segunda-feira, 27 de novembro de 2023

França Antártica, escravidão e resistência indígenas

França Antártica, escravidão e resistência indígenas


Escravidão e resistência indígena


Alianças, guerras e escravidão

No início do século XVI, os indígenas estavam presentes em praticamente toda a costa brasileira. Para que pudessem fundar vilas e construir engenhos de açúcar nas áreas litorâneas, os portugueses procuraram estabelecer alianças com povos nativos que ali viviam.

Depois disso, os colonizadores passaram a comprar de indígenas aliados prisioneiros capturados em guerra para escravizá-los. Como justificativa, alegavam que a compra e a escravização do prisioneiro o salvavam da morte no ritual de antropofagia. Essa prática ficou conhecida como resgate.


Antropofagia é a ação de comer carne humana, o que entre humanos é também conhecido como canibalismo. A antropofagia era praticada em rituais esotéricos como forma de quem come incorporar as qualidades do indivíduo que é comido, como a bravura e a coragem de um guerreiro derrotado.

Visando obter mais cativos, os portugueses incentivaram seus aliados a entrar em conflito contra outros povos, alterando a relação dos indígenas com a guerra. Se antes os Tupi, por exemplo, guerreavam para vingar a morte de parentes, com os portugueses, que muitas vezes lhes providenciavam armas, passaram a agir interessados nas vantagens que recebiam deles.


Contudo, a aliança com os portugueses não impediu que muitos povos indígenas fossem escravizados, pois suas aldeias também foram alvo constante de ataques promovidos pelos colonos.



Índios atravessando um riacho, pintura de Agostino Brunias, 1800.


Franceses, portugueses e indígenas

Desde 1500, várias embarcações francesas percorriam a costa brasileira traficando o pau-brasil e especiarias. Alguns homens chegaram a permanecer na terra para fazer amizade com os indígenas e aprender a sua língua. Em 1555, três navios franceses, com cerca de 600 colonos, chegaram à Baía da Guanabara com o objetivo de fundar um povoamento permanente. A expedição era comandada por Nicolas Durand de Villegagnon, que nomeou a colônia de França Antártica.


Mapa França Antártica


Os franceses se estabeleceram em uma pequena ilha, onde construíram casas, praças e o Forte Coligny. Para isso, contaram com a ajuda dos Tupinambá, que os portugueses chamavam de Tamoio. Os indígenas forneceram água e alimentos e ajudaram a levantar as edificações. A amizade dos franceses com os indígenas Tupinambá transformou-se em uma aliança guerreira contra os portugueses e contra indígenas inimigos.


Forte Coligny (em francês Fort Coligny) localizava-se na ilha de Serijipe (atual ilha de Villegagnon), no interior da baía de Guanabara, na atual cidade e estado do Rio de Janeiro, no Brasil.


Na ocasião, não havia ainda nenhum povoamento português no local, e a presença francesa não pareceu importante para o rei de Portugal. A situação começou a mudar em 1557, quando uma nova expedição de franceses chegou à Baía da Guanabara e se uniu ao grupo inicial. A maior parte era formada de protestantes calvinistas, conhecidos como huguenotes, que vieram para o Brasil fugindo da perseguição católica na França.


Além da ameaça territorial, a ocupação francesa era vista como um entrave à fé católica no Brasil. Em carta endereçada ao infante D. Henrique em 1560, o padre Manuel da Nóbrega escrevera que os franceses tinham vindo ao Brasil para difundir o protestantismo entre os nativos e mandado os indígenas convertidos propagarem a nova fé.


 A Coroa portuguesa decidiu agir enviando um novo governador-geral para a colônia, Mem de Sá. Em 1560, ele tomou o Forte Coligny. Cinco anos depois, em 1565, os portugueses receberam o reforço de uma frota de colonos e indígenas aliados, comandada por Estácio de Sá, sobrinho do governador-geral. No local foi fundada a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.


Mem de Sá, também documentado como Mem de Sá Sottomayor, (Coimbra, c. 1504 — Salvador, 2 de março de 1572) foi um nobre e administrador colonial português.



Estácio de Sá (Santarém, 1520 — Rio de Janeiro, 20 de fevereiro de 1567) foi um militar português, fundador da cidade São Sebastião do Rio de Janeiro, e primeiro governador-geral da Capitania do Rio de Janeiro, no período colonial.


A guerra entre indígenas, portugueses e franceses se estendeu, com poucas tréguas, até 1567, quando a aliança franco-indígena foi derrotada pelas tropas de Mem de Sá. Vitoriosos, portugueses e seus aliados indígenas exterminaram centenas de Tamoio. Os sobreviventes foram capturados e escravizados.


A experiência da França Antártica foi documentada por dois franceses: o religioso católico André Thévet, que veio na primeira expedição e publicou, em 1557, Singularidades da França Antártica; e o calvinista Jean de Léry, membro da segunda expedição, que publicou, em 1578, Viagem à terra do Brasil. As duas obras foram publicadas na Europa depois que os autores deixaram o Brasil.


