A República Romana: Fundações, Crise e Legado
A República Romana foi um período fundamental da história antiga que se estendeu de 509 a.C., com a queda do último rei etrusco, Tarquínio, o Soberbo, até 27 a.C., quando Otávio (futuro Augusto) recebeu o título de Princeps, marcando o início do Império Romano. Este sistema político não só moldou o destino de Roma, mas também deixou um legado duradouro para o mundo ocidental.
O Conceito de República
A palavra "república" vem do latim res publica, que significa "coisa pública". Em sua essência, uma república é uma forma de governo na qual o poder político emana do povo (ou de uma parte dele), e não de um monarca hereditário. O poder é exercido por representantes eleitos, em nome dos cidadãos, de acordo com um conjunto de leis estabelecidas (uma constituição).
· Na Roma Antiga: A República Romana não era uma democracia plena como a de Atenas. Era um sistema misto, uma aristocracia eletiva, onde o poder era compartilhado entre várias instituições (Magistraturas, Senado e Assembleias), dominado pela elite patrícia, mas com concessões aos plebeus.
· Nos Dias de Hoje: As repúblicas modernas, como Brasil, Estados Unidos, Portugal e França, são inspiradas, em parte, no modelo romano. Elas se baseiam em princípios como a soberania popular, a separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), o estado de direito e a eleição de governantes para mandatos temporários.
A Sociedade na Roma Antiga
A sociedade romana era profundamente hierárquica e dividida:
· Patrícios: A aristocracia latifundiária, descendentes das famílias originares de Roma. Detinham o poder político, religioso e econômico.
· Plebeus: A maioria da população – comerciantes, artesãos, pequenos agricultores. Inicialmente não tinham direitos políticos, mas conquistaram-nos ao longo de conflitos internos.
· Clientes: Homens livres que se colocavam sob a proteção de um patrício (o "patrono"), prestando serviços em troca de apoio econômico e político.
· Escravos: Prisioneiros de guerra ou endividados. Eram propriedade e não tinham direitos. Sua mão de obra era essencial para a economia.
A Cidadania na República Romana
Ser cidadão romano era um privilégio que conferia direitos e deveres. Inicialmente, a cidadania era restrita aos homens livres nascidos em Roma. Com o tempo, ela foi estendida a outros povos da Península Itálica. Os direitos do cidadão (civis romanus) incluíam:
· Direito de votar (jus suffragii).
· Direito de se candidatar a cargos públicos (jus honorum).
· Direito de se casar legalmente (jus connubii).
· Direito de fazer contratos e possuir propriedades (jus commercii).
· Direito a um julgamento justo perante a lei romana.
As Instituições da República Romana
O poder na República era dividido e balanceado entre várias instituições para evitar a tirania.
1. As Magistraturas: Cargos públicos eletivos e temporários, geralmente não remunerados, organizados no cursus honorum (carreira de honras).
· Cônsules: Dois magistrados supremos, com poder executivo e militar (imperium). Comandavam o exército, presidiam o Senado e as assembleias. Seus mandatos eram anuais e um podia vetar o outro (intercessio).
· Pretores: Responsáveis pela administração da justiça.
· Censores: Eram responsáveis por fazer o censo da população, determinar a classe social e supervisionar os costumes públicos.
· Edis: Cuidavam da administração urbana (abastecimento, obras públicas, jogos).
· Questores: Administravam o tesouro público e as finanças.
2. O Senado Romano: A instituição mais poderosa e duradoura. Era composto por ex-magistrados (geralmente patrícios) vitalícios. O Senado não criava leis, mas suas deliberações (senatus consulta) tinham força de lei. Controlava as finanças, a política externa e administrava as províncias romanas.
3. As Assembleias Populares:
· Assembleia das Centúrias (Comitia Centuriata): A mais importante. Organizada com base na riqueza e no serviço militar, elegia os magistrados superiores (cônsules e pretores), votava leis e declarava guerra. Favorecia claramente os mais ricos.
