Agitações políticas e sociais na Europa do século XIX
Restauração e revolução
A derrota de Napoleão para as potências europeias na Batalha de Waterloo, em 1815, inaugurou na Europa uma disputa acirrada entre dois modelos de sociedade. De um lado, os que defendiam as bases do Antigo Regime, principalmente o absolutismo monárquico e os privilégios da nobreza e do clero. De outro, os defensores do liberalismo político e de hierarquias sociais decorrentes do mérito individual e não da condição de nascimento.
Os defensores do primeiro modelo predominaram desde o Congresso de Viena até 1830. Nesse período, conhecido como Restauração, as monarquias destituídas por Napoleão regressaram ao trono, constituições liberais aprovadas anteriormente foram suprimidas e regimes autoritários foram adotados em grande parte da Europa. Essa restauração conservadora foi em grande parte resultado das pressões da Santa Aliança, formada por Rússia, Áustria e Prússia.
Os líderes do Congresso de Viena também estabeleceram um novo mapa político da Europa. Eles reconheceram algumas conquistas territoriais dos Estados vencedores de Napoleão, fazendo o território da França recuar às fronteiras anteriores às chamadas guerras revolucionárias (1792-1802).
As revoluções do século XIX
Apesar de as forças restauradoras do Congresso de Viena se empenharem em restabelecer a antiga ordem na Europa, as ideias liberais despertadas pela Revolução Francesa não tinham desaparecido. Pelo contrário, elas alimentaram novos movimentos revolucionários em muitos países do continente, que explodiram em 1820. Tendo como centro a Itália, a Península Ibérica e a Grécia, as Revoluções de 1820 apresentaram um ingrediente novo: o nacionalismo, que se concretizava no projeto de construir um Estado nacional.
Na Grécia, as ideias liberais e nacionalistas inspiraram a luta pela independência do domínio otomano, reconhecida em 1829; nos reinos da Itália, o movimento se voltou contra a presença da dinastia francesa dos Bourbon e contra a dominação austríaca.
Contudo, foram as Revoluções de 1830 e 1848, pela capacidade de propagação e pelos resultados que produziram, que fizeram do século XIX o mais revolucionário que a Europa havia visto até então.
A onda revolucionária de 1830 começou na França após o rei Carlos X instituir as Ordenações de Julho. Elas acabavam com a liberdade de imprensa, dissolviam a Câmara dos Deputados e reduziam a população com direito ao voto. Revoltados com as medidas, nos dias 27, 28 e 29 de julho, os franceses ergueram barricadas pelas ruas de Paris e organizaram violentos protestos. Carlos X abdicou do trono e o movimento atingiu rapidamente outras regiões, como Bélgica, Península Itálica, Estados germânicos e Inglaterra.
Nem sempre as insurreições saíram vitoriosas. Porém, mudanças liberalizantes foram implementadas em alguns países. A Bélgica tornou-se independente dos Países Baixos e, na Inglaterra, as agitações produziram reformas que ampliaram o número de eleitores e fizeram entrar em cena o operariado, organizado em sindicatos e associações autônomas.
Barricada na Rua St. Antoine, em Paris, 28 de julho de 1830, gravura de 1830. A barricada, símbolo das revoluções de 1830 e 1848, consistia na interdição de ruas com trincheiras improvisadas. Essa gravura representa a revolta da classe média e dos trabalhadores, entrincheirados nas ruas parisienses contra as forças da realeza.
A Primavera dos Povos
Em 1848 ocorreu a principal onda revolucionária do século XIX. O movimento, conhecido como Primavera dos Povos, combinou as aspirações liberais da burguesia, os ideais nacionalistas e as reivindicações dos trabalhadores. A mobilização das camadas mais pobres foi impulsionada pela terrível crise econômica que atingiu toda a Europa entre 1846 e 1850, ocorrida devido às péssimas colheitas agrícolas. O custo de vida se elevou, indústrias dispensaram os operários e fecharam as portas e empresas ferroviárias interromperam muitas obras.
