Uma nova ordem mundial
Intensa disputa pelo poder no Oriente Médio e o fundamentalismo islâmico.A desagregação do bloco socialista marcou definitivamente o fim da velha ordem bipolar e a emergência de uma nova ordem mundial. Mas o que de fato define essa nova configuração internacional de poder?
Em um primeiro momento, sobretudo em razão do enorme impacto que a desagregação do bloco socialista representou, muito se falou sobre a “vitória” do capitalismo sobre o socialismo. Por isso, para muitos observadores da época, o início dos anos 1990 marcou o alinhamento ideológico e político dos governos e organismos internacionais à hegemonia mundial exercida pelos Estados Unidos.
No entanto, embora os Estados Unidos tenham conseguido difundir a agenda neoliberal pelo mundo, a ideia de um mundo unipolar não se confirmou. A emergência de novas potências e a rearticulação das mais tradicionais, agora sob novas estruturas de poder, configuraram um cenário internacional cada vez mais complexo e descentralizado. Por essa razão, a tendência é dizer que a nova ordem mundial se caracteriza por uma configuração de poder multipolar.
A reestruturação política e econômica da Alemanha após a reunificação; a consolidação da União Europeia com a adesão de novos países; a emergência das economias asiáticas, principalmente da China; e as graves crises que atingiram o sistema financeiro dos Estados Unidos em 2008 e 2011 são fatores que nos permitem relativizar a suposta hegemonia internacional estadunidense.
No entanto, se a supremacia absoluta dos Estados Unidos não se confirmou, tampouco podemos dizer que existe uma relação de iguais no quadro das grandes potências. As revelações de espionagem levadas a público pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden, em 2013, mostram que o poderio dos Estados Unidos não é apenas econômico e militar; o país também controla as informações que circulam no planeta, principalmente por meio das tecnologias digitais de informação e comunicação.
Edward Snowden
Vista da cidade de Xangai, na China. Foto de 2018. A China tem a maior economia dos Brics e a segunda maior do mundo. Entre 2015 e 2017, os chineses investiram 60 bilhões de reais na compra de empresas no Brasil, ultrapassando os estadunidenses.
Fundamentalismo religioso e terrorismo
O fundamentalismo pode ser definido como qualquer movimento de pessoas que interpretam literalmente os textos sagrados de uma religião, sem contextualizá-los. Seus adeptos colocam as leis religiosas acima da solidariedade humana e são intolerantes em relação a outras culturas. Embora o fundamentalismo exista em praticamente todas as religiões, o islâmico é o que mais cresce no mundo atualmente.
Conceito de fundamentalismo
O fundamentalismo islâmico surgiu na década de 1920. Inicialmente, dizia respeito aos movimentos de natureza religiosa e social que promoviam campanhas de alfabetização e de assistência à população mais pobre. O objetivo maior desses grupos era buscar soluções próprias para os problemas nacionais com base na tradição islâmica.
ISIS - Grupo fundamentalista islâmico
A expansão dos grupos fundamentalistas foi motivada por condições específicas locais. No Oriente Médio, resultou principalmente da criação do Estado de Israel (1948) e dos conflitos que se seguiram entre Israel e os países árabes. No Afeganistão, surgiu durante a invasão soviética, entre 1979 e 1989, que dividiu o país e trouxe violência e pobreza.
Criação do Estado de Israel e suas consequências (conflitos entre israelenses e árabes)
As crises não resolvidas no Oriente Médio e a política intervencionista e unilateral dos Estados Unidos contribuíram para disseminar o fundamentalismo islâmico em vários países. A atuação central desses grupos continuou sendo a formação política e religiosa, a assistência social e o recrutamento de militantes, mas os atos terroristas ganharam peso. Os fundamentalistas muçulmanos, culturalmente, voltam-se contra o que chamam de “modelo de vida do Ocidente” e, politicamente, contra a ação de Israel, dos Estados Unidos e dos seus aliados.
Intervenções militares do governo de Washington no Oriente Médio
Legado da política intervencionista e unilateral dos Estados Unidos
O crescimento das ações terroristas no século XXI está diretamente relacionado às características da nova ordem mundial: o desequilíbrio econômico entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento, assim como as imensas desigualdades sociais; a descrença dos jovens em alternativas ao sistema capitalista; o consumismo; e os choques entre uma cultura global e as identidades locais.

