Os trabalhadores na sociedade industrial
O trabalho no sistema fabril
A concentração dos trabalhadores num mesmo espaço, a divisão de tarefas, o fim da autonomia do artesão e o surgimento do patrão foram as mudanças fundamentais que marcaram o surgimento das fábricas.
Com a mecanização, o trabalhador passou de produtor a operador de máquinas, pois dominava apenas uma etapa do sistema de produção e não todo o processo. Cada vez mais o ritmo da vida e do trabalho deixou de ser determinado pelo ritmo da natureza e do corpo e passou a acompanhar o tempo da máquina.
“[...] todo operário tinha que aprender a trabalhar de uma maneira adequada à indústria, ou seja, num ritmo regular de trabalho diário ininterrupto, o que é inteiramente diferente dos altos e baixos provocados pelas diferentes estações no trabalho agrícola ou da intermitência autocontrolada do artesão independente. A mão de obra tinha também que aprender a responder aos incentivos monetários.”
HOBSBAWN, Eric. A era das revoluções (1789-1848).
São Paulo: Paz e Terra, 1991. p. 66.
As máquinas contribuíram decisivamente para criar um novo conjunto de valores e uma nova mentalidade, sobretudo nas cidades, onde as fábricas se concentravam. O mercado se tornou mais impessoal, pois os trabalhadores não conheciam mais os consumidores dos produtos que eles fabricavam.
Na sociedade urbano-industrial, as pessoas passaram a depender da tecnologia, e a eficiência passou a ser medida pelo menor tempo gasto na produção. Em outras palavras, o tempo passou a valer dinheiro. Nesse contexto, o relógio ganhou grande importância nas fábricas e na vida das pessoas.
Frank & Ernest, tirinha de Tom Thaves, 1996.
A ditadura do relógio
Uma das mudanças de hábito mais significativas que a fábrica trouxe foi o controle do tempo. Diferentemente das áreas rurais, onde a medição do tempo estava relacionada aos ciclos da natureza e às tarefas diárias no campo, nas cidades havia a disciplina do relógio.
Os relógios já existiam antes da Revolução Industrial, mas foi a necessidade de sincronizar o trabalho das fábricas que ampliou seu uso e fabricação. Com o relógio, foi possível disciplinar o horário de entrada e saída dos trabalhadores, o horário de almoço e o tempo gasto para realizar as tarefas da produção. Dentro da fábrica, os vigilantes e supervisores garantiam que os trabalhadores respeitassem os horários. Os patrões também instituíam prêmios para os operários mais disciplinados e multas para os descumpridores de horários e de outras normas.
“‘[...] na realidade não havia horas regulares: os mestres e os gerentes faziam conosco o que desejavam. Os relógios nas fábricas eram frequentemente adiantados de manhã e atrasados à noite; em vez de serem instrumentos para medir o tempo, eram usados como disfarces para encobrir o engano e a opressão [...].’”
Capítulos na vida de um garoto da fábrica de Dundee, na Escócia [1887].
In: THOMPSON, E. P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. p. 294.
Fora da fábrica também se desenvolveu a valorização do tempo dedicado ao trabalho e à produção.
O “tempo útil”, o tempo que rende dinheiro, ajudava a constituir uma nova moral e justificava a perseguição policial aos desocupados.
Vista da Rua Fleet, em Londres, pintura de Samuel Scott, século XVIII. Repare no grande relógio da Igreja de St. Dunstan. Com as novas relações geradas pela Revolução Industrial, o relógio tornou-se um importante instrumento de controle do tempo.
As mulheres trabalhadoras
A exploração do trabalho dos operários tornou-se fonte de enormes lucros para os empresários. Em geral, a jornada diária era de quinze horas, e os salários eram baixíssimos. Além disso, acidentes de trabalho e doenças decorrentes das condições insalubres das fábricas ocorriam com frequência.
No caso das mulheres, a situação era pior. Antes da Revolução Industrial, as trabalhadoras do meio urbano geralmente combinavam, no espaço doméstico, as tarefas de casa com o trabalho de fiação, tecelagem e bordado, ou seja, atividades relacionadas ao artesanato têxtil, consideradas tipicamente femininas.