· Assembleia da Plebe (Concilium Plebis): Criada para representar os plebeus. Seus representantes, os Tribunos da Plebe, tinham o poder de vetar decisões do Senado e de outras magistraturas que fossem prejudiciais aos plebeus (intercessio). Suas decisões (plebiscita) tornaram-se leis para todos os romanos.
· Assembleia das Cúrias (Comitia Curiata): A mais antiga, perdeu importância política durante a República, mantendo funções religiosas e formais.
· Assembleia Tribal (Comitia Tributa): Baseada na divisão territorial da cidade (tribos), elegia magistrados menores e votava leis.
Conflitos Internos e Expansão
· Revoltas Internas (Luta das Ordens): O principal conflito interno foi entre patrícios e plebeus (séculos V a III a.C.). Os plebeus, excluídos do poder, recorreram a secessões (greves militares) para conquistar direitos. Resultaram na criação do Tribunato da Plebe, das Leis das Doze Tábuas (primeira codificação escrita do direito romano) e, finalmente, no direito de se tornarem cônsules.
· Militarismo e Expansionismo: A República era um estado profundamente militarista. A conquista era uma fonte de riqueza (espólios, escravos, terras) e prestígio para os generais. Roma expandiu-se pela Península Itálica, venceu Guerras Púnicas contra Cartago, dominou a Grécia e o Mediterrâneo Oriental, transformando o Mar Mediterrâneo em um "lago romano" (Mare Nostrum).
· Revoltas Externas: O expansionismo gerou revoltas, como as dos irmãos Graco, que tentaram reformas agrárias para ajudar os plebeus pobres, e a Guerra Social (91-88 a.C.), quando os aliados italianos de Roma se rebelaram para obter a cidadania romana, que lhes foi concedida.
Crise da República e Fim
O sucesso da expansão acabou por corroer as bases da República.
· Crise Social e Econômica: As grandes conquistas concentraram terras nas mãos de poucos (latifúndios), arruinando os pequenos agricultores, que migraram para Roma, formando uma massa de despossuídos. O exército, antes formado por cidadãos-proprietários, tornou-se profissional e leal aos seus generais (como Mário e Sula), e não ao Senado.
· Primeiro Triunvirato (60 a.C.): Uma aliança política informal entre três dos homens mais poderosos de Roma: Júlio César, Pompeu e Crasso. Eles concordaram em governar Roma juntos, contornando as instituições republicanas. A morte de Crasso e a ambição de César e Pompeu levaram à guerra civil.
· Guerra Civil (49-45 a.C.): Júlio César, ao cruzar o Rubicão com seu exército, desencadeou uma guerra civil contra Pompeu e o Senado. Vitorioso, César tornou-se ditador perpétuo, concentrando poder demais e sendo assassinado em 44 a.C. pelos defensores da República (como Bruto e Cássio).
· Segundo Triunvirato (43 a.C.): Uma aliança oficial entre Otávio (herdeiro de César), Marco Antônio e Lépido para vingar a morte de César e governar. A aliança também se desfez em nova guerra civil, desta vez entre Otávio (no Ocidente) e Marco Antônio (no Oriente, aliado a Cleópatra do Egito).
· Otávio e o Fim da República: Otávio venceu na Batalha de Áccio (31 a.C.). Em 27 a.C., ele devolveu simbolicamente os poderes ao Senado, que, em troca, lhe concedeu o título de Augusto ("o Divino") e poderes absolutos. Mantendo a fachada das instituições republicanas, Otávio concentrou o poder real, inaugurando o Principado e pondo fim à República de quase 500 anos.
Legado e Contribuições
A República Romana deixou um legado imenso:
· Direito Romano: A base dos sistemas jurídicos da maioria dos países ocidentais, com conceitos como "presunção de inocência", "igualdade perante a lei" e "devido processo legal".
· Sistema de Governo Representativo: A ideia de eleger representantes para cargos com mandatos limitados.
