domingo, 18 de dezembro de 2022

Bases de resistência à ditadura militar no Brasil (1964 - 1985)

 Bases de resistência à ditadura militar no Brasil (1964 - 1985)

Mesmo com as demonstrações de violência e censuras, parte da sociedade brasileira não desistiu da democracia.

O humor contra a propaganda

O Brasil tem uma longa tradição no uso do humor como recurso para comentar acontecimentos, geralmente políticos, através de charges divulgadas em jornais, revistas e mais recentemente na internet. Trata-se de desenhos que frequentemente satirizam e ironizam personagens e situações, bem como expressam crítica ou indignação. 

Muitos artistas talentosos se destacaram nessa atividade, como Ziraldo, cujos trabalhos foram publicados em vários jornais e revistas do país e mais tarde foram reunidos em um livro. É o caso da charge abaixo, veiculada primeiro na imprensa periódica brasileira na década de 1970. 

Charge de Ziraldo sobre a Copa do Mundo de 1970, publicada no livro 1964-1984: 20 anos de prontidão, de 1984. 

Resistência entre estudantes e operários

Quando se trata de explicar a resistência à ditadura civil-militar no Brasil, o mais adequado é falar em lutas, no plural, pois, ainda que diferentes grupos lutassem pela mesma causa, não havia uma estratégia única de combate. 

No caso das organizações estudantis, destacou-se a União Nacional dos Estudantes (UNE). Antes do golpe civil-militar, a UNE tinha uma sede no Rio de Janeiro, onde se organizavam congressos para discutir os problemas da educação no país e se definiam as formas de luta. Lá também funcionava o Centro Popular de Cultura (CPC), que levava o teatro, a música, o cinema e a literatura às escolas, universidades, fábricas, favelas e sindicatos. Muitas produções artísticas do CPC tinham como tema a realidade social do Brasil e a vida do trabalhador.

Com a implantação da ditadura, o prédio da UNE foi incendiado por civis que apoiavam os militares, logo na manhã do dia 1º de abril de 1964. A organização foi colocada na ilegalidade e acabou se dispersando. Apesar disso, os estudantes continuaram atuando na clandestinidade.

O último congresso clandestino da UNE aconteceu em outubro de 1968, em Ibiúna, no interior de São Paulo. Descobertos pela polícia, mais de 700 estudantes foram presos no local. Depois disso, a repressão do governo militar ao movimento estudantil intensificou-se. Muitos estudantes foram presos e mortos pela ditadura, outros continuaram atuando na clandestinidade e alguns tiveram de deixar o país.
Policiais prendem estudantes no sítio Muduru, no município de Ibiúna (SP), onde se realizava o 30º Congresso da UNE, em 12 de outubro de 1968.

Greves em Osasco e Contagem

Assim que tomaram o poder, em 1964, os militares promoveram intervenções nos sindicatos, criaram leis para impedir a organização dos trabalhadores e procuraram atrair lideranças sindicais para o lado do governo, os chamados pelegos. Por meio de acordos com esses líderes, a ditadura visava controlar o movimento operário, reduzindo sua independência e, assim, uma possível resistência.

Em 1968, no entanto, operários metalúrgicos mostraram que havia brechas no sistema. No dia 16 de abril, milhares de trabalhadores da região industrial do município de Contagem (MG) desafiaram a Lei Antigreve e “cruzaram os braços”, reivindicando aumento salarial, além de liberdades civis e políticas. A greve durou onze dias e os trabalhadores conseguiram 10% de reajuste. Houve grande repressão policial e muitos líderes sindicais foram perseguidos e presos.

No dia 16 de julho, inspirados no exemplo dos operários mineiros, metalúrgicos de Osasco, em São Paulo, paralisaram as máquinas da Cobrasma, empresa de material ferroviário, e ocuparam suas instalações. Em apenas três dias, seis das onze principais fábricas da região foram paralisadas. A greve foi liderada pelo Sindicato dos Metalúrgicos, então dirigido pelo jovem José Ibrahim. Os operários reivindicavam aumento salarial, contrato coletivo de dois anos e reajustes salariais trimestrais. A repressão policial começou durante a madrugada e resultou na prisão de aproximadamente quatrocentos operários.

José Ibrahim - Líder da Greve dos metalúrgicos de Osasco

A cultura contra a ditadura

Muitos compositores, cantores, dramaturgos e cineastas fizeram de sua arte uma forma de protesto contra a opressão e a violência da ditadura. 