Filme Vermelho Brasil - Filme completo (clique no link abaixo para ver)

https://www.youtube.com/watch?v=6IAcEAV7hAM&t=2753s


A guerra justa

Em 1570, principalmente em decorrência da pressão dos padres jesuítas, a Coroa portuguesa proibiu a escravidão de indígenas. Porém, para satisfazer a necessidade de mão de obra na colônia, estabeleceu-se que ela seria permitida em caso de guerra justa.


Os portugueses chamavam de guerra justa toda guerra empreendida contra povos indígenas considerados inimigos, incluindo os “índios bravos”, ou seja, aqueles que se negavam a selar aliança com os portugueses ou que se aliavam a seus inimigos (como os franceses); os que recusavam a presença de um padre em sua aldeia; os que fugiam para os sertões e os que ofereciam algum tipo de resistência à colonização.


Conforme a lei, os indígenas somente poderiam ser escravizados em situações de “Guerra Justa”, ou seja, quando eram hostis aos colonizadores. Apenas o Rei poderia decretar uma “Guerra Justa” contra uma tribo, apesar de que Governadores de Capitanias também o tenham feito.


Na prática, os portugueses utilizaram o princípio da guerra justa para legitimar a escravidão indígena e estimularam guerras contra povos até então pacíficos com o objetivo de escravizá-los.


Os aldeamentos jesuítas (Missões ou reduções)

A comitiva de Tomé de Sousa, primeiro governador-geral do Brasil, chegou a Salvador em 1549. Com ela vieram também os primeiros padres jesuítas, encarregados de educar e catequizar os indígenas e os filhos dos colonos. Visando facilitar a evangelização dos nativos, os padres criaram, em várias partes da colônia, aldeamentos, também chamados de missões.


Tomé de Sousa (Rates, 1503 — 1579) foi um militar e político português, primeiro governador-geral do Brasil, cargo que exerceu de 1549 a 1553.



Os jesuítas são os padres que fazem parte da Companhia de Jesus, uma ordem religiosa. Essa ordem religiosa foi fundada por Inácio de Loyola, em 1534. Procuraram expandir a fé católica pelo mundo e impedir o avanço do protestantismo na Europa.



As missões jesuíticas na América, também chamadas de reduções, foram os aldeamentos indígenas organizados e administrados pelos padres jesuítas no Novo Mundo, como parte de sua obra de cunho civilizador e evangelizador.


Os aldeamentos buscavam eliminar o estilo de vida autônomo dos indígenas, catequizando-os e obrigando-os a seguir um modo de vida europeu: vestir roupas, falar a língua portuguesa, adotar nomes cristãos etc. Além disso, os indígenas deviam abandonar seus rituais, a poligamia e muitos de seus conhecimentos tradicionais.


As sociedades indígenas prezam muito por duas coisas: respeito e ligação com a natureza e respeito à sabedoria dos anciãos. É ainda comum nas tribos indígenas o pensamento de uma vivência sustentável — retirando da natureza somente aquilo que é necessário para a manutenção da vida.



Definição de poligamia.


Nas missões, os indígenas também eram obrigados a seguir a disciplina de oração e de trabalho imposta pelos religiosos, que administravam a mão de obra nativa e a emprestavam aos fazendeiros da região por tempo determinado.


Os jesuítas e a colonização

A Companhia de Jesus foi criada na Europa em 1534 e, desde o início, esteve engajada no projeto de colonização português, desenvolvendo atividades missionárias na Ásia, na África e na América. No Brasil, antes de criar os primeiros aldeamentos de indígenas, os padres fundaram colégios em Salvador e no Rio de Janeiro, onde estudavam filhos de colonos, além de uns poucos indígenas e órfãos.


A educação era uma das estratégias para a evangelização e a doutrinação de nativos e europeus.


Formas de resistência

Uma das principais formas de resistência indígena à escravização foi a fuga para o interior. Também houve casos de indígenas de povos diferentes que se uniram para enfrentar ataques das tropas coloniais.


A partir do século XVII, outra estratégia adotada por muitos indígenas foi se aliar a africanos escravizados e a brancos pobres e passar a habitar os quilombos ou mocambos, povoados de resistência ao poder colonial.


Quilombos, também conhecidos como mocambos, foram comunidades formadas no Brasil durante o período colonial por brancos pobres, indígenas e africanos escravizados e/ou seus descendentes. Os quilombos são entendidos como espaços de resistência contra a escravidão, desigualdade e a injustiça, uma vez que eram formados por escravos fugidos ou por pessoas mestiças pobres.