Assim como na década anterior, a onda revolucionária de 1848 começou na França. Em Paris, os franceses proclamaram a Segunda República, pondo fim à monarquia. O novo governo criou fábricas do Estado que geravam emprego aos operários e estabeleceu o sufrágio universal masculino. Porém, nas eleições para a Assembleia Constituinte, a burguesia saiu vitoriosa, derrotando os representantes dos operários. Com isso, as oficinas nacionais foram fechadas e a burguesia se manteve no poder.
Em regiões que futuramente formariam a Itália e a Alemanha, as rebeliões foram derrotadas, mas conseguiram implantar a república em alguns pequenos Estados. O esforço nacionalista nessas regiões caracterizava-se pela tentativa de reunir as unidades políticas dispersas (monarquias ou repúblicas) e formar um Estado nacional unificado.
Nessa época, o Império Austríaco também foi fortemente atingido por agitações liberais e, como resultado, aboliu o trabalho servil no campo. As conquistas liberais estimularam o nacionalismo dos húngaros, que se rebelaram contra a dominação austríaca. No entanto, com o auxílio de tropas russas, o exército austríaco derrotou a Revolução Húngara.
A combinação das ideias liberais com o nacionalismo e as questões sociais significou uma grande inovação nas lutas do período e expressou a revolta de vários grupos sociais contra a política conservadora e absolutista da Restauração.
As insurreições das classes populares também mostraram a violência da reação contrarrevolucionária das elites, que tentavam impedir que mudanças profundas acontecessem na maioria dos países europeus.
Fonte: DUBY, Georges. Atlas histórico mundial. Barcelona: Larousse, 2010. p. 231
A Primavera dos Povos no Brasil
As ideias revolucionárias de 1848 também atingiram o Brasil. Na província de Pernambuco, elas alimentaram a Revolução Praieira.
No campo, poucas famílias eram donas de grandes propriedades. Nas cidades, o comércio e as manufaturas eram controlados por portugueses e faltavam empregos.
A essa situação de desequilíbrio social, somou-se a crise política. Herdeiros de uma longa tradição liberal, os pernambucanos combatiam a extrema centralização política na corte do Rio de Janeiro. O estopim para a revolta foi a nomeação, por parte de D. Pedro II, de um conservador para governar a província. O movimento começou em Olinda, em novembro de 1848, onde recebeu grande adesão popular. Os praieiros reivindicavam o voto livre e universal, a liberdade de imprensa, o direito ao trabalho, a nacionalização do comércio de retalhos, o fim do Poder Moderador, entre outras mudanças.
De Olinda, os rebeldes avançaram para o Recife, mas as tropas imperiais impediram que eles tomassem a cidade. A luta dos rebeldes prosseguiu em forma de guerrilha até 1850, quando eles foram derrotados.
O surgimento do nacionalismo
A era napoleônica marcou profundamente a história europeia. Talvez o maior legado daquele período tenha sido a difusão da ideia de “nação”.
Aquela era uma ideia nova, que começou a ser construída no século XVIII e se fortaleceu ao longo do século XIX. Até então, os indivíduos se sentiam súditos de algum rei, por exemplo, “súditos do rei da França”, e o elemento que unia os membros daquela comunidade era o fato de estarem todos subordinados à autoridade do rei francês, vista como de origem divina.
Contudo, esse sentimento de união em torno de um monarca deixou de ser compartilhado por muitas pessoas. Alguns não confiavam mais em seus reis, porque eles haviam mudado tanto ao longo do tempo, em trocas políticas e militares, que era difícil acreditar que governavam por vontade e decisão divina.
Muitos também questionavam a capacidade e a legitimidade dos reis de liderar sua comunidade. E, por fim, havia aqueles que viviam no continente americano e não se sentiam representados por um rei que governava do outro lado do Atlântico e só se importava com seus súditos do além-mar para exigir deles que pagassem impostos e servissem ao exército.
À medida que a industrialização avançou, assim como as migrações da Europa para a América e do campo para as cidades, as pessoas perderam seu antigo vínculo com as pequenas comunidades em que viviam. Muitos passaram a se questionar sobre o que os unia, e logo surgiram grupos que passaram a divulgar a ideia de que compartilhar um idioma e uma cultura mais ou menos semelhantes era o que unia as pessoas de determinado local. A isso, começaram a chamar de “nação”.