A partir do século XIX, especialmente na Inglaterra, as mulheres operárias passaram a trabalhar fora de casa, nas fábricas, onde permaneciam por longos períodos, visando complementar a renda familiar. Mas, como legalmente elas viviam sob a tutela de seus pais ou maridos, seu salário não era visto como essencial para a família. Logo, os industriais usavam essa situação para pagar salários inferiores às mulheres, ainda que elas executassem as mesmas tarefas que os homens.
Além disso, os patrões alegavam que as mulheres não tinham conhecimento técnico para supervisionar o serviço, e, assim, delegavam a elas apenas tarefas relacionadas diretamente à produção, que tinham baixa remuneração. O baixo custo e a imagem que se tinha das mulheres como pessoas dóceis e submissas levaram os empresários a contratar cada vez mais a mão de obra feminina.
O ingresso das mulheres nas fábricas dividiu opiniões e criou problemas para elas. O político francês Jules Simon, por exemplo, em 1860 afirmou: “uma mulher que se torna trabalhadora deixa de ser mulher”. Declarações como essa mostram as dificuldades enfrentadas pelas mulheres operárias: no ambiente de trabalho, elas sofriam com as longas jornadas, as condições insalubres, a violência dos supervisores e os baixos salários; fora dele, tinham a obrigação de assumir as tarefas domésticas e o cuidado com os filhos, papéis que a sociedade da época reservava às mulheres.
Ilustração de 1850 que mostra mulheres trabalhando em uma indústria de tecidos de algodão.
O trabalho infantil
Com o objetivo de aumentar seus lucros, os empresários do século XIX empregavam uma grande quantidade de crianças, que eram remuneradas com salários muito mais baixos do que aqueles pagos aos adultos. Empregadas por volta dos 7 anos de idade nas fábricas e nas minas, as crianças tinham de aturar um trabalho monótono e cansativo e recebiam um salário correspondente, em média, à quinta parte do que era pago aos adultos. A princípio, apenas as crianças que viviam nos orfanatos ingleses eram recrutadas para trabalhar como aprendizes. Com o passar do tempo, aquelas que viviam com a família seguiram o mesmo caminho, buscando empregos nas fábricas para complementar a renda familiar.
Castigos contra as crianças
O longo e extenuante trabalho nas tecelagens inglesas deixava as crianças muito cansadas e sonolentas. Quando diminuíam a velocidade de suas tarefas, elas recebiam socos e outros tipos de castigo para se manterem acordadas.
Em algumas fábricas, por exemplo, os supervisores as mergulhavam em cisternas, de cabeça para baixo, para que não adormecessem. Também havia castigos para as crianças que chegassem atrasadas ou que conversassem durante as atividades. Aquelas que fugissem eram presas e fichadas na polícia.
As denúncias sobre os maus-tratos sofridos pelas crianças nas fábricas e minas da Inglaterra obrigaram o Parlamento britânico a criar uma comissão para investigar a exploração do trabalho infantil no país. A ação foi o primeiro passo para a progressiva regulamentação do trabalho infantil pelas autoridades inglesas.
O trabalho infantil na atualidade
Atualmente, diversas organizações governamentais e não governamentais dedicam-se a combater a exploração do trabalho infantil. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), esse problema vem diminuindo no Brasil e no mundo desde o ano 2000. Apesar disso, segundo a OIT, cerca de 152 milhões de crianças trabalhavam no mundo em 2016, a maior parte delas nos países da América Latina, da África e do Sudeste Asiático. No Brasil, apesar da redução do trabalho infantil, cerca de 2,7 milhões de crianças e adolescentes trabalhavam naquele ano.
Crianças mineradoras nos Estados Unidos, 1899.
O trabalho infantil se repetiu nos países que se industrializaram no século XIX, como Bélgica e Estados Unidos.
As moradias dos trabalhadores
Nas cidades industriais inglesas, a população operária comprimia-se em bairros de ruas estreitas, sinuosas e sujas, repletas de pessoas desempregadas, prostituídas ou em situação de rua. Relatos da época destacam o aspecto esfumaçado dos bairros operários, o cheiro nauseante de sujeira e alimentos estragados e a miséria que tomava conta das ruas.
