terça-feira, 3 de outubro de 2023

Valores iluministas no mundo contemporâneo

Os valores iluministas no mundo contemporâneo 


Estado laico e organizado em três poderes

A organização política da maior parte dos países atuais mostra o alcance e a capacidade de sobrevivência do pensamento iluminista. Mesmo constantemente renovadas e adaptadas à realidade de cada país, as ideias iluministas forneceram as bases para a organização das democracias contemporâneas.

O Brasil é um bom exemplo. Segundo a Constituição de 1988, o Estado brasileiro está organizado em três poderes, autônomos e complementares: o Poder Executivo (exercido pelo presidente da república, auxiliado por seus ministros); o Poder Legislativo (exercido pelo Congresso Nacional) e o Poder Judiciário (composto pelo Supremo Tribunal Federal e outros órgãos). 


Como vimos, a separação do Estado em três poderes independentes tem origem na teoria de Montesquieu. Em sua obra O espírito das leis (1748), ele propôs um sistema de poder tripartite, em que cada poder, atuando de forma independente, conteria os abusos eventualmente cometidos pelos demais. 


Além de organizado em três poderes, o Brasil é, oficialmente, um Estado laico. Isso significa que, em tese, nenhuma religião deve interferir nas decisões do governo, dos parlamentares ou do judiciário no país. A Constituição brasileira também garante a liberdade de culto aos brasileiros e a obrigação do Estado de proteger as diferentes práticas religiosas no nosso território.


A separação entre Estado e religião e o princípio da liberdade religiosa também têm sua raiz na filosofia da ilustração. Para os iluministas, a razão e não a religião deveria orientar a vida em sociedade. Porém, toda pessoa deveria ser livre para professar sua crença religiosa. Ou seja, eles combatiam a interferência da Igreja na vida pública com o mesmo vigor com que defendiam a liberdade religiosa do indivíduo.


A educação iluminista no mundo atual

Espírito investigativo, elaboração de hipóteses, análise crítica e classificação fazem parte de um conjunto de habilidades necessárias para produzir um conhecimento científico. O desenvolvimento dessas habilidades é um dos principais objetivos das escolas atuais. Isso significa que o ensino praticado na maior parte do mundo tem como referência o método e as teorias científicas.

A defesa de um ensino ministrado em bases científicas, livre da interferência de crenças e dogmas religiosos, foi outra importante elaboração teórica dos iluministas. Segundo eles, a experimentação, a observação e a linguagem matemática deveriam ser aplicadas ao ensino, à política, à economia, ao direito, enfim, a todas as áreas do saber humano. 

Com um currículo orientado pela razão e pela ciência, o ensino, mantido pelo Estado, seria capaz de libertar o homem das superstições e de promover a equidade entre os indivíduos. Como estudamos, as ideias do marquês de Condorcet sintetizam o modelo de ensino defendido pelos iluministas: uma instrução em que a diferença de talentos supere a diferença de riqueza.


O relatório de Condorcet

O marquês de Condorcet, nomeado presidente do Comitê de Instrução Pública na primeira fase da grande revolução na França, apresentou seu projeto de educação à Assembleia Legislativa em abril de 1792. Conheça um trecho desse documento.

“Oferecer a todos os indivíduos da espécie humana os meios (condições) de prover suas necessidades, de assegurar seu bem-estar, de conhecer e de exercer todos os seus direitos, de entender e de cumprir seus deveres. Assegurar a cada um deles a facilidade de aperfeiçoar seu engenho (habilidade), de se tornar capaz das funções sociais às quais ele tem o direito de ser chamado, de desenvolver toda a extensão de talentos (capacidade) que ele recebeu da natureza; e assim estabelecer, entre os cidadãos, uma igualdade de fato, e tornar real a igualdade política reconhecida pela lei. 

Esse deve ser o primeiro objetivo de uma instrução nacional e, sob esse ponto de vista, ela é, para o poder público, um dever de justiça.” 

Rapport de Condorcet [Relatório de Condorcet – 1792]. Disponível em <http://mod.lk/tabhh>. Acesso em 9 jan. 2020.


Os passos do privilégio

Disponível em <http://mod.lk/mwlw2>. Acesso em 16 jul. 2020.

É comum ouvirmos falar que aqueles que mais se esforçam são os que, por mérito pessoal, serão bem-sucedidos no futuro. Mas será que todos têm acesso às mesmas oportunidades? Assista ao vídeo que discute essa questão.


O triunfo da razão e da ciência

Nos últimos séculos, desde a Revolução Industrial na Inglaterra, tecnologias como as da máquina a vapor, ferrovias, automóveis, aviões, antibióticos, vacinas, computadores, internet, drones, entre muitas outras, promoveram grandes transformações nos transportes, nas comunicações, na agricultura, na geração de energia, na qualidade de vida e em várias outras áreas. 

A tecnologia, contudo, não surgiu com a Revolução Industrial. Conhecimentos que resultam do aproveitamento de recursos naturais para facilitar a vida humana existem desde os tempos primitivos. Quando nossos ancestrais criaram instrumentos de pedra para abater animais, dominaram o fogo, domesticaram as primeiras plantas e animais, fabricaram os primeiros objetos de cerâmica ou inventaram a roda estavam desenvolvendo tecnologias para vencer as dificuldades diárias e conseguir sobreviver. 