· Conceito de "República" e "Cidadania": A noção de que o Estado é uma entidade pública e que o cidadão tem direitos e deveres.
· Arquitetura Política: O sistema de freios e contrapesos (checks and balances) para evitar a concentração de poder, influenciando diretamente as constituições modernas.
· Latim e Cultura: A língua latina deu origem às línguas românicas (português, espanhol, francês, italiano, romeno) e sua literatura, filosofia e engenharia foram pilares da civilização ocidental.
Em suma, a República Romana foi um laboratório político cujos acertos, crises e inovações continuam a ecoar, fornecendo as bases fundamentais para a compreensão do governo, do direito e da sociedade no mundo contemporâneo.
Atividade pontuada (+1,5)
Exercício: A República Romana
Parte 1: Questões Discursivas
1. Explique o significado do conceito Res Publica e compare brevemente como esse conceito se materializava na Roma Antiga e como se manifesta em uma república moderna, como o Brasil.
2. Descreva a estrutura social da República Romana, identificando os principais grupos e suas funções/status sociais.
3. Quais eram os principais direitos conferidos pela cidadania romana? Por que a concessão da cidadania era um tema tão importante, como demonstrado na Guerra Social?
4. Explique a função de duas das seguintes magistraturas romanas no cursus honorum: Cônsules, Pretores ou Tribunos da Plebe.
5. Qual foi a principal consequência política da profissionalização do exército romano durante o final do período Republicano?
6. Analise a seguinte afirmação: "Otávio Augusto manteve a fachada das instituições republicanas, mas na prática, pôs fim à República." Com base no texto, explique o que essa afirmação significa.
Parte 2: Questões de Múltipla Escolha
7. A expressão "Luta das Ordens", na República Romana, refere-se ao conflito político e social entre:
a)Romanos e os povos germânicos.
b)Patrícios e Plebeus.
c)Os generais Júlio César e Pompeu.
d)Senadores e a assembleia das centúrias.
8. O Senado Romano era uma instituição crucial durante a República. Suas principais atribuições incluíam:
a)Comandar diretamente as legiões em batalha e criar novas leis.
b)Eleger os Tribunos da Plebe e administrar a justiça civil.
c)Controlar as finanças do Estado, orientar a política externa e administrar as províncias.
d)Representar os interesses exclusivos da plebe e vetar decisões dos cônsules.
9. A Assembleia das Centúrias era a mais importante das assembleias romanas. Sua organização e sistema de votação:
a)Era baseado na divisão territorial da cidade, garantindo igualdade de voz a todos os cidadãos.
b)Favorecia claramente os cidadãos mais ricos, pois a divisão em centúrias lhes dava maior peso eleitoral.
c)Era restrita aos patrícios para a eleição do Pontífice Máximo.
d)Permitia o voto de todos os habitantes de Roma, incluindo mulheres e escravos.
10. O Primeiro Triunvirato (60 a.C.) foi uma aliança política informal que marcou a crise da República. Quem eram seus membros?
a)Otávio, Marco Antônio e Lépido.
b)Tibério Graco, Caio Graco e Júlio César.
c)Júlio César, Pompeu e Crasso.
d)Tarquínio, o Soberbo, Bruto e Cássio.
11. A expansão territorial romana durante a República trouxe uma consequência social grave que contribuiu para sua crise interna. Essa consequência foi:
a)A diminuição do número de escravos, encarecendo a mão de obra.
b)A concentração de terras nas mãos de poucos (formação de latifúndios) e o êxodo rural.
c)A imediata concessão de cidadania a todos os povos conquistados, desorganizando o Estado.
d)O fim das magistraturas, substituídas por governadores militares permanentes.
12. O legado da República Romana para o mundo ocidental inclui, EXCETO:
a)O conceito de cidadania com direitos e deveres definidos por lei.
b)A ideia de um governo representativo com mandatos temporários.
c)A criação do sistema de três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) independentes como é hoje.
d)A base do Direito Ocidental, com princípios como a "presunção de inocência".
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