segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Política do apartheid na África do Sul

Política do apartheid na África do Sul


Nelson Mandela na luta contra a política do apartheid.

O que foi o Apartheid?

https://historiaecio.blogspot.com/2024/04/dia-da-liberdade-30-anos-do-fim-do.html


Em que medida o regime do apartheid na África do Sul pode ser comparado ao nazismo na Alemanha?


A legislação segregacionista

Colonizada por holandeses desde o século XVII, a porção sul da África teve uma história diferente da do restante do continente. No início do século XX, após duas guerras contra os holandeses (Guerras dos Bôeres), os britânicos conquistaram as terras da região e, reconciliando com os africâners (descendentes dos holandeses), fundaram a União Sul-Africana, que passou a fazer parte da Commonwealth em 1910.

Bandeira Commonwealth

Commonwealth: Comunidade das Nações, originalmente criada como Comunidade Britânica de Nações, é uma organização intergovernamental composta por 56 países membros independentes. Todas as nações membros da organização, com exceção de Gabão e Togo, de Moçambique e Ruanda, faziam parte do Império Britânico, do qual se separaram.



Mapa Commonwealth


Em 1913 foi criada a Lei de Terras Nativas (Native Land Act), que restringiu o acesso dos nativos às terras do país, garantindo privilégios aos brancos. Os negros sul-africanos foram quase totalmente excluídos desse direito, sendo obrigados a viver em reservas que correspondiam a 7% das terras, em geral as menos férteis e pobres em recursos minerais. Isso foi garantido com a proibição dos nativos de comprarem ou contratarem terras pertencentes aos brancos.



Em 1913 foi criada a Lei de Terras Nativas (Native Land Act) - Aviso de perigo, área de reserva (onde os negros eram obrigados a viver).

Além disso, o governo passou a oferecer empréstimos a juros baixos aos agricultores brancos, o que permitiu a eles desenvolver suas propriedades com a compra de máquinas agrícolas e outras melhorias. Isso contribuiu para quase acabar com a competição entre eles e os fazendeiros negros, que empobreceram.



A desigualdade social e a segregação racial ficavam cada vez mais evidente na África do Sul.

Políticas como a Lei de Terras Nativas contribuíram para ampliar o racismo e as desigualdades sociais na África do Sul, reforçando a segregação racial.



Lavoura de abacaxis na província de KwaZulu-Natal, África do Sul, s/d.

O que foi o apartheid?


Apartheid

A instituição do apartheid como sistema legal na África do Sul aconteceu após a vitória do Partido Nacional nas eleições de 1948. Convidado a compor o novo governo, o sociólogo e grande defensor do apartheid Hendrik F. Verwoerd criou, entre 1949 e 1953, o aparato legal da segregação.


Hendrik F. Verwoerd - Sociólogo defensor do apartheid.


A nova legislação estabeleceu acessos diferenciados para negros nas escolas, praias, clubes, ônibus, universidades e outros espaços públicos de convivência; introduziu uma nova classificação racial entre os sul-africanos, com base nos termos da Lei de Registro da População, diferenciando-os em brancos, mestiços, indianos e negros; proibiu os casamentos inter-raciais; e segregou as etnias nativas em reservas separadas, chamadas bantustões, onde as crianças e os jovens negros recebiam uma educação diferenciada da destinada aos brancos.



Apartheid - 
Lei de Registro Populacional: exigia que todos os cidadãos se registrassem como negros, brancos ou mestiços. 

A política segregacionista na África do Sul atendia aos anseios dos representantes da “supremacia ariana”, grupo nacionalista que compartilhava ideais racistas semelhantes aos defendidos pelos nazistas na Alemanha de Hitler. Após a chegada do Partido Nacionalista ao poder, os supremacistas ficaram política e economicamente fortalecidos, pois conseguiram reduzir as oportunidades de trabalho para a população negra, com uma clara política de reserva de mercado para os brancos.



Os nacionalistas pregavam a supremacia ariana, mesma supremacia ariana pregada pelos nazistas.


Gesto com a mão formando as letras WP (White Power - Poder Branco). A supremacia branca é uma ideologia que acredita na falsa ideia da superioridade natural do homem branco. Os supremacistas alimentam ideais racistas contra diferentes grupos da humanidade e, atualmente, têm forte ligação com o neonazismo. Historicamente, um dos grandes símbolos dos supremacistas brancos foi a Ku Klux Klan.