Na Europa do século XIX, essa ideia de nação se ligava à de um território habitado por uma comunidade com língua e um passado em comum, governada por um Estado independente. Para que as pessoas se identificassem com essa ideia, políticos e intelectuais de cada reino começaram a resgatar personagens do passado (quase sempre homens e líderes políticos), convertendo-os em “heróis nacionais”, celebrados em feriados, moedas e monumentos públicos.
Lutando em frente ao Hotel de Ville, 28 de julho de 1830, pintura de Jean-Victor Schnetz, 1883. Essa pintura representa um dos episódios das Revoluções de 1830 na França.
A invenção da tradição
A escola também cumpriu um papel importante na tarefa de construir a nação. Os alunos deveriam aprender sobre os heróis e os grandes acontecimentos históricos da comunidade para se sentir parte dela e desejar construir juntos uma nação forte e independente. Também tinham de aprender um tipo de idioma definido como “nacional”, abandonando dialetos, tradições ou crenças religiosas vistas como regionais.
Cada país trilhou um caminho próprio na transição de um Estado vinculado ao monarca para outro em que os indivíduos se viam como súditos de um Estado-nação. Em alguns territórios se investiu na uniformização da língua (em especial na Europa); em outros, procurou-se criar vínculos até então inexistentes, como veremos adiante nos exemplos da Itália e da Alemanha.
O movimento nacionalista da primeira metade do século XIX tinha características liberais e defendia a autodeterminação dos povos contra a opressão estrangeira. Ao longo do século, em especial depois da Primavera dos Povos, o nacionalismo se tornou cada vez mais excludente, com o surgimento de ideias que pregavam a superioridade de uma nação sobre outras.
No século XX, o ideal nacionalista caracterizado pela intolerância em relação a outras nações se aprofundou, levando a guerras entre países, perseguições, campanhas de extermínio e uma série de violências contra quem vem de outras terras, tem outros usos e costumes e fala outra língua. O diferente passou a ser visto como perigoso.
Atualmente, essa face negativa do nacionalismo ainda se expressa no mundo todo, principalmente por meio de manifestações contra os imigrantes.
Poloneses comemoram o Dia da Independência da Polônia, Varsóvia, 2019. Na atualidade, em países europeus como Polônia, Hungria e Itália tem se alastrado um nacionalismo marcado pela xenofobia.
As fissuras do nacionalismo
A ideia de Estado-nação encobre diferenças culturais e conflitos históricos entre povos que vivem em um mesmo território. Para o Estado nacional se consolidar, diferenças internas tiveram de ser apagadas ou reprimidas
“Ao nos perguntarmos o que é uma nação, logo nos defrontamos com o fato de que tal ideia nem sempre existiu nem existiu em todos os lugares, mas teve um começo e talvez tenha um final. É importante percebermos também o caráter impositivo dessa construção discursiva e política, ou seja, toda nação e todo Estado-nação são fundamentados em uma cultura específica de um grupo dominante que sob a justificativa de que seus valores são os verdadeiramente ‘nacionais’, de que são os que melhor representam o Estado e o território ao qual pertencem, exclui todas as outras culturas também existentes em seu território. Tal vem acontecendo na história desde a própria origem do Estado nacional. Os exemplos são muitos: a Espanha, durante a Idade Moderna e quase todo o século XX, ao excluir as identidades de bascos, galegos e catalães de sua definição de identidade nacional, afirmando a hegemonia da cultura e do idioma castelhanos como os legítimos valores nacionais do país; Israel, hoje, ao negar aos palestinos uma série de direitos de cidadania; os Estados Unidos, durante o século XIX ao excluir indígenas e negros como membros da nação; o que se repete no Brasil nos séculos XIX e XX. Os exemplos são muitos ao longo da história.”
SILVA, Kalina Vanderlei; SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009. p. 310.