Além disso, como a escravidão indígena era proibida, exceto em casos de guerra justa, os indígenas escravizados podiam recorrer a um tribunal português, alegando que sua captura havia sido ilegal, e reivindicar a liberdade. Na Amazônia portuguesa do século XVIII, mais da metade dos pedidos de liberdade foram feitos por mulheres. Elas estendiam os pedidos para seus filhos, já que a condição de cativo era legada pelas mães. As sentenças costumavam ser favoráveis aos indígenas, entretanto, como estavam inseridos em uma sociedade escravista, os resultados obtidos pela via institucional eram limitados. A sentença mais comum determinava que os índios ficassem livres para servir aos colonos que quisessem.


Mesmo entre os indígenas que permaneceram aliados aos portugueses, houve espaços de liberdade. Isso porque a Coroa dependia desses indígenas e da boa relação com os seus líderes para formar exércitos em tempos de guerra e para defender o território. Percebendo o interesse dos portugueses em evitar conflitos, líderes indígenas aproveitavam para negociar com os colonizadores uma vida de mais liberdade para o seu povo.

O recrutamento de indígenas para os aldeamentos, chamado de descimento, era feito pelos missionários jesuítas. Em nome da Coroa, eles buscavam convencer os nativos a se transferirem espontaneamente para as missões. Caso os indígenas se recusassem por muito tempo, podiam ser acusados de rebeldia, o que permitiria que fossem escravizados com base no princípio da guerra justa.


Diversos grupos indígenas aceitaram viver em aldeamentos acreditando que o sistema criado pelos padres garantia proteção contra povos inimigos e contra a escravidão, além de permitir a convivência com outros indígenas em condições mais seguras.


Potiguara: alianças e resistência

No século XVI, os Potiguara podiam ser encontrados em toda a costa que vai do Maranhão até o norte de Pernambuco. Nesse período, os senhores de engenho de Pernambuco enviavam regularmente expedições para exterminar ou tentar estabelecer alianças com os Potiguara que viviam nas capitanias mais ao norte com o intuito de ocupar as terras onde hoje se localizam os estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte.


Outra estratégia adotada pelos portugueses foi estabelecer alianças com os Tabajara, inimigos dos Potiguara que também viviam na região. Os Potiguara, por sua vez, aliaram-se aos franceses, inimigos dos portugueses. Com o apoio francês, eles se tornaram a maior resistência aos portugueses no Nordeste. No entanto, no final do século XVI, os franceses foram derrotados, e os Potiguara tiveram de fazer as pazes com os portugueses.


A aliança com os holandeses

Nas primeiras décadas do século XVII, interessados em controlar a produção de açúcar, os holandeses invadiram a capitania de Pernambuco. Aproveitando-se dessa situação, algumas lideranças Potiguara selaram uma aliança com os holandeses e lutaram ao lado deles nas guerras contra os portugueses.


Foi o caso de Pedro Poty e Antônio Paraupaba. Em 1625, eles foram levados à Holanda, onde viveram por cinco anos, aprenderam a língua e os costumes dos aliados e converteram-se ao calvinismo. De volta ao Brasil, Poty liderou muitos indígenas Potiguara nas lutas contra os portugueses na região da Paraíba. Capturado pelos inimigos, ele foi brutalmente torturado nas prisões coloniais.


Com a vitória portuguesa, os holandeses foram expulsos do Brasil, em 1654. Os Potiguara se tornaram alvo de novas guerras de extermínio promovidas pelos portugueses e seus aliados indígenas. Os sobreviventes fugiram para as serras do Rio Grande do Norte ou foram obrigados a se submeter à administração colonial.


Os portugueses separaram os Potiguara em aldeamentos distantes para que não formassem alianças, levando esse povo a perder muito de sua força política e, com isso, grande parte de suas terras.


Terras Indígenas Potiguara

Atualmente, os Potiguara são o quinto povo indígena mais numeroso do Brasil e o grupo mais expressivo da Região Nordeste, tendo registrado, em 2014, uma população superior a 18 mil pessoas. As Terras Indígenas Potiguara (Potiguara, Jacaré de São Domingos e Potiguara de Monte-Mor) ocupam uma área contígua dos municípios de Marcação, Baía da Traição e Rio Tinto, todos na Paraíba. Muitos Potiguara vivem também nos estados de Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Mas, nesses estados, suas terras ainda não foram oficialmente reconhecidas pelo Estado brasileiro, gerando diversos conflitos.


As terras habitadas pelos indígenas Potiguara há mais de 500 anos têm sido constantemente invadidas. Os principais responsáveis por isso são fazendeiros, posseiros, grandes usineiros de açúcar e turistas interessados em construir casas de veraneio.


Localização das Terras Indígenas Potiguara reconhecidas pelo Estado brasileiro 


Próxima aula

Nordeste açucareiro

https://historiaecio.blogspot.com/2023/08/nordeste-acucareiro.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Revolução Francesa e as suas contribuições para a formulação do mundo contemporâneo (Revolução Francesa parte 03)

Revolução Francesa foi: A Revolução Francesa foi um período de intensa agitação política e social na França entre 1789 e 1799, que teve um i...