Porém, foi apenas a partir do século XVIII, com a Revolução Industrial, que o desenvolvimento científico e tecnológico conquistou um lugar central nas pesquisas feitas em países do Ocidente. Como defendiam os iluministas, o conhecimento científico passou a ser utilizado para controlar a natureza a serviço do homem. Pensavam eles que a razão seria capaz de libertá-lo das superstições e das barreiras impostas pela natureza e de promover a felicidade de toda a espécie. 

De fato, quando olhamos à nossa volta, a capacidade humana de manipular a natureza por meio da ciência e da técnica parece não ter fim. O represamento da água dos rios para a construção de hidrelétricas; a aerodinâmica das asas de um avião, que lhe permite vencer a força da gravidade; antibióticos que combatem micro-organismos causadores de infecções; túneis ferroviários submersos ligando territórios separados pelo mar; e o uso do Sol e do vento como fonte geradora de energia são apenas alguns exemplos. As novidades tecnológicas nos surpreendem a cada dia.


O sentido e o preço do progresso

Iluministas como o marquês de Condorcet viam a história da humanidade como uma linha de progresso contínuo. Ela teria começado nos tempos primitivos, conhecido depois uma fase de aperfeiçoamento com os povos do Crescente Fértil, vivido o esplendor da cultura greco-romana, retrocedido na Idade Média e retomado o caminho do progresso na era da ilustração.

O desenvolvimento da ciência e da tecnologia estariam assim cumprindo seu papel histórico de guiar a humanidade pelo caminho da razão a um mundo evoluído, livre e equilibrado. Mais tarde, principalmente a partir do século XX, várias críticas foram feitas a essa visão triunfalista a respeito do potencial da razão e da crença no progresso. Vamos apresentar três delas.

Primeiro, historiadores e pesquisadores de outras disciplinas deixaram de ver a história como uma linha contínua que conduziria a humanidade ao mesmo ponto, a era das luzes. Para eles, a história humana é marcada por rupturas, mudanças, continuidades, idas e vindas. Revoluções, guerras, crescimento de grupos neonazistas na Europa, novidades tecnológicas convivendo com antigos inventos e tradições (internet e rádio, e-book e livro impresso, produção artesanal e produção industrial, entre outros exemplos) mostram que vários caminhos podem ser percorridos, e não há como determinar o que acontece ao longo de cada um deles.

A segunda crítica feita à ideia de progresso dos iluministas é o fato de ela ter como referência a história da Europa. Assim, ao adotar como modelo as conquistas científicas e tecnológicas dos países europeus, as sociedades tradicionais eram vistas como atrasadas ou selvagens. No pensamento iluminista europeu, a tradição oral, mítica e não científica dos povos indígenas da América ou das comunidades africanas era uma marca do seu atraso. Essas ideias, já defendidas pelos intelectuais do Renascimento, ganharam força a partir do iluminismo. 

A terceira crítica ao iluminismo está relacionada aos valores da sociedade industrial que ele ajudou a construir. Ao exaltar o poder da razão e da ciência de explorar a natureza em benefício do ser humano, o objetivo deixou de ser o conhecimento em si. O prazer em conhecer, conviver e aprender com a natureza perdeu sua importância. O que importava agora era conhecê-la e submetê-la aos interesses do progresso econômico e tecnológico. O ser humano, nessa visão, já não era parte da natureza, mas senhor dela.


Saberes tradicionais 

A ciência moderna é uma forma importante de conhecimento, porém não é a única. Desde os tempos mais antigos, diversas sociedades têm construído saberes observando e aprendendo com a natureza. Esse é o caso das comunidades indígenas no Brasil, que conhecem profundamente o ambiente onde vivem: espécies vegetais e animais, suas propriedades específicas, hábitat e ciclos de reprodução. Mas os indígenas e outros povos tradicionais não veem a natureza como um objeto que pode ser explorado e destruído em benefício do ser humano. Por essa razão, as atividades que eles praticam causam poucos impactos à natureza.

“Hoje em dia ninguém questiona o valor geral das intervenções no real propiciadas pela ciência moderna por meio de sua produtividade tecnológica. Mas isso não deve nos impedir de reconhecer intervenções propiciadas por outras formas de conhecimento. [...] há outros modos de intervenção no real que hoje nos são valiosos e para os quais a ciência moderna em nada contribuiu. É o caso, por exemplo, da preservação da biodiversidade possibilitada por formas de conhecimento camponesas e indígenas, que se encontram ameaçadas justamente pela crescente intervenção da ciência moderna. E não deveria nos impressionar a riqueza dos conhecimentos que lograram preservar modos de vida, universos simbólicos e informações vitais para a sobrevivência em ambientes hostis com base exclusivamente na tradição oral?”

SANTOS, Boaventura de Sousa. Para além do pensamento abissal: das linhas globais a uma ecologia de saberes. São Paulo: Novos estudos Cebrap, 2007. Disponível em <http://mod.lk/chmlr>. Acesso em 9 jan. 2020.

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