Nuvem de fumaça se espalha pelo céu da ilha de Manhattan após atentado promovido pelo grupo terrorista Al Qaeda, que lançou dois aviões contra as torres do World Trade Center. Nova York, Estados Unidos, 11 de setembro de 2001.
A invasão do Afeganistão e do Iraque
Em 11 de setembro de 2001, aviões foram sequestrados e lançados contra as torres gêmeas do conjunto comercial World Trade Center, localizado em Nova York, e contra o Pentágono, sede do poder militar dos Estados Unidos. Os atentados terroristas, que vitimaram cerca de 3 mil pessoas, teriam sido promovidos pelo grupo fundamentalista islâmico Al Qaeda, então liderado pelo milionário saudita Osama bin Laden.
O governo dos Estados Unidos reagiu ao ataque com uma ofensiva militar contra o Afeganistão, país acusado de abrigar Bin Laden. Com o apoio do governo britânico, os estadunidenses investiram contra as principais cidades afegãs e isolaram a milícia do Talibã, grupo extremista islâmico que governava o país. Em dezembro de 2001, os Estados Unidos, com o apoio da ONU, nomearam um novo governo para o Afeganistão.
Osama Bin Laden e um membro do Talibã
Mas a situação no país não se estabilizou depois disso. A guerra entre os grupos extremistas e as forças dos Estados Unidos continuou. Segundo a ONU, entre 2010 e 2019, já haviam mais de 100 mil mortos. Em fevereiro de 2020, o governo dos Estados Unidos e o Talibã firmaram um acordo para a total retirada das tropas estadunidenses do Afeganistão, dando um passo importante para a reconciliação. É o conflito mais longo na história dos Estados Unidos, com um gasto de um trilhão de dólares.
Depois de iniciar a guerra no Afeganistão, as atenções dos Estados Unidos se voltaram também para o Iraque. Em 2003, tropas estadunidenses invadiram o território e capturaram o ditador Saddam Hussein, acusado pelos Estados Unidos de financiar grupos terroristas e de fabricar armas de destruição em massa. Em 2006, Saddam Hussein foi julgado por crimes contra a humanidade e condenado à morte por enforcamento.
Em agosto de 2010, o então presidente Barack Obama anunciou o fim das operações no Iraque. Calcula-se que 105 mil civis e quase 5 mil militares morreram nos conflitos. Cerca de 1,8 milhão de iraquianos abandonaram o país e hoje vivem como refugiados em países do Oriente Médio, da Europa e do norte da África.
Soldados estadunidenses iniciam suas operações em região próxima a Kandahar, no Afeganistão, em dezembro de 2001.
O Estado Islâmico
Um dos resultados da interferência dos Estados Unidos no Oriente Médio foi a ascensão do grupo extremista sunita Estado Islâmico. Ele foi fundado no Iraque, em 2003, após a queda do governo de Saddam Hussein e a perseguição movida pelo novo governo aos sunitas. Seus adeptos se autodeclararam a seção da Al Qaeda no Iraque. O grupo consolidou-se em 2013, quando anunciou sua fusão com uma milícia islâmica síria, formando o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS).
Buscando combater os “infiéis” e estabelecer um grande califado islâmico, em 2015 o grupo chegou a controlar uma área que se estendia do oeste do Iraque ao leste da Síria, onde instaurou um regime ditatorial e teocrático. Porém, após a resistência de exércitos e milícias locais e o apoio de potências estrangeiras, em 2017 e 2018 o ISIS perdeu cerca de 95% desse território.
A Primavera Árabe e a guerra civil na Síria
No final de 2010, uma revolta popular iniciada na Tunísia atingiu depois o Egito, a Líbia, a Síria e repercutiu em outros países árabes do Oriente Médio e do norte da África. Nesses países, milhões de manifestantes foram às ruas reivindicar liberdades democráticas, melhores condições de vida e o fim dos governos ditatoriais. Essa onda de revoltas populares foi chamada pela imprensa de Primavera Árabe.
Na Síria, os protestos contra o ditador Bashar al-Assad foram duramente reprimidos pelo governo. Em resposta, a população pegou em armas e teve início uma guerra civil. A partir de então, o conflito se alastrou, envolvendo diferentes grupos. Primeiro formou-se o Exército Livre da Síria, grupo laico formado por rebeldes que combatiam o regime de Assad. A eles se juntaram os curdos, povo que vive espalhado por territórios da Síria, do Iraque, do Irã, da Armênia e da Turquia e luta para fundar um Estado independente.
A entrada em cena de grupos fundamentalistas, como o Estado Islâmico e a Frente Nusra, embaralharam a guerra e deram ao conflito um caráter religioso. Esses grupos passaram a combater o governo de Assad e as forças rebeldes sírio-curdas.
Além disso, o conflito na Síria passou a contar com interferências externas. A Rússia, o Irã e o Hezbollah libanês apoiavam o regime de Assad, alegando que combatiam o terrorismo. Já os rebeldes recebiam dinheiro e armas da Arábia Saudita, dos Estados Unidos e do Reino Unido, que acusavam Assad de assassinar civis.
Até março de 2020, estima-se que a guerra civil na Síria já tinha causado cerca de 380 mil mortes e o refúgio de mais de 5,6 milhões de pessoas.
O êxodo sírio

A crise dos refugiados
Crise de refugiados - Vitimas dos conflitos militares, religiosos, étnicos etc.
Os refugiados são pessoas que deixam seus países fugindo de guerras civis ou de perseguições religiosas, étnicas, raciais ou políticas. Em muitos países, os refugiados podem solicitar asilo político, instituição jurídica que não beneficia os imigrantes.
De acordo com dados publicados em 2019, estima-se que 70,8 milhões de pessoas tiveram que deixar seus locais de origem fugindo de guerras ou perseguições. Cerca de 25,9 milhões se encontravam na condição de refugiados, protegidos pelo direito internacional. Eles eram originários da Síria, do Sudão do Sul e do Afeganistão, principalmente.
A maior parte dos refugiados vive em países vizinhos. Outros, porém, se dirigem à Europa, onde enfrentam a hostilidade de grupos xenófobos. As pressões internas e externas levaram os países da União Europeia a aprovar a criação de centros de triagem das pessoas resgatadas no mar. Nesses locais, os refugiados são separados dos imigrantes econômicos, que devem retornar aos países de origem.
Cartaz xenofóbico em Portugal
Apesar disso, muitos continuam arriscando suas vidas na travessia do Mediterrâneo. De 2017 a meados de 2018, quase 4 mil pessoas morreram no mar tentando chegar à Europa. Há também imigrantes e refugiados oriundos da África Subsaariana que não conseguem sequer chegar ao litoral. Eles ficam retidos em prisões da Líbia, país que lidera as denúncias de captura e escravização de seres humanos.

Resgate de imigrantes e refugiados chega à ilha de Lesbos, na Grécia, em 2019. Uma rota comum de travessia para a Europa parte da Turquia pelo Mar Egeu.
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