quinta-feira, 29 de junho de 2023

Expansão e crise social na república romana

 A expansão romana (Roma parte 02)


Durante a república, os romanos levaram adiante um projeto de expansão territorial por toda a Península Itálica. Por meio da violência ou de acordos políticos, eles conseguiram dominar os diferentes povos que habitavam a região.


As guerras travadas com os povos vizinhos garantiram aos romanos terras para a agricultura, o controle de rotas comerciais, soldados para o exército e novas fontes de renda, pois os territórios conquistados eram obrigados a pagar tributos.


À medida que os plebeus enriquecidos ou membros das elites conquistadas pelos romanos conseguiam participar do Senado e chegar ao Consulado, eles eram admitidos na nobilitas, o conjunto de famílias nobres (patrícias e plebeias) que dominavam a política romana. Surgia, assim, uma nova aristocracia romana, reunindo as antigas famílias patrícias e os novos ricos, nascidos em Roma ou vindos de outras regiões da Itália.



Ruínas romanas na cidade antiga de Jerash, na atual Jordânia. Foto de 2012. Jerash teve um grande desenvolvimento a partir da ocupação romana, no século I a.C., tornando-se um importante centro comercial.


A conquista do Mediterrâneo


No século III a.C., Roma era o centro de uma poderosa confederação de povos e cidades itálicas e gregas. Mas o contínuo avanço dos romanos em direção ao sul da Península Itálica esbarrou em um adversário muito poderoso, a cidade de Cartago, situada no norte da África.


Cartago foi fundada pelos fenícios no século IX a.C. perto de onde está hoje a cidade de Túnis, capital da Tunísia. Logo se tornou uma potência comercial marítima, fundando colônias nas ilhas de Sardenha, Sicília e Córsega, na Península Ibérica e na costa africana do Mediterrâneo.


A disputa pelas rotas comerciais no Mediterrâneo levou Roma e Cartago à guerra. Os cartagineses eram chamados de puni pelos romanos. Por isso, as longas batalhas pelo domínio de Cartago e suas colônias receberam o nome de Guerras Púnicas. As batalhas tiveram início em 264 a.C. e chegaram ao fim apenas em 146 a.C., quando os romanos conquistaram Cartago e a transformaram em província de Roma.


No mesmo período das guerras contra Cartago, os exércitos romanos avançaram em direção ao Mediterrâneo Oriental e dominaram o Egito, a Síria, a Macedônia, a Grécia, a Ásia Menor e a Judeia. No século I a.C., Roma já controlava a maior parte das terras que circundavam o Mar Mediterrâneo.


As conquistas de Roma (201-31 a.C.)

 


Fonte: DUBY, Georges. Atlas histórico mundial. Barcelona: Larousse, 2010. p. 46; David Rumsey Map Collection. Disponível em <http://mod.lk/faxuq>. Acesso em 5 fev. 2020.


Mudanças geradas pela expansão romana


A expansão territorial transformou profundamente a cidade de Roma. Os espólios de guerra e os tributos pagos pelos povos vencidos enriqueceram a cidade, que erguia novas construções, como templos e aquedutos, e recebia cada vez mais pessoas e produtos de todos os municípios e províncias.


As conquistas possibilitaram ainda a formação de um novo grupo social: os cavaleiros. Eram plebeus afortunados que enriqueceram com a cobrança de impostos e a exploração econômica das áreas conquistadas. Quando uma cadeira no Senado vagava, era preenchida por um cavaleiro, que se tornava um “homem novo”. O conflito entre cavaleiros e patrícios pelo controle do Senado marcou os dois últimos séculos da república.


A obtenção de terras e de escravos, capturados entre os povos conquistados, levou ao surgimento de grandes propriedades escravistas, que produziam principalmente vinho e azeite. As pequenas propriedades camponesas, contudo, continuaram produzindo cereais e outros alimentos de subsistência.


A maior parte dos prisioneiros de guerra escravizados, no entanto, se concentrou nas cidades romanas, onde trabalhavam nas tarefas domésticas, em oficinas como artesãos ou lutavam nas arenas como gladiadores. Alguns escravos mantinham negócios próprios, pagando uma renda ao seu senhor. Outros, por serem mais letrados, eram recrutados para atuar como professores de crianças romanas.


Os escravos podiam ser vendidos, alugados e até mesmo mortos pelos próprios donos. No entanto, também podiam acumular riquezas e comprar sua liberdade. Quando libertos, permaneciam ligados aos antigos donos, recebendo proteção em troca de certas obrigações. Além disso, diferentemente do que acontecia na Grécia, em Roma os libertos podiam se tornar cidadãos.



Detalhe de um relevo romano representando o interior de um comércio de almofadas, século II. Na imagem, foram representados o proprietário do estabelecimento, compradores e escravos.


Rebeliões escravas


Como fizeram os plebeus no início da república, os escravos também promoveram várias revoltas no mundo romano. As primeiras ocorreram na Sicília, entre 136 a.C. e 132 a.C., e foram violentamente reprimidas. Novas revoltas eclodiram na pequena ilha entre 104 a.C. e 101 a.C. Nesse período, milhares de escravos organizaram exércitos para lutar contra as forças romanas, além de formar pequenas comunidades de escravos fugidos para preparar a resistência.