Professor indígena ensina seus alunos do Ensino Fundamental em karib, família linguística à qual pertence a língua do povo Kalapalo. Aldeia Aiha, Parque Indígena do Xingu (MT), foto de 2018. Nas escolas indígenas do Brasil, os alunos têm aulas da língua falada pelo seu povo e de língua portuguesa, além de estudarem as disciplinas tradicionais de uma escola não indígena.
O Romantismo e a revolução
O Romantismo foi um amplo movimento sociocultural que atravessou os últimos anos do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX. Influenciado pela Revolução Francesa e pela expansão napoleônica, o movimento captou e reproduziu nas artes em geral as tensões que se abatiam sobre a Europa revolucionária.
Os artistas românticos expressavam em suas obras a exaltação da liberdade contra a opressão do Antigo Regime, bem como o nacionalismo contra a influência estrangeira. A literatura e a música passaram a valorizar o idioma e o folclore nacionais, ao mesmo tempo que exaltavam a pátria diante da agressão estrangeira. Valorizando as tradições nacionais, os artistas românticos transformaram os povos e as nações nos grandes protagonistas da história.
Nas várias expressões da arte, os românticos se caracterizaram pela oposição ao racionalismo iluminista e aos temas da arte neoclássica. Eles propunham uma arte livre, guiada pela imaginação e pela emoção do artista. Defendiam a supremacia da intuição e dos sentimentos sobre a razão, das situações extremas sobre o equilíbrio e a harmonia e a retomada da união do ser humano com a natureza diante das novidades da sociedade industrial.
Além disso, os românticos valorizavam a época medieval, que para eles simbolizava o retorno à natureza, à religiosidade e às origens das nações. Com o tempo, os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, procurando representar os dramas e a solidão do indivíduo, que se refugia no sonho e na relação com a natureza.
A batalha da ponte de Arcole, pintura de Horace Vernet, 1826. O artista representou Napoleão Bonaparte liderando heroicamente os soldados franceses na vitória contra o exército austríaco na Itália, em 1796, durante a Revolução Francesa. Repare na dramaticidade da cena e no apelo nacionalista da obra
O Romantismo no Brasil
Inspirados nas teorias europeias, os representantes do Romantismo no Brasil procuraram aliar o objetivo de criar uma estética romântica no país à tarefa de fundar uma literatura e uma cultura genuinamente brasileiras. Para isso, os escritores procuraram valorizar aspectos que eram originais do Brasil, como a paisagem natural e o indígena, escolhidos como símbolos da nação brasileira.
Tradicionalmente, a literatura romântica brasileira está dividida em três fases. Veja a seguir.
* Primeira geração. Representada pelos escritores Gonçalves Dias, José de Alencar e Gonçalves de Magalhães, caracterizou-se pela construção de uma identidade nacional, valorizando o indígena, a natureza, o folclore e o clima do Brasil.
* Segunda geração. Ficou marcada pelo pessimismo, pelo fascínio em relação à morte e pelo sentimento de inadequação diante do mundo. Os principais expoentes dessa geração foram os poetas Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu e Fagundes Varela.
* Terceira geração. Também conhecida como “condoreirismo”, essa última fase se destaca pela preocupação com temas sociais. A poesia de Castro Alves, seu principal representante, denunciou a violência da escravidão e abraçou a causa abolicionista.
Na pintura, o Romantismo no Brasil combinou aspectos da arte neoclássica e da arte romântica. Alguns autores até mesmo questionam se houve, a rigor, uma pintura romântica brasileira. Os que discordam dessa visão citam as obras de Victor Meirelles, Araújo Porto-Alegre, Pedro Américo e José Maria de Medeiros como exemplos da pintura romântica no país. Acontecimentos históricos, a natureza brasileira e o indígena são os temas da pintura romântica nacional.
Iracema, pintura de José Maria de Medeiros, 1884. Note que essa mulher indígena, representada no centro de uma paisagem tropical, tem traços europeus. Sua postura lembra a das deusas das esculturas gregas.
Próxima aula
As unificações da Itália e da Alemanha
https://historiaecio.blogspot.com/2023/12/as-unificacoes-da-italia-e-da-alemanha.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário