O fim do Império Romano do Ocidente e a continuação do Império Romano do Oriente
O Crepúsculo de uma cidade Gigante: A Queda de Roma no Ocidente e a Resistência de Bizâncio
A queda do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. é um dos marcos simbólicos que encerram a Antiguidade e dão início à Idade Média. No entanto, essa narrativa de "queda" é apenas metade da história. Enquanto Roma sucumbia, o Império Romano do Oriente, que evoluiria para o que chamamos de Império Bizantino, não apenas sobreviveu como floresceu por mais mil anos. Entender essa divisão e seus desfechos distintos é fundamental para compreender a formação do mundo medieval e moderno.
A Crise do Império Romano: Uma Tempestade Perfeita
A crise do século III (235-284 d.C.) expôs as fragilidades estruturais do Império. As causas foram múltiplas e interconectadas:
1. Crise Política e Militar: A instabilidade era a regra. O título de imperador era frequentemente disputado por generais rivais, levando a guerras civis constantes e golpes de estado (a "Anarquia Militar"). Isso enfraquecia as fronteiras e a autoridade central.
2. Crise Econômica: As guerras civis e a necessidade de defender as vastas fronteiras exigiam enormes despesas militares. O Estado recorria à desvalorização da moeda, misturando metais preciosos com ligas baratas, o que gerou uma inflação galopante. A pesada carga tributária arruinava a população e o comércio.
3. Pressão dos "Bárbaros": Grupos germânicos como os Godos, Francos e Vândalos, pressionados pelos Hunos vindos do Oriente, começaram a cruzar as fronteiras do Império (o limes), inicialmente como aliados (foederati) e depois como invasores e saqueadores.
4. Descentralização e Fragmentação: O imenso tamanho do Império, da Britânia ao Egito, tornava sua governabilidade quase impossível em tempos de crise. A comunicação era lenta e as províncias distantes frequentemente se rebelavam.
A Divisão do Império: Uma Solução que se Tornou Permanente
Diante dessa crise multifacetada, o imperador Diocleciano (284-305 d.C.) concebeu uma solução radical: a Tetrarquia (governo de quatro). O Império foi dividido em duas metades, Oriental e Ocidental, cada uma com um Augusto (imperador sênior) e um César (imperador júnior e sucessor). A ideia era que quatro governantes, cada um responsável por uma região, poderiam responder mais rapidamente a ameaças militares e administrativas.
Essa divisão foi consolidada pelo imperador Constantino, o Grande (306-337 d.C.). Ele não apenas legalizou o Cristianismo (Édito de Milão, 313 d.C.), mas também fundou uma nova capital para o Oriente: Constantinopla (antiga Bizâncio, hoje Istambul) em 330 d.C. Constantinopla era estrategicamente localizada no entroncamento entre a Europa e a Ásia, possuía defesas naturais e facilidade de comércio, rapidamente eclipsando Roma em riqueza e importância.
A divisão não foi inicialmente pensada para criar dois impérios separados, mas sim para facilitar a administração de um só. No entanto, após a morte de Teodósio I em 395 d.C., o Império foi dividido definitivamente entre seus dois filhos: Honório (ocidente) e Arcádio (oriente), e as duas metades nunca mais seriam reunidas.
Por que a Divisão Não Salvou o Ocidente (476 d.C.)?
A divisão administrativa, na prática, aprofundou os destinos divergentes das duas metades:
· Ocidente Mais Fraco: O Império do Ocidente era mais rural, economicamente mais pobre e muito mais exposto às invasões bárbaras ao longo do Reno e do Danúbio. A corrupção e a instabilidade política em Roma e Ravena (a capital ocidental no século V) eram endêmicas.
· Oriente Mais Rico e Estável: O Oriente possuía cidades prósperas, uma economia monetária sólida, uma densa população e rotas comerciais lucrativas. Constantinopla era uma fortaleza quase inexpugnável.
· Falta de Apoio Efetivo: Embora o Oriente tenha prestado ajuda militar e financeira ao Ocidente em várias ocasiões, suas prioridades eram defender seus próprios territórios dos Persas e de outros povos. Eles não tinham recursos ou vontade política para salvar um parceiro em colapso terminal.
