aula: visita à África contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. p. 41.

O Império do Mali 

Na região do Sahel também floresceu, entre os séculos XIII e XVI, o Império do Mali. A princípio era uma região do Império de Gana habitada pelos malinquês (ou mandingas). Os mandingas falavam a mesma língua do povo de Gana e também adotaram a cultura e a religião do islã. 

Os governantes do Mali recebiam o título de mansa, que significa “rei dos reis”. Entre os mais famosos deles estavam Sundiata Keita, fundador do reino, e Mansa Musa, que organizou o império em províncias, estreitou os laços com o Egito e ampliou a extensão do seu reino. 

O controle do comércio de caravanas e a cobrança de taxas sobre produtos como ouro, sal, escravos, marfim e noz-de-cola eram fundamentais para a manutenção do Estado, da corte e do poder do mansa. Entretanto, a população em geral não era favorecida pela riqueza desse comércio, exceto pelo sal, indispensável na sua alimentação. 

Os súditos viviam em vilarejos, habitando casebres feitos de barro. ­Cultivavam milhete, sorgo, inhame, algodão e feijão; criavam animais, como bois, camelos e cabras; pescavam; teciam e produziam objetos ­artesanais, como cestas e potes.


Mercado a céu aberto diante da Grande Mesquita de Djenné, no Mali. Foto de 2012.

As cidades de Timbuctu e Djenné 

As cidades de Timbuctu e Djenné foram incorporadas ao Império do Mali no ­século XIII. Antes dessa data, porém, já eram grandes centros políticos; mais que isso, eram mercados que controlavam a chegada dos produtos trazidos pelas ­caravanas do norte e do sul da África. Sob o governo de Mansa Musa, ­essas cidades foram transformadas em grandes centros cosmopolitas. Artistas e letra­dos foram convocados para trabalhar nelas, e diversas mesquitas e prédios ­públicos foram construídos. 

Timbuctu se destacou como um ponto de encontro de intelectuais e estu­diosos que vinham de várias regiões do mundo árabe. Nas universidades de ­Sankore, ­Djingareyber e Sidi Yahya ensinavam-se lógica, astronomia, caligrafia árabe, ­matemática e história. Também se transmitiam os fundamentos do islã por meio da leitura e do estudo do Alcorão.

Na Universidade de Sankore, porém, não existia uma administração central, ­registros de estudantes ou cursos predeterminados. Os alunos se associavam a um professor e as aulas ocorriam em pátios abertos da universidade ou em residências particulares.

Em 1988, a cidade de Timbuctu foi declarada patrimônio mundial pela Unesco. O processo de desertificação e o acúmulo de areia têm ameaçado muitas construções seculares, que correm o risco de desaparecer. Diante desse cenário, a Unesco iniciou um programa para conservar e proteger esse importante patrimônio da história da África pré-colonial.


















Detalhe de Atlas catalão de Abraham Cresques, 1375, que relata a viagem de Mansa Musa a Meca, cidade sagrada para os muçulmanos. Na ilustração, Mansa Musa segura uma pepita de ouro; abaixo da mão do rei, aparece a cidade de Timbuctu. À direita do soberano, estão escritos, em árabe, os seguintes dizeres: “Este senhor negro é aquele muito melhor senhor dos negros de Guiné. Este rei é o mais rico e o mais nobre senhor de toda esta parte, com abundância de ouro na sua terra”.

Vídeo Império Mali



Griô conta história para crianças em cena de Kiriku e a feiticeira, animação francesa dirigida por Michel Ocelot, 1999.

A tradição dos griôs 

Várias sociedades africanas não desenvolveram sistemas de escrita. Nessas socie­dades, tradições, costumes, técnicas e rituais eram (e são ainda hoje) transmitidos oralmente através das gerações por pessoas conhecidas como griôs.

No Império do Mali, por exemplo, desde o século XIII existia o costume de iniciar algumas crianças, desde cedo, na arte da palavra. Sua missão era guardar as ­histórias de uma família, de um povo e de um reino e transmiti-las de forma poética e rimada à sociedade. 

Para tornar-se um griô, era necessário longo treinamento. No Reino de Gana, por exemplo, os iniciados repetiam durante sete anos as narrativas que cada ­mestre ensinava. Eles registravam o passado memorizando histórias, símbolos e ­músicas. Em seguida, realizavam um longo percurso de viagens a fim de adquirir novos ­conhecimentos. Depois dessas etapas, estavam autorizados a ser griôs.

Os griôs eram muito respeitados no grupo e podiam ter grande influência ­entre seus chefes. Com o passar do tempo, assumiam a responsabilidade de formar os jovens que iriam sucedê-los. Por isso, o pensador malinês Hampâté Bâ dizia: “Na África, cada velho que morre é uma biblioteca que se queima”.

Para ver o vídeo complementar, clique no link abaixo:

EXERCÍCIOS

01 - Desde a antiguidade, o continente africano é marcado por diferenças. Justifique essa afirmação como exemplos:

02 - O que é o Sahel?

03 - Informe o nome de cidades importantes do Sahel e suas vocações:

04 - Quais fatores favoreceram a formação dos reinos localizados na região do Sahel?

05 - No comércio do Sahel, geralmente, quais eram os produtos mais comercializados?

06 - Como era a prática da escravidão na região do Sahel?

07 - Na região do Sahel, qual reino era o mais antigo?

08 - No reino de Gana por que a cidade de Kumbi Saleh era importante?

09 - Por que o reino de Gana era chamado pelos árabes de “terra do ouro”?

10 - No reino de Gana, qual era a correlação entre o ouro e o sal? Por que ambos eram importantes?

11 - No atual território de Gana, quais são os principais produtos explorados na economia do país?

12 - Por que Akosombo é importante para Gana atualmente?

13 - Pesquise no Google o que é o islamismo e seus principais valores e crenças:

14 - Como o islamismo chegou na região do Sahel?

15 - Como o islamismo chegou no reino de Gana?

16 - Quais impactos o islamismo gerou na administração do reino de Gana?

17 - O que foi o Império Mali?

18 - No Império Mali, quem eram o mansa? O que eles faziam?

19 - O que era necessário para a manutenção do Estado Mali, da corte e do poder do mansa?

20 - Como viviam os súditos do Império Mali? Como eles se sustentavam?

21 - Por que as cidades de Timbuctu e Djenné eram importantes para o Império Mali?

22 - Qual relação entre a cidade de Timbuctu e a educação?

23 - Quem eram os griôs? O que eles faziam? Por que eles são importantes até hoje?

24 - Qual importância do compartilhamento da tradição oral até os dias de hoje?

25 - Informe, quatro ações necessárias para uma pessoa se tornar um griô?


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