A maior parte das moradias operárias se localizava próximo às fábricas e era construída por ordens dos próprios empregadores, que as alugavam aos trabalhadores.
As casas, geralmente de dois andares e geminadas, abrigavam um grande número de pessoas. O quarto ficava no piso superior, onde todos se amontoavam para dormir. No andar de baixo havia uma cozinha.
Os banheiros eram fossas, pois não existia rede de esgoto. Eles ficavam fora da casa e exalavam um cheiro horrível. Em alguns bairros, havia um serviço de limpeza de fossas, cujos resíduos eram vendidos como esterco aos agricultores. Em outros bairros, os detritos eram jogados na própria rua.
A água, por sua vez, era fornecida em bicas, poços e fontes públicas espalhadas pela cidade. Era muito comum a formação de longas filas para obter um balde do precioso líquido.
Em razão dessas péssimas condições, diversas doenças, como a cólera e a tuberculose, atingiam com frequência os trabalhadores e suas famílias. A situação de miséria em que viviam os operários das fábricas inglesas do século XIX foram descritas pelo filósofo alemão Friedrich Engels (1820-1895).
Quanto às grandes massas da classe operária, o estado de miséria e incerteza em que vivem agora é tão duro quanto antes — ou mesmo pior. O East End de Londres é um pântano cada vez mais extenso de miséria e desespero irremediável, de fome nos períodos de desemprego e de desagregação física e moral, nas épocas de trabalho.”
ENGELS, Friedrich [1885]. In: MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Omega, s/d. v. 3. p. 220.

Moradores de área pobre do bairro de Kensington, em Londres, Reino Unido, c. 1895. Muitos moradores dessa região eram irlandeses que fugiam da fome em seu país natal e viviam de trabalhos temporários na capital britânica.
Uma nova divisão social
O sucesso econômico do sistema de fábricas não apenas elevou a produtividade e disponibilizou para o consumo artigos novos e mais baratos; ele transformou a vida humana. Talvez uma das mudanças mais importantes produzidas pela grande indústria tenha sido a configuração de uma nova sociedade, com a consolidação de duas classes sociais antagônicas: a burguesia e o proletariado.
Burguesia. Classe social constituída dos proprietários das fábricas, das máquinas, dos bancos, do comércio, das redes de transporte e das empresas agrícolas. A origem do termo é o burgo, aglomerado urbano da Idade Média onde os habitantes se dedicavam ao comércio e ao artesanato. A partir do século XVIII, a burguesia impôs cada vez mais seu domínio sobre a sociedade.
Proletariado. Classe social composta pelo operariado, que vive do salário que recebe. Como não tem meios para sobreviver por conta própria, ele vende sua força de trabalho para o capitalista em troca de um salário. O salário, porém, paga apenas uma parte do tempo de trabalho do operário nas fábricas. O restante é apropriado pelo capitalista, membro da burguesia.
Com baixíssimos salários, jornadas de trabalho extenuantes e ausência de direitos trabalhistas, o operariado inglês, ao longo do século XIX, construiu formas de organização e mobilização coletivas visando melhorar suas condições de trabalho e de vida. Assim, da mesma forma que a Inglaterra foi pioneira na Revolução Industrial, ela também foi o cenário das primeiras lutas do movimento operário.

Litografia de Arthur Fitzwilliam Tait que mostra vista de uma cidade operária inglesa, 1845.
A organização da classe operária
Uma das primeiras formas de resistência ao sistema fabril foi a ação dos quebradores de máquinas. Alguns desses grupos se tornaram bastante conhecidos, como os da região de Lancashire, que atuaram entre 1778 e 1780, e os ludistas, que surgiram no princípio da década de 1810.
Os quebradores lutavam contra as longas jornadas e as péssimas condições de trabalho, bem como defendiam a criação de leis trabalhistas e o fim das dispensas arbitrárias. Eles invadiam as fábricas, em geral à noite, e destruíam as máquinas. Esses trabalhadores foram reprimidos com violência, e alguns dos líderes acabaram presos, julgados e executados.