Infelizmente, ainda existe pessoas que acreditam na segregação racial e na supremacia branca. Filipe Martins (integrante do governo Bolsonaro) e o gesto que gerou revolta, por sua identificação com supremacistas brancos - Reprodução/TV Senado.


Crianças brincam em lago de acesso restrito às “crianças europeias”, conforme a placa de aviso, na África do Sul, em 1956.

A resistência ao apartheid.


As primeiras manifestações contra as leis segregacionistas foram organizadas pelo Congresso Nacional Africano (CNA), partido político fundado em 1913 por ativistas negros e indianos. Um de seus principais líderes foi o jovem advogado Nelson Mandela. Com a criação do apartheid, o CNA passou a organizar vários atos de desobediência civil, como greves e manifestações. Na província de KwaZulu-Natal, por exemplo, os atos de resistência pacífica contaram com a liderança do jovem advogado indiano Mahatma Ghandi, que estudaremos no próximo tema.



O Congresso Nacional Africano (CNA; em inglês African National Congress, ANC) é um movimento e partido político sul-africano. Foi fundado em 1912, na cidade de Bloemfontein, com a proposta de advocar os direitos da população negra do país. Desde o fim do regime conhecido como apartheid, em 1994, o CNA é o principal partido político da África do Sul, sendo apoiado pela aliança com Congresso dos Sindicatos Sul-africanos e o Partido Comunista Sul-Africano. Nelson Mandela foi a figura mais influente do partido, assim como de todo o continente africano. Nas eleições de 2009, o Congresso Nacional Africano obteve 65,9% dos votos para a Assembleia Nacional, confirmando-se como o partido político dominante.


Nelson Mandela

Mahatma Ghandi


No final da década de 1950, setores descontentes com a política do CNA fundaram o Congresso Pan-Africano (CPA). O novo partido defendia ações mais ostensivas contra o apartheid, além de apoiar a ideia de uma “África para os africanos”, ao contrário do programa multirracial do CNA.



O Congresso Pan-Africano foi uma série de cinco eventos ocorridos em 1919 em Paris, 1921 em Londres, 1923 em Lisboa, 1927 em Nova York, 1945 em Manchester, 1974 em Dar es Salaam e em 1994 em Kampala, na sequência da Conferência Pan-Africano de 1900 que tinham a intenção de abordar as questões enfrentadas pela África, devido à colonização da maior parte do continente pela Europa.

Orientados pelo CPA, os negros passaram a circular em áreas proibidas para eles e a ocupar lugares reservados aos brancos. Em março de 1960, uma manifestação pacífica convocada pelo CPA contra a lei que obrigava os negros a portar um passe para circular nas ruas foi brutalmente reprimida pela polícia. O Massacre de Sharpeville, como ficou conhecido, resultou na morte de 72 manifestantes e na prisão das principais lideranças dos dois partidos.


Massacre de Sharpeville


Após esse evento, o governo sul-africano baniu o CNA e o CPA, mas isso não impediu que outros movimentos surgissem. Alguns líderes do CNA, como Nelson Mandela e Walter Sisulu, fundaram a chamada A Ponta de Lança da Nação para lutar clandestinamente contra o apartheid. O movimento, contudo, foi também reprimido. Diante dessas derrotas, o CNA e o CPA acabaram organizando a luta clandestina fora da África do Sul. Internamente, se fortaleceria o Movimento da Consciência Negra, liderado pelo estudante de medicina Steve Biko, que retomou as táticas de guerrilha. Manifestações e greves de sindicalistas e estudantes explodiram por todo o país.



Após muita repressão por parte do governo, o Movimento da Consciência Negra, liderado pelo estudante de medicina Steve Biko, retomou as táticas de guerrilha.

 Um grito de liberdade

Trecho do filme Um grito de liberdade, que trata dos últimos dias de vida do ativista Steve Biko e da segregação sofrida pela população negra na África do Sul sob o regime do apartheid. Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=pBF7QRD502M


Nelson Mandela: a luta pela liberdade


Depois da tragédia de Sharpeville, Nelson Mandela, até então contrário à luta armada, convenceu-se de que era necessário radicalizar a resistência para derrotar o regime. Identificado em um protesto em 1962, Mandela foi detido, julgado e condenado à prisão perpétua.