A mais famosa das revoltas escravas ocorreu em 73 a.C., em Cápua, no sul da Península Itálica. Segundo relatos da época, a revolta foi liderada por Espártaco, um escravo gladiador. Os gladiadores podiam ser escravos, prisioneiros de guerra condenados à morte ou criminosos. Eles lutavam nas arenas romanas, entre si ou com animais, por vezes até a morte. A grande habilidade de alguns gladiadores fazia com que se tornassem ídolos na sociedade romana: seus nomes eram escritos nos muros das cidades, e poemas eram feitos em sua homenagem. Os gladiadores tinham, portanto, um enorme prestígio social.


A princípio, apenas gladiadores participaram da rebelião liderada por Espártaco. Porém, aos poucos, o movimento ganhou a adesão de outros escravos, além de plebeus pobres e desempregados. Após mais de dois anos de combates, os rebeldes foram vencidos pelas forças romanas. Espártaco foi morto, e os cerca de 6 mil sobreviventes foram crucificados. Apesar da derrota, a revolta destacou-se pela duração e pelo número de pessoas que conseguiu mobilizar.


Dica de filme para assistir dentro do contexto histórico estudado:


Nome do filme: Spartacus


Direção: Stanley Kubrick 


País: Estados Unidos


Ano: 1960 


Duração: 184 min


O filme é uma narrativa ficcional criada a partir de relatos de historiadores gregos e romanos sobre a revolta de escravos liderada por Espártaco.


Depois de treinar em uma escola de gladiadores, Espártaco lidera uma fuga que logo se transforma em uma rebelião, mobilizando grande número de pessoas contra o governo romano.



Cena do filme Spartacus, do diretor Stanley Kubrick, 1960.


A crise social romana


As conquistas territoriais possibilitaram o acúmulo de muitas riquezas em Roma, mas também resultaram no aumento do número de pobres. Como a oferta de escravos era grande nas cidades romanas e nas propriedades agrícolas da Península Itálica e da Sicília, o número de plebeus desempregados cresceu. Nas cidades, um ambiente caótico de criminalidade, fome e doenças revelava a outra face da prosperidade romana.


Somente os patrícios e alguns plebeus enriqueceram com a expansão territorial romana. Os dois grupos tinham acesso às terras conquistadas (ager publicus) e controlavam os tributos cobrados nas novas áreas. Assim, a concentração de terras pela aristocracia ganhou grande impulso.


Os pequenos agricultores, ao contrário, ficavam cada vez mais pobres, pois, ao retornar das guerras de conquista, encontravam suas propriedades ocupadas. Dessa forma, muitos camponeses se deslocavam para as cidades à procura de trabalho. Mas, como vimos, eles acabavam desempregados devido à grande oferta de mão de obra escrava.


Assim, a república romana, apesar de ter conquistado glória, foi incapaz de resolver os problemas sociais que atingiam as camadas mais pobres e os grupos em ascensão, como mostra o texto a seguir.


“Na república, era o pequeno proprietário de terra quem fornecia os soldados para o exército […]; a legião era composta pelo cidadão romano, de condição livre, o mesmo que participava das assembleias que elegiam os magistrados e votavam leis. 


À medida que ocorreu a proletarização desta camada de cidadãos, tornou-se mais difícil recrutar as legiões, pois havia um requisito censitário mínimo, que não era mais atingido pelos cidadãos empobrecidos com as contínuas guerras. 


Situação paradoxal: o Estado romano nunca fora tão rico; o êxito das guerras vitoriosas proporcionava um impressionante afluxo de riquezas e escravos provenientes do butim. O Senado romano controlava o Mediterrâneo […]. Apesar disso, um número crescente de cidadãos sem terras se acumulava nas cidades, sobretudo em Roma, vivendo em condições precárias. O conflito social na fase final da república centrou-se na questão agrária, que afligia principalmente a plebe rural.”


CORASSIN, Maria Luiza. A stásis: o conflito na república romana. Hypnos, ano 7, n. 9, 2o sem. 2002, São Paulo. p. 77.



Questão da terra, charge de Angeli, 2008.


Explore e reflita


01 - A charge aborda um problema brasileiro da atualidade. Que problema é esse? 

02 - De que maneira a charge pode ser relacionada à crise da república romana?


 As reformas dos irmãos Graco


Diante desse cenário de crise, Tibério Graco, eleito tribuno da plebe em 133 a.C., propôs várias mudanças. Uma delas estabelecia uma ampla reforma agrária, que limitava o tamanho das propriedades rurais e distribuía terras aos camponeses pobres que lutavam nas guerras. Apesar de aprovada pelo Senado, a proposta teve forte resistência das elites. Assim, em uma rebelião liderada pelos patrícios, Tibério foi assassinado.


Dez anos depois, as ideias de Tibério sobre a reforma agrária foram retomadas por seu irmão, Caio Graco, eleito tribuno da plebe. Além de defender a distribuição de terras para a população pobre, Caio Graco propôs estender a cidadania romana aos povos aliados da Península Itálica. A resistência às propostas de Caio Graco foi geral. Temendo ser assassinado por seus inimigos, ele determinou que um escravo o matasse.


No final do século I a.C., o mundo romano mergulhou em uma profunda crise social, que contribuiu para o fim da república.



Miniatura representando os irmãos Graco, publicada em uma edição da obra Vidas paralelas, de Plutarco, século XV.


Próxima aula

O Império Romano


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