Em 476 d.C., o chefe germânico Odoacro depôs o último imperador romano do Ocidente, o jovem Rômulo Augusto, e enviou as insígnias imperiais para Constantinopla, declarando que o Oriente agora tinha um único imperador. Este ato é considerado o fim simbólico do Império Romano do Ocidente.
O Império Romano do Oriente (Bizantino): O Herdeiro de Roma
Com a queda do Ocidente, o Oriente não apenas sobreviveu, mas manteve viva a chama de Roma por mais um milênio. Os historiadores modernos o chamam de "Império Bizantino" para distingui-lo de sua origem romana, mas seus habitantes se autodenominavam sempre "Romanos" (Romaioi).
Características Principais:
· Território: Seu núcleo era a Grécia, a Anatólia (atual Turquia), a Síria e o Egito. Ao longo dos séculos, seu território flutuou drasticamente, chegando a recuperar o Norte da África, a Itália e o sul da Espanha sob o imperador Justiniano, mas depois se reduzindo principalmente aos Bálcãs e à Anatólia.
· Economia: Era uma economia urbana e comercial vibrante. Constantinopla era o centro de uma rede comercial que ligava a Europa, a Ásia e a África. A produção de seda (após a obtenção do segredo dos bichos-da-seda da China) e o solidus, uma moeda de ouro de altíssima pureza, eram a base de sua riqueza e prestígio internacional.
· Sociedade e Política: Era uma sociedade profundamente hierarquizada e burocrática, centrada na figura do Imperador, que governava com poder absoluto, visto como representante de Deus na Terra (Cesarpapismo). A complexa burocracia estatal, cheia de títulos e cargos, era essencial para administrar o Império.
· Religião: O Cristianismo Ortodoxo era o coração da identidade bizantina. O Patriarca de Constantinopla era uma figura de grande autoridade, embora frequentemente subordinada ao imperador. Disputas teológicas (como a Questão Iconoclasta) e a rivalidade com o Papa em Roma levaram ao Grande Cisma de 1054, que dividiu a Cristandade entre Igreja Católica Romana e Igreja Ortodoxa Oriental.
· Cultura: Os bizantinos foram os guardiões do conhecimento clássico greco-romano, copiando e preservando manuscritos de filósofos, cientistas e historiadores antigos. A arte bizantina é famosa por seus mosaicos deslumbrantes, sua arquitetura (como a Hagia Sophia, mandada construir por Justiniano) e seus ícones religiosos.
Imperadores Famosos:
· Justiniano I (o Grande) (527-565): Tentou reconquistar o antigo território do Império Romano do Ocidente. Seu general, Belisário, recuperou o Norte da África da Itália e parte da Espanha. Ele também ordenou a compilação do Corpus Juris Civilis, a base do direito civil moderno.
· Basílio II, o Matador de Búlgaros (976-1025): Um grande militar que expandiu o Império aos seus limites máximos desde Justiniano, esmagando o Império Búlgaro.
Principais Acontecimentos:
· Cerco de Constantinopla (626, 674, 717): Defesas bem-sucedidas contra persas e árabes, salvando a Europa de invasões.
· Grande Cisma (1054): Separação definitiva das Igrejas Oriental e Ocidental.
· Batalha de Manzikert (1071): Derrota catastrófica para os turcos seljúcidas, que abriu a Anatólia à ocupação turca.
· Queda de Constantinopla (1204): A Quarta Cruzada, desviada de seu objetivo, saqueou e conquistou Constantinopla, fragmentando o Império por décadas.
· Queda Final de Constantinopla (1453): O sultão otomano Maomé II conquistou Constantinopla após um longo cerco, marcando o fim definitivo do Império Romano.
O Fim do Império Bizantino
O Império enfraquecido não conseguiu se recuperar do saque de 1204. No século XV, estava reduzido a pouco mais que a cidade de Constantinopla e partes da Grécia. O avanço inexorável do Império Otomano, com seu poderio militar superior, culminou na queda de Constantinopla em 29 de maio de 1453. O último imperador, Constantino XI Paleólogo, morreu lutando nas muralhas.
O Legado do Império Romano para a Humanidade
O legado de Roma, transmitido e transformado por Bizâncio, é imenso:
· Direito: O Direito Romano, codificado por Justiniano, é a pedra angular da maioria dos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina.
