quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Trabalho escravo e trabalho servil

Trabalho escravo e trabalho servil

Formas de trabalho compulsório

A maior parte das sociedades contemporâneas reconhece que todos os indivíduos são livres, têm o direito de aceitar ou recusar um trabalho, de circular livremente e de escolher uma profissão com certo grau de autonomia. Entretanto, a conquista legal desses direitos é muito recente na história, tem menos de cem anos.

No 6o ano você estudou dois regimes de trabalho compulsório, ou seja, que privam o trabalhador da liberdade de escolher o tipo de trabalho que deseja exercer e de abandoná-lo: a escravidão, amplamente praticada em Atenas e na Roma antigas, e a servidão, que predominava em Esparta e na Europa medieval. Qual é a diferença entre essas duas formas de trabalho compulsório?


Ilustração do século XIX que mostra prisioneiros ibéricos sendo vendidos como escravos para representantes do Império Romano.

O trabalho escravo

O escravo, por definição, é aquele que perdeu a liberdade ou que já nasceu sem ela. Ele não é livre para escolher seu trabalho, deslocar-se livremente e decidir sobre sua vida. Não é dono da sua pessoa. Logicamente, a condição do escravo variou de uma sociedade para outra e mesmo em uma mesma sociedade, dependendo deste ou daquele senhor. Mas, a rigor, a escravidão é o extremo da violência contra um indivíduo, pois retira dele a soberania sobre sua própria vida. Assim, por não se tratar de uma condição natural, preferimos usar o termo escravizado, mais adequado para indicar que a pessoa foi submetida a essa situação.

Além de não ser livre, o indivíduo escravizado é uma propriedade do senhor, pode ser utilizado na agricultura, nas minas, nos serviços domésticos, além de ser trocado, vendido ou alugado. Em Atenas, até as reformas ocorridas no século VI a.C., os escravizados eram pessoas empobrecidas que não conseguiam quitar suas dívidas. Depois que essa prática foi proibida, os escravizados passaram a ser estrangeiros capturados em guerras de conquista.

Em Roma e em praticamente todo o mundo antigo, o critério para a escravização de uma pessoa não era a cor ou a etnia. Como a escravidão era imposta aos estrangeiros capturados em guerras, os escravizados poderiam ser oriundos da Europa, da África ou da Ásia. 

A servidão na Europa medieval
Embora tenha havido escravizados na Europa durante a Idade Média, nesse período predominou uma outra forma de trabalho compulsório: o trabalho servil, que variou de acordo com o local e a época.

Em geral, o servo medieval estava preso à terra para o resto da vida, arcava com todo o trabalho na propriedade senhorial e estava sujeito ao pagamento de vários impostos. Ele estava sob a autoridade do senhor, a quem devia obediência e lealdade.

Diferentemente da escravidão antiga e da escravidão moderna, os servos da Europa medieval não eram propriedades do senhor. Eles não podiam ser vendidos, tinham direito a uma parte da terra do senhorio e, juridicamente, sua condição não era de objeto ou de mero instrumento de trabalho.

Tal como acontecia com os escravizados, os servos não estavam submetidos às mesmas condições de trabalho. Os “servos dos domínios” trabalhavam todo o tempo nos campos do senhor e não só nos dias destinados à corveia. Já os camponeses muito pobres, chamados “fronteiriços”, tinham apenas pequenos arrendamentos de terra nas proximidades das aldeias. Em uma condição mais precária viviam os “aldeões”, que trabalhavam por contrato para os senhores em troca de comida.

A seguir, vamos mostrar que a escravidão, pouco praticada na Europa medieval, dominará a cena das terras ligadas pelo Atlântico a partir das viagens marítimas portuguesas.


Cenas de calendário do século XV que representam os trabalhos realizados pelos camponeses nos meses de junho, julho e agosto, respectivamente.

O tráfico negreiro e a escravidão moderna

Quando os portugueses fizeram as primeiras incursões na África, a escravidão era uma prática comum nos reinos africanos, ainda que a venda de escravizados não fosse a atividade econômica central. Em geral, os cativos eram prisioneiros de guerra, pessoas que cometiam crimes ou que não conseguiam pagar suas dívidas. Muitos escravizados trabalhavam com os filhos do senhor, frequentavam sua casa e podiam, com o tempo, adquirir propriedades.

A venda de escravizados passou a ser uma atividade comercial lucrativa e intercontinental a partir do final do século XV e o início do século XVI, com a chegada dos europeus à África e a criação de feitorias na costa africana. Em troca de produtos como armas, fumo e pólvora, os chefes africanos forneciam seus cativos para traficantes europeus, árabes e turcos. Com o tempo, comerciantes das colônias americanas também entraram no negócio.

Os africanos escravizados eram transportados, nos navios negreiros, para as colônias americanas, onde seriam comercializados. O cativo, assim, gerava um lucro dobrado: ao ser vendido pelos traficantes e ao trabalhar nas lavouras e nas minas das colônias americanas. Dessa forma, com a colaboração dos líderes nativos, os europeus transformaram o tráfico transatlântico de pessoas escravizadas em um dos negócios mais rentáveis da época moderna.

Por isso, não é exagero dizer que a expansão portuguesa transformou o mundo. Ela significou o primeiro passo para a chegada dos europeus à América e iniciou o que chamamos de escravidão moderna. Qual é a diferença entre essa nova escravidão e a escravidão antiga? Primeiro, na era moderna, houve uma “racialização” da escravidão. Os indivíduos escravizados pertenciam a um grupo específico, composto de povos negros que habitavam o território africano ao sul do Deserto do Saara.


Pessoas escravizadas partindo para a colheita de café em fazenda do Vale do Paraíba do Sul. Foto de Marc Ferrez, c. 1885.

Os portugueses não foram os primeiros a defender o critério de cor para a escravização de pessoas. O comércio muçulmano de escravizados negros já era praticado no norte da África vários séculos antes de os primeiros navegadores portugueses aportarem na costa africana. Os muçulmanos seguiam os ensinamentos de Maomé, que permitiam a escravização de estrangeiros que não seguissem a fé islâmica.

A escravização islâmica de povos negros nunca teve, no entanto, a abrangência e a importância econômica que teria a escravidão moderna, praticada pelo mundo cristão, tanto da Europa quanto das colônias americanas. Essa é a segunda grande diferença entre a escravidão antiga e a moderna. A quantidade de pessoas escravizadas, a vasta extensão do território por onde a escravidão se espalhou e os lucros gerados por essa prática eram inéditos na história da escravidão.


Representação de europeus negociando pessoas escravizadas na África. Pintura de George Morland, 1788.


 Foto quadro - Trabalho escravo e trabalho servil.

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