A prisão de Mandela repercutiu no mundo todo. Por pressões da comunidade internacional, a África do Sul foi banida dos Jogos Olímpicos de 1972, bem como também teve seus produtos militares boicotados.



Mandela passou 27 anos na prisão — inicialmente em Robben Island e, mais tarde, nas prisões de Pollsmoor e Victor Verster. Depois de uma campanha internacional, ele foi libertado em 1990, quando recrudescia a guerra civil em seu país.

Em 1989, Frederik de Klerk venceu as eleições presidenciais com a promessa de formar um governo de conciliação. Em 1990, após forte campanha internacional, Mandela foi libertado. Em 1992, um plebiscito determinou o fim do apartheid e, no ano seguinte (1993), Mandela foi eleito presidente da África do Sul.



Com o gesto tradicional do movimento negro, Nelson Mandela saúda estudantes em uma escola na cidade de Johannesburgo, na África do Sul, na década de 1990.

O ubuntu e a difícil reconciliação

No dia 15 de abril de 1996, após quatro anos do fim do apartheid na África do Sul, foi instalada a Comissão de Verdade e Reconciliação. Presidida por um bispo anglicano, o sul-africano Desmond Tutu, essa comissão tinha como objetivos promover o diálogo entre vítimas e criminosos e reconciliar os laços comunitários – entre vizinhos, familiares e etnias –, muito fragilizados pela violência produzida em décadas de segregação racial.


Comissão de Verdade e Reconciliação.


Os trabalhos da comissão foram inspirados no princípio do ubuntu, segundo o qual um ser humano só existe em função de outros seres humanos, ou que um indivíduo só encontra sua identidade no interior de uma comunidade. Esse princípio é compartilhado por diversas etnias sul-africanas e foi estratégico no trabalho de reconstrução dos laços de confiança entre vítimas e algozes.



A Filosofia Ubuntu resgata a essência de ser uma pessoa com consciência de que é parte de algo maior e coletivo. Para isso, de acordo com os fundamentos da Filosofia Ubuntu, somos pessoas através de outras pessoas e que não podemos ser plenamente humanos sozinhos, sendo feitos para a interdependência.

O resultado desse trabalho foi um novo pacto de união nacional na África do Sul. Para tanto, foi crucial o esforço de reconstituição das graves violações aos direitos humanos ocorridas no período do apartheid. Além de identificar os crimes, foi necessário reconciliar os grupos em conflito. Nesse aspecto, a experiência sul-africana inovou em relação a outras experiências de transição política.



Após o fim do apartheid, o recém-eleito presidente Nelson Mandela lidera uma África do Sul que continua racial e economicamente dividida. Ele acredita que pode unificar a nação através da linguagem universal do esporte. Para isso, Mandela junta forças com Francois Pienaar, capitão do time de rúgbi, promovendo a união dos sul-africanos em favor do time do país na Copa Mundial de Rúgbi de 1995.

Centro de Memória Nelson Mandela

http://mod.lk/p1aco

Disponível em <http://mod.lk/p1aco>. Acesso em 28 fev. 2020.


O site disponibiliza para consulta uma série de documentos sobre a vida de Nelson Mandela (1918-2013) e permite compreender as razões pelas quais ele se transformou em símbolo mundial da luta pelos direitos humanos e contra o racismo.


No lugar da punição jurídica, foi aplicada a anistia aos criminosos, sob a condição de que reconhecessem os seus crimes e solicitassem o perdão.

O processo de transição política, contudo, não produziu transformações radicais na sociedade e na economia do país. Algumas heranças do apartheid ainda persistem. Calcula-se que 70% das terras férteis ainda pertencem à minoria branca, e os negros continuam sendo a categoria social mais vulnerável, ocupando os cargos de menor prestígio e que exigem baixa qualificação. Os negros também estão entre os menos alfabetizados e os que mais sofrem com as mazelas causadas pelo desemprego.



Sul-africanos caminham pelas ruas de uma township, em Cape Town, África do Sul. Foto de 2017. As townships são áreas urbanas criadas durante o apartheid para segregar os negros. Elas ainda existem e se caracterizam pelas habitações precárias e pela falta de serviços básicos, como saneamento.

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