· Língua e Cultura: As línguas românicas (português, espanhol, francês, italiano, romeno) descendem do Latim. A cultura, a filosofia e a literatura greco-romana foram preservadas.
· Cristianismo: O Império Romano foi o veículo de propagação do Cristianismo, que se tornou uma das forças culturais mais influentes do mundo.
· Engenharia e Arquitetura: Técnicas de construção (aquedutos, estradas, arcos, cúpulas) e planejamento urbano.
· Administração e Burocracia: Conceitos de cidadania, administração provincial e um serviço civil profissional.
Em suma, a queda de Roma no Ocidente em 476 não foi o fim da civilização romana, mas sua transformação. Enquanto a Europa Ocidental se reorganizava em reinos feudais, o Império Romano do Oriente manteve a tocha da antiguidade clássica, protegendo-a, adaptando-a e transmitindo seu legado para as gerações futuras, moldando profundamente a história da Europa, do Oriente Médio e da Rússia.
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Exercício de História: O Fim do Império Romano do Ocidente e o Império Bizantino
Instruções:
· Leia o texto de apoio com atenção antes de responder.
· Para as questões discursivas, seja claro e objetivo, utilizando seus próprios palavras.
· Para as questões de múltipla escolha, escolha a alternativa que melhor completa a afirmação.
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Parte 1: Questões Discursivas
1. Explique, de acordo com o texto, duas das principais causas que levaram à crise do Império Romano a partir do século III.
2. Qual era o objetivo principal por trás da divisão do Império Romano idealizada por Diocleciano com a Tetrarquia?
3. Por que a fundação de Constantinopla por Constantino foi um evento de tanta importância estratégica para o Império Romano do Oriente?
4. Apesar da divisão administrativa, o Império Romano do Ocidente entrou em colapso em 476 d.C. Com base no texto, aponte dois motivos que explicam por que a divisão não foi capaz de salvar a parte ocidental.
5. O que foi o "Grande Cisma de 1054" e qual foi a sua principal consequência para o mundo cristão?
6. Além de ser um marco histórico, a Queda de Constantinopla em 1453 tem um significado cultural profundo. Explique qual foi o legado intelectual que o Império Bizantino ajudou a preservar e transmitir.
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Parte 2: Questões de Múltipla Escolha
7. O evento simbólico que marca o fim do Império Romano do Ocidente em 476 d.C. foi:
a) A conquista de Roma pelos persas.
b) A deposição do imperador Rômulo Augusto por Odoacro.
c) A transferência da capital para Ravena pelo imperador Honório.
d) A coroação de Carlos Magno como imperador do Ocidente.
8. A crise econômica que assolou o Império Romano foi agravada por uma prática do Estado que gerou inflação. Essa prática era:
a) A isenção de impostos para os patrícios.
b) A desvalorização da moeda.
c) O confisco de terras dos comerciantes.
d) A proibição do comércio com o Oriente.
9. Qual imperador do Oriente é famoso por suas campanhas de reconquista de territórios no Ocidente e pela compilação do Corpus Juris Civilis, base do direito moderno?
a) Constantino, o Grande
b) Teodósio I
c) Basílio II
d) Justiniano I
10. A capital do Império Romano do Oriente, Constantinopla, tinha uma localização estratégica vantajosa porque estava situada:
a) No centro da Península Itálica, facilitando o controle do Mediterrâneo ocidental.
b) No entroncamento entre a Europa e a Ásia, com facilidade para o comércio e defesas naturais.
c) No delta do rio Nilo, sendo o porto principal para o comércio de grãos.
d) Na costa do Mar Negro, isolada de rotas comerciais e invasões.
11. A relação entre o imperador e a Igreja no Império Bizantino pode ser descrita como:
a) Uma teocracia onde o Patriarca governava o Estado.
b) Uma separação completa entre Igreja e Estado.
c) Um cesaropapismo, onde o imperador tinha grande autoridade sobre a Igreja.
d) Uma submissão total do imperador às ordens do Papa em Roma.
12. Qual foi o principal antagonista responsável pelo fim definitivo do Império Bizantino com a conquista de Constantinopla em 1453?
a) O Império Sassânida
b) O Sacro Império Romano-Germânico
c) O Império Otomano
d) Os reinos cruzados
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