Um dos principais artistas da resistência ao regime foi o cantor e compositor paraibano Geraldo Vandré. Em 1968, Vandré compôs a canção Pra não dizer que não falei das flores e a apresentou no III Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro. A música, que conquistou o segundo lugar, acabou se transformando em um hino de resistência à ditadura. Por conta disso, a canção foi censurada pelo governo, e Vandré foi obrigado a deixar o país.

Geraldo Vandré se apresenta no III Festival Internacional da Canção no Maracanãzinho, na cidade do Rio de Janeiro, em 1968.

Outro artista que se destacou foi Chico Buarque. Suas canções de protesto ficaram marcadas por driblarem a censura prévia imposta pelo governo com o uso de letras de duplo sentido. Uma delas, Apesar de você (1970), traz versos que aparentemente retratam uma briga de namorados, mas, na verdade, se referem a Médici. A canção, inicialmente liberada pela censura, foi proibida quando o governo se deu conta de seu verdadeiro significado.

Chico Buarque - Apesar de Você

Chico Buarque e MPB4 - Roda Viva

Chico Buarque e Milton Nascimento - Cálice
https://www.youtube.com/watch?v=wV4vAtPn5-Q

A cena teatral do período também produziu espetáculos que criticavam as injustiças sociais e exaltavam a luta contra a ditadura. Grupos teatrais, como o Teatro de Arena e o Teatro Oficina, realizaram montagens que defendiam a liberdade na política e nos costumes. As peças estimulavam o espectador a misturar-se aos atores e a participar da ação, rompendo com a ideia de que o público deve manter-se passivo diante dos acontecimentos.


Teatro de Arena Lima Duarte

A revolução no cinema

Na década de 1950, um grupo de jovens cineastas iniciou um movimento que combatia o predomínio da produção de filmes inspirados na indústria cinematográfica estadunidense. Conhecido como Cinema Novo, esse movimento defendia a produção, a baixo custo, de filmes que abordassem os problemas do Brasil, visando uma renovação estética do cinema nacional.

Com poucos recursos técnicos e utilizando a miséria do povo como pano de fundo para suas histórias, os cineastas Glauber Rocha, com Deus e o Diabo na terra do Sol (1964), Nelson Pereira dos Santos, com a adaptação para o cinema do romance Vidas secas (1969), de Graciliano Ramos, e o moçambicano Ruy Guerra, com Os fuzis (1964), marcaram o ponto alto do movimento.


Glauber Rocha - Deus e o Diabo na terra do Sol (1964)

A luta armada

Parte da resistência ao regime militar não acreditava que a luta pacífica fosse capaz de derrotá-lo. Assim, vários estudantes, operários, políticos, camponeses, intelectuais e até mesmo alguns militares contrários ao golpe recorreram à luta armada, organizando grupos guerrilheiros para atuar nas cidades e no campo.

Os agrupamentos armados mais importantes do período foram os seguintes.

* Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Organização socialista formada, sobretudo, por militares de esquerda contrários ao golpe militar de 1964. A principal liderança do movimento foi o ex-capitão do exército Carlos Lamarca.

VPR

* Aliança Libertadora Nacional (ALN). Dissidência nascida em 1967, no interior do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que era contrário à luta armada. Tendo Carlos Marighella como seu principal líder, organizou diversos assaltos a bancos para arrecadar fundos na luta contra a ditadura civil-militar.


ALN

* Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). Também dissidente do PCB, esse grupo e a ALN foram responsáveis pelo sequestro, em 1969, do embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, solto em troca da libertação de alguns presos políticos.


MR8

* Guerrilha do Araguaia. Organizada pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B) na região do Rio Araguaia, na Amazônia brasileira, tinha como objetivo mobilizar os camponeses para lutar pela reforma agrária e ser o ponto de partida da revolução socialista no Brasil.


Guerrilha do Araguaia

A repressão a esses movimentos foi brutal. Até o final do governo Médici, as organizações guerrilheiras tinham sido eliminadas, e seus militantes estavam mortos, presos, desaparecidos ou exilados.

Presos políticos trocados pelo embaixador dos Estados Unidos Charles Elbrick, sequestrado pelo MR-8 e pela ALN, momentos antes de partirem para o exílio no México. Rio de Janeiro, setembro de 1969.

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