Alguns historiadores consideram que os ludistas eram corajosos, mas ingênuos, pois atribuíam a origem de seus problemas às máquinas, e não aos proprietários delas. Para esses autores, os quebradores de máquinas não conseguiam perceber a mudança profunda na produção capitalista industrial e nas novas estratégias de dominação de classe.
Pesquisas mais recentes, no entanto, tendem a associar os ludistas a uma reação radical e consciente contra o sistema fabril. Segundo essa nova perspectiva, a principal intenção dos ludistas era mostrar que a fábrica não era a única nem a melhor forma de organização do trabalho e da vida.
A fundação dos primeiros sindicatos
Com o fracasso do ludismo, o movimento operário britânico passou a discutir a necessidade de criar associações de operários, capazes de organizar a luta pela conquista de direitos de forma mais eficiente.
As primeiras associações operárias britânicas foram criadas no final do século XVIII, como a de sapateiros de Londres e a de tecelões de Glasgow, na Escócia.
Elas funcionavam na clandestinidade, pois os operários temiam a repressão policial e as demissões no trabalho. Em 1799, as associações foram formalmente proibidas, e seus dirigentes, presos.
Em 1824, após muita pressão dos trabalhadores, o Parlamento britânico aprovou uma lei permitindo o direito de associação da classe operária. Formaram-se então as trade unions, ou sindicatos, como essas associações passaram a ser conhecidas.
As trade unions organizavam os operários para lutar por redução da jornada de trabalho, aumento salarial, limitação do trabalho infantil, entre outras reivindicações. Com a nova lei, houve uma explosão de associações operárias em toda a Inglaterra, concentradas principalmente na indústria têxtil e na atividade siderúrgica.
O neoludismo
No final do século XX, surgiu um movimento filosófico denominado neoludismo. Inspirado nos ludistas da Inglaterra do início da industrialização, ele defende a resistência pacífica contra os avanços tecnológicos e o consumismo, pregando o retorno à vida primitiva, simples e integrada à natureza. Segundo os neoludistas, as contínuas inovações tecnológicas estimulam as guerras, desumanizam a nossa espécie e destroem o meio ambiente.
Charge de Mark Lynch que critica os avanços tecnológicos, 2016.
O movimento cartista
O cartismo nasceu em Londres, em 1838, e logo adquiriu caráter nacional. O movimento começou quando uma associação de trabalhadores enviou ao Parlamento inglês a Carta do Povo, um documento reivindicando o voto secreto, o sufrágio universal masculino,
o direito dos operários a candidatar-se às cadeiras do Parlamento, entre outras pautas.
A petição recebeu mais de 1 milhão de assinaturas de trabalhadores. A recusa do Parlamento em aprovar a carta, porém, desencadeou uma onda de greves, manifestações e prisões. Em novembro de 1839, uma marcha de mineiros e ferreiros em Newport, no País de Gales, em apoio ao movimento cartista, foi recebida a tiros pela polícia, causando a morte de 22 trabalhadores.
Por volta de 1840, o movimento apresentou outra petição, bem mais radical que a primeira. Além das reivindicações iniciais, o documento exigia aumento de salário e redução da jornada de trabalho. A nova petição recebeu cerca de 3,3 milhões de assinaturas, mais da metade da população masculina inglesa da época.
Aos poucos, as lutas operárias surtiram efeito. As leis trabalhistas do século XIX e início do século XX melhoraram as condições de trabalho nas fábricas e minas inglesas, além de fortalecer as lutas dos trabalhadores de outros países.

Mosaico em homenagem à marcha do movimento cartista em Newport, no País de Gales. Foto de 2012.
Próxima aula
Desdobramentos culturais, econômicos e ambientais da industrialização
Caso ainda não tenha feito, clique no link abaixo e faça a avaliação sobre a Primeira Revolução Industrial (aula 01) e sobre está aula Trabalhadores na sociedade industrial (aula 02)
Nenhum comentário:
Postar um comentário